sexta-feira, 30 de julho de 2010

BEATRIZ

O desafio tem sido a mim mesma, e não a nenhum de vocês. Domar os meus excessos, encontrar pertencimento... eu me apaixono sim, o tempo todo, por quem quer que se disponha, mas nada disso tem me parado. Não quero casa, não quero colo, não quero ouvir a coisa certa na hora errada, então me poupem de ter que explicar que de vocês qualquer coisa a mim basta. Aqui dentro não há expectativa, só gesso, embora eu ferva o tempo todo com verdade. Uma vez ou outra é suficiente, de vez em quando, não tentem me convencer, eu não vou entregar nada disto. Não preciso de ninguém me amparando, com essa breguice de esquecer o cinismo que só existe na frieza da minha solidão. Não preciso e não quero. Nem mãos dadas, nem carinho gratuito, nem admiração. O sossego não me agrada, ansiedade é meu vício, eu quero a montanha russa, a altura, a raiva e o medo. Quero a força, cacos não me inspiram, agora só vejo a cola. E se vocês não aceitam bem isso, fiquem um pouco mais longe, um pouco mais quietos, um pouco mais pacientes. Nada disso me interessa agora. Esta farsa que virou pele e ninguém se atreve a desnudar. E cada mentira é um espetáculo particular. Sim! Bis! Mais um! Para você.


quarta-feira, 28 de julho de 2010

DA CARTA

(À querida TT.)

Então ando transformando meu silêncio em companhia. O silêncio  das minhas tantas inquietações. E rezo a Deus para que não se transformem  mais em desespero, como acontecia há algum tempo. Não há mais desespero,  mas uma resignação de quem não tem nada a fazer senão abraçar os  próprios limites e os proprios buracos.

Sinto que estou num momento de me  acomodar em novo caminho, novas direções, novos movimentos. Um  momento que tem se arrastado por quase um ano, como um rio que acabou de  desaguar no mar, sem saber direito, mas tentando aprender, como  continuar, como misturar suas águas noutras sem perder-se de si. E vou seguindo assim mesmo, sem saber, que  isso é a unica coisa que realmente sei: andar no escuro, na corda bamba e farpada. Sem desespero, agora.

Às  vezes ainda me dôo e choro muito, um choro de lamento, baixinho, só meu. Um ato de materializar o que não consegue se fazer dito, de tanger a  solidão - molhando e secando. Na verdade, só a minha solidão tem sido  tão verdadeira e acolhedora comigo mesma. E, enquanto eu não conseguir  acolhê-la, fazê-la caber confortavel em mim, sinto que não vou conseguir  fazer-me caber confortável no mundo, na vida.

Há aqui algo de só meu, que o papel  (in)felizmente não vai levar, que você não vai receber. Algo com que chegou a  hora de eu conviver: a minha circunscrição, o limite do que sou eu e do que é  não-eu e eu nunca vou saber. O limite do que é você.

Obrigada por se fazer presente não-eu, dizível e/ou silenciável, você.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

AMOR

Não cobrarei provas
e não me cobres tu.
Porque as maiores são dadas
quando a gente não vê.



(poema e desenho produzidos em 2006)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

ASSUNTO

Outras vezes, todo este falatório
é mentira pura,
brincadeira, chatice,
invenção, exagero.

De verdadeiro, o falar mesmo,
só um jeito meu
de me sentir mais perto
e mais junto, sem dizer.

domingo, 18 de julho de 2010

RASCUNHO

Solidão é quando,
como agora,
só Deus sabe.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

SACO

É sempre assim, na hora de dar, você escolhe não dar nada, sempre nada, talvez porque ache que pouco pra mim não serve, porque pouco pra você não serve, porque muito você não dá conta, muito você não pode, porque supostamente só muito me serve. E, ironicamente, receber nunca é demais, eu sei, que feio você nunca ter conseguido correr de mim por se cobrar receber menos, eu não preciso dar menos, não é?! O problema é você, eu entendo, e eu que encontre alguém do meu tamanho. Quem não entende nada é você, nunca entende nada, acha que me conhece, acha que se conhece, acha que eu nos conheço e que um de nós está sempre prestes a desmoronar, então, melhor desmoronar bem de longe.

Covarde, é isso que você é, por querer se responsabilizar sozinho pelo seu desmoronamento, por querer que eu me responsabilize sozinha pelo meu, quando os destroços são igualmente nossos. E escolhe sempre o caminho mais difícil, de achar que se um de nós se segurar no outro, na hora agá alguém vai sair correndo, se magoar ou o diabo a quatro e qualquer bicho de trocentas cabeças. Eu não vou sair correndo, seu imbecil, e posso entender e até perdoar se você o fizer. Mas se você não acredita no que sentimos, nenhum contrato pode nos garantir qualquer coisa, pelo amor de Deus!

Eu também não peço nada que você não tenha, de bom grado, antes me dado. Então não haja comigo como se me devesse qualquer coisa além do que nós podemos ser juntos, ou como se tivesse que sumir pra eu não cobrar. Eu não vou cobrar, o convite é bem contrário, pare - por Deus, pare! - de se cobrar tanto, achando que quem não pode dar é você. Dê de si o que pode, como sempre foi! E deixe também eu me responsabilizar junto, reponsabilize-se comigo, ninguém aqui precisa de culpas.

Eu sempre acreditei, eu sempre soube, que esse muito é seu e, sinceramente, sempre achei que fosse muito, sempre achei que fosse tanto! Talvez por não entender de matemáticas clássicas - números nunca me importaram se não representassem alguma história, e a nossa história eu conheço, vejo, sinto, devoro os detalhes, os mínimos detalhes... e você pode suportar, sim, ser tão grande pra mim, tão muito, tão tudo, porque quem não suporta diminuir tudo isto sou eu. E se eu não consigo lhe mostrar isso, perdão, por favor, venha aqui, não vá embora, não, fique, do tamanho que você quiser, amor, eu quero e admito, por você, a culpa é toda minha.


(Para Ismael, com carinho.)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

NOBRE

A gente cresce e aprende que o certo, bom e normal, é ter necessidades outras, muito outras, além de amar. A gente aprende a querer um mínimo de trabalho, dinheiro, reconhecimento social - e a poesia dos nossos olhos se perde em toda essa bagunça, a coisa se inverte e os bagunçados agora somos nós.

Porque se pudéssemos ser juntos e ser reais e ser sempre, provavelmente seríamos crianças de novo, descobrindo nós mesmos e o mundo, sem que nada mais tivesse muita importância. Uma palavra, um poro, um gesto, uma risada, um cheiro... e a vida seria sempre estranha, deslumbrante, assustadora, nova.

E o problema não seria a vida sempre tão real e avassaladora, mas não conseguirmos forjar tanta explicação, controle, poder e garantia, nem em brincadeira. O problema seria darmo-nos permissão para viver no escuro diante de tantos ávídos pela superestimada luz.

Talvez quando a velhice for nossa melhor amiga e o tempo for, explicitamente, contagem regressiva, talvez aí sim, haja devido respeito à escuridão. Talvez quando a experiência das cicatrizes de tentativas exaustas e contrárias forem nosso melhor argumento e quando nosso esforço pelo certo, bom e normal for, embora bem sucedido, ainda insuficiente... talvez, nesse momento, alguém concorde conosco em darmos as mãos e, simplesmente, brincar de roda. Talvez.

Até lá, como todos eles, concordamos em renunciar e brincar de adulto e fingir que o gostoso do faz de conta, da incerteza e da novidade é coisa pros nossos filhos. Porque, assim, - já que, em algum tempo e lugar, isso parece o mais justo e nobre - a gente mostra que aprendeu bem a lição de que a nossa época já passou.


"Que aconteça alguma coisa bem bonita para você, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em todos de novo, que leve para longe da minha boca esse gosto podre de fracasso, de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando." (Caio Fernando Abreu)


Letra e Tradução