A gente cresce e aprende que o certo, bom e normal, é ter necessidades outras, muito outras, além de amar. A gente aprende a querer um mínimo de trabalho, dinheiro, reconhecimento social - e a poesia dos nossos olhos se perde em toda essa bagunça, a coisa se inverte e os bagunçados agora somos nós.
Porque se pudéssemos ser juntos e ser reais e ser sempre, provavelmente seríamos crianças de novo, descobrindo nós mesmos e o mundo, sem que nada mais tivesse muita importância. Uma palavra, um poro, um gesto, uma risada, um cheiro... e a vida seria sempre estranha, deslumbrante, assustadora, nova.
E o problema não seria a vida sempre tão real e avassaladora, mas não conseguirmos forjar tanta explicação, controle, poder e garantia, nem em brincadeira. O problema seria darmo-nos permissão para viver no escuro diante de tantos ávídos pela superestimada luz.
Talvez quando a velhice for nossa melhor amiga e o tempo for, explicitamente, contagem regressiva, talvez aí sim, haja devido respeito à escuridão. Talvez quando a experiência das cicatrizes de tentativas exaustas e contrárias forem nosso melhor argumento e quando nosso esforço pelo certo, bom e normal for, embora bem sucedido, ainda insuficiente... talvez, nesse momento, alguém concorde conosco em darmos as mãos e, simplesmente, brincar de roda. Talvez.
Até lá, como todos eles, concordamos em renunciar e brincar de adulto e fingir que o gostoso do faz de conta, da incerteza e da novidade é coisa pros nossos filhos. Porque, assim, - já que, em algum tempo e lugar, isso parece o mais justo e nobre - a gente mostra que aprendeu bem a lição de que a nossa época já passou.
"Que aconteça alguma coisa bem bonita para você, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em todos de novo, que leve para longe da minha boca esse gosto podre de fracasso, de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando." (Caio Fernando Abreu)
Letra e Tradução
5 comentários:
Pois é, Gabriela: a gente se torna adulto e se torna meramente burocrático. Lamentável.
Porra, ainda não li, mas já comentei, saiu do teu exílio afinal =D
*Comentário comemorativo*
Primeiro pensamento ao visitar seu blog: A GABI TA EXPLODINDO EM VEZ DE IMPLODINDO!!!!!!!!!
Segundo pensamento: Que post mais lindo e bom de ler, esse... Dá vontade de sair "citando" Gabi pro mundo inteiro *-*
Talvez.
O pior não é crescer, o pior é aprender a não viver, como se isso fosse a vida.
lindo!
É por isso que, assim como alguns acreditam em deus(es), eu acredito em universos paralelos, e que eu existo em vários lugares fazendo coisas distintas das que eu faço aqui. Só assim pra suportar essa zorra toda.
Mas sei que essas coisas são apenas fugas, e que nós temos que criar nossos "universos paralelos", e deixarmos de fazer de conta esse faz de conta que levamos tão a sério.
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