(das cartas não entregues.)
Estou sempre prestes a cair de cima do muro. Temo que o texto de hoje não seja agradável, porque provavelmente vai transcrever minha dureza, meu cinismo, minha indiferença e, por isso mesmo, minha profunda tristeza.
Tenho empurrado a vida com a barriga, com uma exaustão ancestral. Mas não de qualquer jeito, tenho feito as coisas da melhor maneira possível, para tentar acreditar que valem a pena. É como comprar uma roupa cara, mesmo nem achando tão bonita, você veste, olha a marca cem vezes no espelho e talvez um dia acredite que gostou da roupa, que teve um bom motivo pra pagar tão caro por ela. Talvez você até encontre motivos - logo eu, que sempre me lixei para marcas.
Não escrevo sob nenhum pôr do sol, nem sentada num chão gramado, respirando qualquer ar fresco. E não escrevo, como habitualmente, da introspecção do meu quarto. Escrevo da faculdade, sobre uma mesa coletiva, fria, de granito, horário de almoço, ninguém por aqui. Nem eu.
Temo confessar algumas coisas a mim mesma... não faz sentido, nada faz. Nem hedonismo, nem pessoas, nem biografia já escrita, nem pretensões de continuar escrevendo qualquer coisa. Então, por que continuo viva? Eu não sei. Não sei se minha família continua sendo um bom motivo. Pessoas, cada dia mais distantes de mim, e eu, cada dia mais chata, insatisfeita, rabugenta. Cada dia mais escondida, mascarada, enterrada em cotidiano e normalidade.
Não sei por onde, nem como, mas pessoas ainda me parecem o motivo, quase que orgulhoso: morrer seria dar o atestado de fracasso a todos que me feriram, inclusive com excesso de cuidado, pra que eu não me sentisse ferida. Tanta gente certa, me tratou como a casca de ovo que eu sou/era, tão ofensivo quanto ser qualquer coisa possa soar.
Fraca. Sempre prestes a desmoronar, dissimulando casca grossa. Orgulho, vaidade, são bons motivos pra se viver. E, assim, continuo cumprindo as minhas obrigações, de estudar, produzir, trabalhar, me divertir. E vou escrevendo mentiras sinceras para agüentar. As pessoas começam a chegar... coloco minhas máscaras de volta. A olhos alheios, sou melhor assim.
(...)
Foi isto o que a Psicanálise fez de mim: soterrada na experiência do menos. Casca grossa? Mentira cem vezes dita vira verdade, é esse o ditado? Estou seca. As pessoas passam por mim, eu converso, sorrio e tudo está desesperadamente suportável. Como disse a Clarice, não estou gostando nada deste pacto com a madiocridade de viver. Maturidade e sobriedade, ou realismo? Talvez seja isso mesmo que o mundo espere da nossa maturidade e sobriedade: um pacto cego com a mediocridade de viver.
Mas não sei se é isso o que eu quero e espero de mim. Sinto que fui tão consertada por consertadores indigestos por meus defeitos...e compactuei, sim, pois eu precisei co-existir - existir, simplesmente, foi sempre pouco demais, mais sem sentido do que me submeter ao que quer que seja. E mais uma vez eu topei novo conserto, novos remédios, novos conselhos e, quem sabe até, uma nova terapia. I've been raising up my hands, drive another nail in - just what God needs, one more victim.
Afinal, foi essa resignação que me tirou do chão para cima do muro, mesmo que sempre prestes a cair, não foi? E eu, que havia pensado e escrito que em cima do muro é que é lugar solitário... doce defesa à minha integridade de melancolia. Aqui, em cima do muro, tem gente, sim, e é, vezes, até divertido. Só não é muito eu, mas...
Tenho esperanças de que um dia eu ainda olhe neste espelho e encontre os motivos pelos quais tenho pagado tão caro por esta roupa. Por enquanto, eu a desfilo a você e ao mundo, porque o que tem me alimentado, (ainda que) bulimicamente, são os aplausos. Vomitar tudo isto é o que ainda restou de genuíno em mim.
Quisera eu, depois de tudo, ter conservado certa pureza ébria, pelo menos até os trinta.
8 comentários:
Queria achar as palavras certas para escrever, mas nem sempre tudo é como a gente quer, talvez nem deveria! Gosto muito do que leio em seu blog, mas pela primeira vez me sinto impotente diante desta situação! Espero do fundo do meu coração que tudo se resolva ou que vc encontre as respostas que procura.
Fica bem!!!
A culpa do inocente é sempre a maior de todas, porque ele é condenado sem ter feito nada, sem fazer nada, sem nada.
Quanta delicadeza.
Pensei que as suas palavras fossem afiadas somente quando, por alguma razão, eu me identificava com elas. Mas nesse texto, em que não vi espelhos, mas uma vidraça nítida, eu senti as palavras afundando a ponta e virando a faca, virando, virando... Gabi, que sorte te conhecer em sua juventude! Não é só isso o que eu tinha para comentar, mas seus textos precisam ir decantando na gente. Depois te falo!
...vc é boa. Não pára cedo e nem perto.Parabéns pelo talento!
é incrivel como suas palavras tocam!
O ser humano, pelo menos o q se preze, é crise, reinvenção, e realmente não quero que vc "fique bem", quero que vc fique excelente, porque pra mim, antes os extremos do que as metades e acho q vc compartilha cmg desse pensamento: se não é pra ser de verdade, com toda a intensidade, não sejamos de mentirinha, aquele meio termo.
Eu ando cada vez mais irritada com algumas coisas que ouço na faculdade, querendo sacudir alguns professores/alunos bastante pra ver se eles olham em volta e caem na real. Já pensei por diversas vezes se aquele curso é pra mim, mas realmente me identifiquei com as palavras que uma pessoa q só agora surgiu na minha vida me disse: "acho q fiz esse curso por pura formalidade". Eu quero ir muito além dessa psicologia UFUzística nossa de cada dia, sabe? Acho q já descobrimos tantas coisas simplesmente FODAS depois desse padrãozinho UFU de encarar a Psicologia.
Ah, acho que foi um desabafo, mas logo que acabei de ler seu texto pensei nisso de novo.
O texto mantém o tom intimista de seus textos de uns tempos para cá.
Você, a psicologia, Lispector (de quem você parece gostar muito), Tori Amos, uma roupa cara... Junte tudo isso e mais aquilo que não sabemos e tem-se um texto.
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