Hoje eu preferiria papel e caneta - papéis se despedaçam e canetas perdem-se e falham. Mas o scanner também falhou, então peço licença ao teclado do computador. Porque a avidez dos meus dedos apagou dele a transcrição das letras e comecei, então, a me perguntar se elas se ofenderam por serem tratadas com tanta imprescindível previsibilidade.
A partir de agora conto com a possibilidade de elas trocarem de lugar ou saírem para dançar. Assim, enquanto escrevo, cada caractere me presenteia com a grata surpresa de continuar aqui. Por mais competência assídua que ele transpareça, você também não acha ofensivo para com o sol esperar (e viver com a condição de) que ele nasça amanhã?
Tudo isto é só um jeito de nos convidar e me propor a fazer diferente: libertemo-nos, através de qualquer tipo de não-fé, da suposta constância e lealdade das coisas. Libertemos as próprias coisas de nós, para que possam(os) ser tudo o que se pode ser. Pois somos nós também caneta e papel, a qualquer momento rasgados, perdidos e/ou falhos e isso, sim, tanto quanto qualquer resignação e disponibilidade, merece todo o respeito.
"O homem encontra-se, ontologicamente, aberto à compreensão originária a respeito do mundo e do existente. Esta é uma condição que permite diferentes possibilidades de realização de si para o ser humano, mas também é sua tragédia." (Gilberto Safra)
4 comentários:
sim, somos canetas e papéis.... sim, isso é digno de respeito.
P.S.: Safra, é?
Ser lápis, papel, caneta, o que for, tudo descolorirá.
Acho q ainda prefiro perder-me e rasgar-me de vez em outra do que atingir a tediosa perfeição e estabilidade. E acho q vc tbm pensa assim, né Gabi?
Criadores e cria, vamos escrevendo, vamos sendo escritos.
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