Ao paladar dela, o gosto de álcool foi sempre ruim. Bebia mesmo era para se colocar para fora. E foi o que, naquele dia, literalmente, fez.
Passou muito mal, vomitou até quase torcer as vísceras. Pouco, quase nada, lembra-se do que passou. Foi trazida à casa e colocada debaixo de água fria, enquanto chorava e pedia desculpas, compulsivamente.
Ela que, durante meses, tentou quebrar os próprios ciclos, de fraqueza, de depressão, de masoquismos. Fez-se durona, distanciou-se dos problemas para não senti-los, distanciou-se dos pais para minimamente suportar a impotência de lidar com tudo aquilo que lenta e/ou brevemente fenece.
Amparada pelos braços maternos, vomitava: tanta culpa e fraqueza, tanto medo... e, em sua eterna solidão, aqueles exaustivos limites. Vociferava, em orações, a própria falta de fé. E nomeava amores, família e amigos, como se - e talvez porque, deveras, - mortalmente tudo fossem.
"Vale mais dar-lhe carinho que sermões. Não faça mais isso porque eu amo você" - foi o que ela teve e ouviu, depois, engolindo mais seco do que engoliria o abandono.
Foi assim: do jeito torto de sempre, manifestou amor - vomitando os sofrimentos dela dos sofrimentos deles, vomitando mesmo o amor que nem se tinha, e o não-entender, pois como pode ser amado alguém que sequer se ama? Perdão, ela pedia. Perdão! Por tanto suicídio e tanta auto-mutilação respingados em quem menos merecia. Perdão por tanta mácula.
E não há idéia do que será daqui por diante. Ela não sabe, nunca soube - e como poderia? - do próprio futuro, do próprio querer. Não sabe se agüenta, o quanto agüenta e até quando. Não sabe sequer se e o quê deseja suportar.
Só sabe de querer aprender a amar-se para merecer o amor alheio. Que Deus exista e que a faça querer suportar - e que ela suporte. Suporte amar tanto, se é tudo o que ela pode, e, sobretudo, ser amada com tamanha reciprocidade.
Continue de pé, menina, vamos! Ame(-se) e exista direito disso, por isso e mesmo sem isso. Eu também não sei. E talvez saiba cada vez menos. Mas amemos nosso não saber e cuidemos dele, como tudo o que nos resta, porque é assim que existimos.
Penso, pois: aquilo que vive, geralmente, não sabe. Sinceramente, menina... eu também não sei.