segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

NÁUSEA

Ao paladar dela, o gosto de álcool foi sempre ruim. Bebia mesmo era para se colocar para fora. E foi o que, naquele dia, literalmente, fez.

Passou muito mal, vomitou até quase torcer as vísceras. Pouco, quase nada, lembra-se do que passou. Foi trazida à casa e colocada debaixo de água fria, enquanto chorava e pedia desculpas, compulsivamente.

Ela que, durante meses, tentou quebrar os próprios ciclos, de fraqueza, de depressão, de masoquismos. Fez-se durona, distanciou-se dos problemas para não senti-los, distanciou-se dos pais para minimamente suportar a impotência de lidar com tudo aquilo que lenta e/ou brevemente fenece.

Amparada pelos braços maternos, vomitava: tanta culpa e fraqueza, tanto medo... e, em sua eterna solidão, aqueles exaustivos limites. Vociferava, em orações, a própria falta de fé. E nomeava amores, família e amigos, como se - e talvez porque, deveras, - mortalmente tudo fossem.

"Vale mais dar-lhe carinho que sermões. Não faça mais isso porque eu amo você" - foi o que ela teve e ouviu, depois, engolindo mais seco do que engoliria o abandono.

Foi assim: do jeito torto de sempre, manifestou amor - vomitando os sofrimentos dela dos sofrimentos deles, vomitando mesmo o amor que nem se tinha, e o não-entender, pois como pode ser amado alguém que sequer se ama? Perdão, ela pedia. Perdão! Por tanto suicídio e tanta auto-mutilação respingados em quem menos merecia. Perdão por tanta mácula.

E não há idéia do que será daqui por diante. Ela não sabe, nunca soube - e como poderia? - do próprio futuro, do próprio querer. Não sabe se agüenta, o quanto agüenta e até quando. Não sabe sequer se e o quê deseja suportar.

Só sabe de querer aprender a amar-se para merecer o amor alheio. Que Deus exista e que a faça querer suportar - e que ela suporte. Suporte amar tanto, se é tudo o que ela pode, e, sobretudo, ser amada com tamanha reciprocidade.

Continue de pé, menina, vamos! Ame(-se) e exista direito disso, por isso e mesmo sem isso. Eu também não sei. E talvez saiba cada vez menos. Mas amemos nosso não saber e cuidemos dele, como tudo o que nos resta, porque é assim que existimos.

Penso, pois: aquilo que vive, geralmente, não sabe. Sinceramente, menina... eu também não sei.

5 comentários:

Anônimo disse...

Nós e a Náusea...faça-se uma vida em mar aberto, ao mover das ondas contra uma linha horizonte infinita! faça-se um vômito amargo ao contato da lingua aspera e beija a morte neste instante lânguido! e pernas e braços bambos em vao em pé e mãos cambaleam sem ritmo procurando seu par, sem porto, sem parto, sem remo, sem vela, sem nada, só mar...

abraço Gabi,

Dami

Lívio disse...

Gabriela, o conto (penso que posso considerar o texto um conto) é triste.

O astral me fez lembrar de "Clarisse" e "Mariane", ambas do Legião.

O texto não tem o escracho dos "beatniks", mas também me fez lembrar deles.

Que essa menina perceba que ela é tão rica quanto todo mundo.

Gabriela Maria disse...

dami, obrigada por ler, por comentar... e q comentario bonito! valeu msm.

é, Lívio, conferi aki as musicas q vc mencionou e pelo q conheço do movimento "beatniks", acho q o texto tem um pouco a ver com tudo isso sim... e como tem! valeu...

Anônimo disse...

eu é que agradeço. é um prazer ler-te. e o comentario é inspiraçao desta leitura....

Losterh disse...

É. As ações e as conseqüências.
Amar é sempre demais. Mesmo que por um instante.