Porque não adiantaria dizer que estou cansada de tentar banalizar esses cheiros e texturas todas. Cansada demais de fingir que posso alcançar qualquer não-sentido pro excesso de informação disponível o tempo todo nos corpos e intenções alheias. Eu não consigo. Nada disso me é banal, nem uma pontinha de dedo ou fio de cabelo, ou cheiro escuro e úmido de taverna e álcool, ou gosto ordinário, duro e frágil de macarrão quase al dente e arroz quase cozido. E aquele chão seco, todo quebrado, que me dói as costelas, e as mãos grandes do meu avô, que me faziam acreditar que, se eu coubesse dentro delas, seria o lugar mais seguro do mundo. As cinzas ainda em brasa daqueles papéis queimados mais cedo, enfeitando de laranja o breu. E o silêncio. A saudade, a vontade de que eu não precisasse diluir tanto ele por todos os meus sentidos e lembranças. Vontade de que ele tivesse dito sim e aceitado bem o fato de sozinho conseguir me fazer sentir o que eu preciso buscar sempre com tanta avidez no mundo todo ao mesmo tempo. O universo inteiro no seu cheiro, no seu gosto, na sua textura, nas proporções do seu corpo, do sorriso, no som da voz. O universo inteiro materializado numa pessoa só, como é que pode? Alguém sem olhos, eu que preciso tanto de olhos e que tanto temo olhos, não vejo os dele. Alma sem janelas, que eu queria tanto abrir. Eu é que devo ser a própria janela, porque aqui nem tem muita alma implícita, é tudo em mim óbvio demais. De implícito, tem mais é um vão, este buraco negro de fechadura pra olhar através e descobrir que aqui tem muito é você. Então não olhe pela janela se não quiser se encontrar do outro lado. Pois através não é eu, repare de novo. Eu mesma sou invisível, mas você pode sentir pelo cheiro e pela textura e pelo meu gosto, só não se engane pelo que ouvir - minha voz, embora pareça clara e sincera, só diz mesmo é quando cala. Só peço cuidado: pra sentir quem eu sou, se aproxime devagar, com calma, de leve, faz parte do processo me sentir sentindo você me sentindo... este atravessamento mútuo e de repente o universo também sou eu, e você mais janela do que nunca sonhou ser. Qualquer troca momentânea de sentidos, de éter, e ... BUM! É assim que um universo novo deve ter surgido: do encontro corajoso e sensível entre dois outros completamente paralelos; do beijo indizível entre janelas, para aquém e além de seus através. Pois que venham, outras velhas, as mesmas novas explosões.
A Bebel me deixa com cara de pastel
Pastel de vento
Que é pra voar lá longe
Onde a tristeza nunca vai me alcançar.
*Pedro Antônio de Oliveira*
5 comentários:
Quem está na janela quer o mundo. Quem abre a janela dá licença para o mundo entrar.
É a merda de ser feliz. Ninguém avisa quando começa e nem quando acaba.
eita... que beleza d transcrição das nossas inseguranças... parabéns... lindo...
"e eu devo amar o vácuo..."
olá!
tudo bom???
muito prazer,me chamo Augusto César...
gostei muito do seu blogger. show de bola!
estou lhe seguindo,me siga também???
http://osegredodosescritores.blogspot.com/
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