"De mãos dadas com minha infância
Eu te pressinto correndo ao meu lado
e te admiro.
Gosto de teu sorriso sem conflito,
tua trança
que balança frouxa contra o vento.
Acostumei-me a te levar comigo
pelos meus sucessos
e nos contratempos.
Eu me desculpo pelos meus excessos.
Há espaço pra nós duas,
suficiente
para poder te manter irreverente,
apoiada na minha metade equilibrada.
Assim me encosto
na textura sem rugas de teu rosto.
Se houver um quase nada
de divergência,
é melhor prevalecer a tua inconseqüência,
que é o nosso lado mais sadio.
Se por acaso houver um desafio,
há de vencer-me a ingenuidade
que evaporou no tempo,
que descorou nos tons da meia-idade.
Mas, quando um dia confrontarmos
nossas diferenças,
quero que se sobreponha
por sobre minha face mais tristonha
a tua liberdade mais traquina.
Eu te dou a mão num gesto de ternura,
porque te quero sábia,
porque me quero pura.
Meio mulher madura,
meio menina."
(Flora Figueiredo)
Ao receber este poema de presente da Vera, fiquei tentando responder a mim mesma em que momento da vida percebemos que a infância acaba - acho que ontem percebi. Quando eu era criança, meu pai conta que, um dia, brincando comigo, disse: "Gabi, dá sua mão pra eu colocar no fogo pra você ver que não queima", e eu dei. Ele, claro, não colocou minhas mãos no fogo mas observou o quão ingênuo é um ser humano que ama; quão ingênua é uma criança.
Mas há um momento na vida em que você se depara, por amor, colocando a ingenuidade do outro no fogo em troca da sua ingenuidade, também colocada pelo outro no mesmo fogo. E é assim que crescer dói. Mas é apenas uma mão queimada aqui e outra ali, por amor, por saber que são essas mesmas mãos que daqui a pouco terão que trabalhar, se sustentar, e viver os prazeres que a vida proporciona às próprias custas, aos próprios méritos. É o momento em que se descobre que, nem pai, nem mãe são mais responsáveis por quem você é e pelo que você faz. O responsável agora é você. E as duas mãos de ingenuidades queimadas, pois, se perdoam, e seguem em frente, já que foi por amor e por convenção social que tudo isso aconteceu. E algumas convenções sociais são necessárias para que vivamos bem em sociedade, ainda que auto-gerida.
Quem dera que pudéssemos ser crianças para sempre, sem nos responsabilizar pela "maioridade" em cuja teoria, Kant nos é tão clara - "O Iluminismo é a saída do homem da menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! "
Mas são apenas duas mãos de ingenuidades queimadas, e não corpos inteiros. Mão dignas, que vão trabalhar e usufruir, com equilíbrio, dos prazeres do próprio suor, do próprio entendimento do mundo, da própria sabedoria conquistada pela experiência da vida, dos estudos, dos encontros com os outros. O resto do corpo e da alma continuam ingênuos. E quantas vezes mais nos veremos diante da perda da tão superestimada ingenuidade? São tantas as formas que nos ferem-na, que não consigo aqui enumerar. Mas algo de pueril, de gracioso, de generoso, de bailarino, de amoroso e, especialmente, de confiante no amor do outro, sempre permanece. Que nos abracemos às nossas queimaduras, mas também à nossa higidez. E sejamos, em paz, sem medo e sem mágoas, o que tivermos de ser.
"Eis que eu reconheci o que é bom: que é conveniente ao homem comer, beber, gozar de bem-estar em todo o trabalho ao qual ele se dedica debaixo do sol, durante todos os dias de vida que Deus lhe der. Esta é a sua parte. Deus dá ao homem bens e riquezas, e lhe concede delas comer e delas tomar sua parte, e se alegrar no seu trabalho. Isso é um dom de Deus. Ele não pensa no número de dias da tua vida, quando Deus derrama em seu coração a alegria." (Ecl, 5; 17-19)
Mas há um momento na vida em que você se depara, por amor, colocando a ingenuidade do outro no fogo em troca da sua ingenuidade, também colocada pelo outro no mesmo fogo. E é assim que crescer dói. Mas é apenas uma mão queimada aqui e outra ali, por amor, por saber que são essas mesmas mãos que daqui a pouco terão que trabalhar, se sustentar, e viver os prazeres que a vida proporciona às próprias custas, aos próprios méritos. É o momento em que se descobre que, nem pai, nem mãe são mais responsáveis por quem você é e pelo que você faz. O responsável agora é você. E as duas mãos de ingenuidades queimadas, pois, se perdoam, e seguem em frente, já que foi por amor e por convenção social que tudo isso aconteceu. E algumas convenções sociais são necessárias para que vivamos bem em sociedade, ainda que auto-gerida.
Quem dera que pudéssemos ser crianças para sempre, sem nos responsabilizar pela "maioridade" em cuja teoria, Kant nos é tão clara - "O Iluminismo é a saída do homem da menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! "
Mas são apenas duas mãos de ingenuidades queimadas, e não corpos inteiros. Mão dignas, que vão trabalhar e usufruir, com equilíbrio, dos prazeres do próprio suor, do próprio entendimento do mundo, da própria sabedoria conquistada pela experiência da vida, dos estudos, dos encontros com os outros. O resto do corpo e da alma continuam ingênuos. E quantas vezes mais nos veremos diante da perda da tão superestimada ingenuidade? São tantas as formas que nos ferem-na, que não consigo aqui enumerar. Mas algo de pueril, de gracioso, de generoso, de bailarino, de amoroso e, especialmente, de confiante no amor do outro, sempre permanece. Que nos abracemos às nossas queimaduras, mas também à nossa higidez. E sejamos, em paz, sem medo e sem mágoas, o que tivermos de ser.
"Eis que eu reconheci o que é bom: que é conveniente ao homem comer, beber, gozar de bem-estar em todo o trabalho ao qual ele se dedica debaixo do sol, durante todos os dias de vida que Deus lhe der. Esta é a sua parte. Deus dá ao homem bens e riquezas, e lhe concede delas comer e delas tomar sua parte, e se alegrar no seu trabalho. Isso é um dom de Deus. Ele não pensa no número de dias da tua vida, quando Deus derrama em seu coração a alegria." (Ecl, 5; 17-19)
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