sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

QUITES

Dá raiva. É só o que dá. Tentar fazer tudo certo, superar meus próprios limites, desafiar-me todo dia, colocar à prova os meus medos, as minhas renúncias, a minha pequenês e a minha grandeza - dá raiva me esforçar tanto em manter acesa a chama desta vida tão aparentemente ordinária, limitar meus desejos, minhas palavras, meus silêncios e, mesmo assim, sentir-me apenas mais uma no mundo. Isto é uma oração, Deus. o Senhor também sente raiva? Eu o perdôo... por tantas vezes fazer-me sentir tão humilhada, tão igual, tão suja, tão imiscuida, enclausurada, crucificada, medrosa, a despeito de toda a minha insistência em seguir os caminhos do meu coração que, desde sempre, tentaram ser seus. Perdôo porque, se sou feita à sua imagem e semelhança, o Senhor também deve ter lá seus equívocos - para quê criar aquela árvore com a tal da maçã do conhecimento, me diz? - ou o mundo não estaria assim, tão virado. Imagino que o Senhor chore comigo ao ler as grandes notícias e mais ainda ao presenciar, com os travesseiros, as pequenas tragédias pessoais. Eu o perdôo, Senhor, pelos seus pecados e, quem sabe  assim, o Senhor me perdoe por todos e tantos meus. Perdôo, sobretudo, porque preciso amá-lo, verdadeiramente, e me sentir verdadeiramente amada pelo Senhor. Preciso me confessar, falar de igual a igual, indagar como é não ser eu, sendo tão parecido. Posso, então, ser, de mim, caminho, verdade e vida? É este o livre arbítrio? E o Senhor ao meu lado, comigo, em juntidão? Senhor, eu o perdôo. O Senhor me perdoa? Vamos fazer as pazes para sempre? E o Senhor deixa eu ser uma amiga especial na sua eternidade e eu lhe faço o mesmo na minha? Um grande e carinhoso  abraço, que eu já estava com saudades.




"Meu Deus, me dê a coragem
De viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
Todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
Como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
Entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
Com este vazio tremendo
E receber como resposta
O amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
Sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
E mesmo assim me sentir
Como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
O meu pecado de pensar."
(Clarice Lispector)

3 comentários:

Anônimo disse...

muito intenso, emocionante, extraordinário..., aliás, vc é assim (rs). peço permissao para reproduzi-lo (citando a fonte, é claro)

abrço

Dami

Lívio disse...

Gabriela, sua prece revela fraqueza - por isso, é humana.

Gostei.

Gabriela Maria disse...

Claro, Dami. Obrigada.
E obrigada, Lívio. =)