quarta-feira, 30 de junho de 2010

CATEDRAL DO SILÊNCIO

Até que venha a clareza,
do sim ou do não,
sacrifico-me
e não mais escrevo.

E tudo isto é seu.




E se, por isso, como previu Bukowski, eu entrar em combustão humana espontânea, pessoas, boa vida para vocês.

domingo, 27 de junho de 2010

ISTO SIM É TUDO

Você me escancarando demais, sempre mais, diante de mim mesma, diante de você. Nunca é suficiente ver as minhas feridas? Você não acredita? Então venha aqui e toque, cutuque, enfie os olhos, as unhas, as mãos. Enfie-se em mim, como você tanto deseja e faça sangrar até a última gota, se é isso o que lhe faz gozar, se é isso o que lhe faz sentir-se diferente de todos os outros, pior e melhor. Porque você é. E se contemplar não serve pra você, saiba que pra mim também é pouco. Porque eu sei que cheirar e beber tudo isto dói tanto em você quanto em mim. E, tanto quanto eu, você só sabe ser feliz se doendo de volta a quem, simultânea e felizmente, lhe dói. Como eu, é só assim que você consegue alcançar o céu? Mergulhando no inferno - fogo e veneno e sangue. Me importa e eu quero. Atravesse as suas vísceras nas minhas e nós vamos chegar aonde você e eu (não) quisermos juntos. Porque a hora (nunca) é agora.

QUASE SIMPLES

“Julgar-se é levar-se a sério demais. O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. Porque se aceita como é? Já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes – pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência –, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão. Ele é como os passarinhos de nossas florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. O real basta ao real, e essa simplicidade é o próprio real. Assim é o simples: um indivíduo real, reduzido à sua expressão mais simples. O canto? O canto, às vezes; o silêncio, mais freqüentemente; a vida, sempre. O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara. É o contrário da literatura: é a vida sem frases e sem mentiras, sem exagero, sem grandiloqüência. É a vida insignificante, a verdadeira vida." (Comte Sponville)


 - É... mas eu acho que a simplicidade é aparência... por dentro é tudo complicado.
- Acho que complica por dentro quando a simplicidade está em excesso por fora. Ou talvez ela fique excessiva por fora quando está complicado por dentro.
- Talvez a simplicidade seja a melhor ponte entre o eu e o outro. Mas é verdade que excessos podem transformar pontes em abismos.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

PELE

Fique longe o bastante, não seja cruel. Não banalize as nossas peles, os nossos encontros. Não me deixe sentir sozinha sua mão no meu braço, nas minhas mãos, o seu corpo no meu, a sua biografia na minha. Nem queira sentir sozinho quando tudo isso vier de mim.

Mas se for para se sentir duplamente toca(n)do, o meu toque e as ressonâncias do seu próprio, aqui estou. E eu quero-nos. Marque-se-me.

terça-feira, 22 de junho de 2010

ASSINADO SOL

Eu sou a Futica, ou Sol, como queiram, a dona da Gabi, embora ela às vezes pense que é ela a minha dona. Na verdade a gente se alterna - de vez em quando eu tomo posse da relação, de vez em quando ela, talvez porque nenhuma de nós duas gostemos de absolutismos. Então eu vim falar pra vocês sobre ela, bem no dia vinte e dois, um presente ao aniversário vinte e dois, acho que ela sempre quis que eu, que a conheço melhor que qualquer outro, dissesse o que penso dela, a ela, a vocês.

A Gabi me respeita tanto, talvez porque ela não queira que eu seja só um mascote, percebo isso. Se pudesse, acho que ela pensa que ficaria comigo no colo o dia todo, menos nas horas em que ela fica de saco cheio. Mas não dá, Gabi, tenho que passear por outros colos, eu também quero outros abraços. Você pensa isso porque você não queria gostar tanto assim de pessoas, porque ninguém fica tanto tempo quietinho no seu colo quanto eu, porque você também não consegue confiar no colo de alguém a ponto de ficar horas e horas por conta sem achar que o está sufocando e se sufocando junto. Adoro ficar horas no seu colo e você no meu, mas quando eu me cansar eu vou ter que fazer outra coisa e você também.

Falando em colo, tem dois assuntos que preciso tratar com você: um deles é a sua mania de sumir de mim quando você se apaixona e então eu preciso pular de braço em braço pra preencher sua ausência. Se você tivesse morrido ou partido, era outra história... o caso é que sinto sua falta, bobona, e você chega em casa cansada e não me dá colo, eu não te dou colo, até que um dia você não aguenta mais e volta a querer só a mim de novo. Será que dá pra dividir, pra não ter que ficar indo e voltando o tempo todo por simplesmente exaustão? O outro assunto é aquela coleira horrorosa, você sabe e eu sei que você sabe que aquela coleira me agride moralmente, vou dizer a verdade. Você quer passear comigo, que seja sem coleira, à solta, ora, e passear não é isso? E se for pra obedecer, ir só aonde você quer ir, então que seja no colo. Eu não sou nenhum bebê e sei  também que já peso nos seus braços, mesmo assim, se for pra obedecer, obedeço, desde que seja no colo.

Gente, esses dias um senhor bateu aqui na porta, e eu fiquei observando a Gabi. Ele estava bêbado e maltrapilho, a Gabi abriu a porta, eu lati muito pra defendê-la, acho que ela também ficou com medo, porque me tirou de perto. Então começou a conversar com ele e, meu Deus, como é doida ela e essa mania de achar que todo mundo só quer um abraço. Ele pediu dinheiro, não tinha, começou a contar sobre a vida dele, um copo d'água e não ia embora nunca mais! Ela perdeu a noção do perigo e deu nele um abraço. Acho que a Gabi não pensa muito nas coisas antes de fazer. Ao contrário dela, penso que, às vezes, defender-se é passar direto pelas pessoas - nem todo mundo vai entender o convite ao encontro sem querer logo invadir. Abraçar é bonito, Gabi, mas nem todo mundo fala a sua língua, aliás, a maioria das pessoas não.

Eu que já vi você chorar e rir, rezar e transar, acho que posso dizer que conheço um pouquinho do que é ser humano. E você olha pra mim e fica imaginando o que eu penso, como você sempre diz. Vou contar então, Gabi: não penso muita coisa na maior parte do tempo, não, eu só vou vivendo. Sabe, esse ar gostoso, o frio e tanto pêlo, o calor e tanto pêlo, o colo, as cores, a fome, os brinquedos, a sede, as vozes. Eu só vivo. Então você não precisa ficar se explicando o tempo todo, nem pensando tanta metalinguagem, eu não me importo. Você não precisa de filosofia pra viver comigo, não precisa fazer sentido. Pois se um dos nossos momentos mais especiais é quando a gente late uma pra outra... vai querer explicar isso pra mim?

É isso, Gabi, depois de tudo que a gente já se ensinou-aprendeu, se tenho ainda um presente pra lhe dar é tirar o excesso de nomes, que tem sido presente seu a mim. Então fique em paz e viva, comigo e além de mim. Simplesmente viva. Feliz aniversário. Viva! Viva!

quinta-feira, 17 de junho de 2010

POUSO VINTE E DOIS

Deixem em paz o meu amor, minhas lembranças, os meus valores e odisséias. Deixem em paz minhas dúvidas, o meu passado, minha tristeza, meu desespero, o meu cansaço. Deixem em paz meu não querer, a minha ausência, os meus silêncios, meus vazios, minhas multidões. Deixem em paz a minha arte.

Deixem em paz  o meu medo, os meu sins,  minha raiva, os meus espelhos, minha saliva, a indiferença.  Deixem em paz os meus ouvidos, os meus pra sempres, minhas falências, meus absurdos, as desistências, as minhas faltas, minhas solidões, os meus excessos, meus equilíbrios, meus vícios, meus desapegos. Deixem em paz o meu sexo.

Deixem em paz as minhas lágrimas, meus gritos, minha surdez, meus descaminhos, meu lixo e meu barulho.  Deixem em paz o meu canto, a timidez, meu salto alto, meus delírios, minha calma, os nãos, minha presença, o meu abraço, minha fraqueza, meus abandonos. Deixem em paz o meu tesão, a minha dança, os meus abismos, os meus cabelos, as minhas travas e os meus banhos. Deixem em paz os meus limites.

Deixem em paz os meus olhos, as rejeições, minhas mentiras, meus arrepios, os nuncas mais, a minha fome, meu sono, meus desdizeres, as controvérsias, a minha força, meus pensamentos e meu futuro. Deixem em paz a minha boca, a minha pele, minhas feridas, minhas potências, as cicatrizes, meu sangue, meu mijo, meus tênis, meu chocolate, as minhas garras, meu cobertor, a minha merda.  Deixem em paz o meu desejo.

Deixem em paz meus suicídios, filosofias, minhas loucuras, meus sonhos, meus horizontes e meus impulsos.  Deixem em paz o meu discurso, minhas verdades, os meus avessos, minhas partidas. Deixem em paz meus homicídios, minhas saias, os meus perdões, minhas culpas, meus dramas, o meu cansaço, o meu cansaço, o meu cansaço. Deixem em paz os meus temperos.
.
Agora se virem, todos, por favor, aceitem a parte que lhes cabe da responsabilidade, vão embora e ensinem-me a me deixar em paz e, quem sabe um dia, consigamos voltar. Deixemos em paz a minha morte.



terça-feira, 15 de junho de 2010

DESCONCERTAR

Eu encontro verdadeiramente as pessoas inclusive nos pontos dos ônibus tantos avós amigos amores crianças das minhas mesmas cores alegrias dores tão outros vários diferentes diversos dispersos imersos de mim em mim presentes olhares sorrisos mesmo ausentes me devolvem sempre turbulenta paz enquanto solidões alheias abraçam e se abraçam em minha eterna solidão amores se amando aqui dentro vazam deságuam transbordam drenam irrigam o que somos nossos rios mares todos um só em plural de espelhos sem metalinguagem é a coisa que sou de você em você em mim no silêncio sem sentido sentindo sentidos mil ensaiando sobre o caos que só o é sem ser. Desconserte-se-me.

COMPOSIÇÃO

"Sempre conservei uma aspa à esquerda e à direita de mim." "Não gosto tanto de mim a ponto de gostar das coisas de que eu gosto. Amo mais o que quero do que a mim mesma." "Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio." "E eu só sei viver as coisas quando já as vivi. Não sei viver, só sei lembrar-me.” "Não quero ser somente eu mesma. Quero também ser o que não sou." "Não se pode dar uma prova de existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando." "O que me mata é o cotidiano. Eu queria só exceções." "Faz de conta que ela não estava chorando por dentro, pois agora, mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado.”

(Clarice Lispector)

"Um poema como um gole d'água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata
perdida para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia
que a sua misteriosa condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza."

(Mário Quintana)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

CRIA

- Você quer saber por que eu mato pessoas? Pra impor respeito.

- Como assim?

- Algumas pessoas só te respeitam por medo. E mato quando sinto vontade, quando quero forjar algum controle, ou impressão de controle, sobre alguém.

- Quem você pouparia?

- Pouparia, não. Eu poupo. Poupo quem me respeita sem sentir medo de mim, mesmo que discorde. E poupo quem não tem medo de morrer, eu é que não vou fazer esse favor a ninguém. Mato pra desfavorecer. E também me disponho a ser convencido de critérios diferentes e até contrários. Você, por exemplo, está na sua hora, o que você vai dizer pra me convencer de continuar vivendo ou de morrer?

- Eu não tenho medo de você, mas também não me importo em morrer ou viver. Acho até bom que você assuma o controle e decida por mim.

- Não, eu já disse que não faço favores. A sua dificuldade é decidir? Decida você sobre o que você quer e tente me convencer. Eu espero.

- Mas eu não tenho critério. Talvez até tenha, e o meu único critério é sentir até ficar insuportável, é só quando insuporto que consigo decidir. E agora tudo que eu sinto é medo, não de você, mas de decidir antes de insuportar.

- Insuportar o quê?

- A vida ou a morte. Ainda são suportáveis agora, mornas demais. Não desejo nenhuma das duas com a força que eu gostaria. Você já decidiu por si?

- Não. Nunca por mim. Meu limite é decidir pelos outros, quando eles acham que podem muito decidir por eles mesmos. Tome a arma, é sua. Decida você por mim, não me importa. Controles não existem.

- Só porque eu também sei decidir apenas pelos outros, é sempre menos difícil. Então, até que eu encontre alguém que se sinta bem em decidir por mim, isto é por puro respeito... a nós dois. - Alguém no corredor ouve o tiro e entra: "Meu Deus, ele está morto! O que é isso?" - Você quer saber por que eu mato pessoas?

terça-feira, 8 de junho de 2010

NÃO

Organizarei este texto circunscrevendo a desorganização: do início ao fim, profunda desordem. Porque eu quero falar de tudo agora, mas não sei fazer dadaísmo. Eu quero falar de você e quero falar de mim, de saudade, cansaço, preguiça, arte e silêncio. Eu gosto tanto do silêncio... no silêncio às vezes eu queria ser mãe, esposa e cozinheira, mas as vezes eu queria ser puta. Queria alucinar trepando, mesmo com medo de não voltar. Eu que tanto temo os orgasmos pelos seus finais, tenho medo de eternidades. Acho mesmo é que eu só queria poder cuidar e ser cuidada, sem me preocupar com pra sempres ou nuncas mais. Não me importa que amanhã meu olho não tenha brilho ao ver você, hoje teve e foi intenso, não duvide, foi verdade, e não me importa que o seu olho não brilhe mais, brilhou agora e eu vi e lhe brilhei de volta. Deve ser esse o tal do “carpe diem”, mas se fosse assim simples, todo mundo viveria isso. Há expectativa também no carpe diem, nem que seja de um carpe diem recíproco. No que você pensará ao ler isso? Será que eu me torno sua esposa e a mãe dos seus filhos e cozinho pra você só porque escrevi que tenho vontade? Será que eu viro puta, se eu quiser? Só se você aceitar o convite e seria bom que sim, o único jeito de ser amoral, dizendo e comendo você verbalmente, em todas as posições possíveis, gritando e dizendo minha boca não, a boca não, não me pague, me pegue, me dê a sua verdade, seu cheiro, o brilho do seu olho e a sua pele e mesmo que amanhã não haja mais nada, eu sei que agora há. Dinheiro eu não quero, só quero você, a boca sim, eu quero demais, mas não posso, porque não quero amanhãs, carpe diem é a lei, se eu tocar sua boca o sol não vai nascer nunca mais, eu não me importaria, mas as pessoas não gostam de frio, as pessoas não gostam de escuro, eu poderia viver no frio e no escuro, mas não sem contagiar o mundo. Eu acho que não pagaria esse preço pra ser sua puta e sua esposa e cozinheira e melhor amiga e a mãe dos seus filhos, só agora, mesmo com tanto frio e tanto escuro neste não. Eu tenho medo é de amanhecer de vez. Eu é que não suportaria tanto calor e tanta luz. Você suporta? Eu quero mais é ver um filme e ler um livro e ouvir uma música e ficar quietinha esperando que nada aconteça no meu carpe diem resignado. Mas a boca, a boca sim, antes de qualquer coisa a boca, tocando, dizendo, comendo, lambendo, chupando... e nada, nada disso é seu, nem meu, a gente presenteia o presente e deixa tudo aqui, e depois a gente esquece, você finge que não foi nada e eu finjo que foi menos ainda. E voltamos a falar... silêncio não. A ordem é desordenar, anarquismo, política... quem quer saber de política? Cansaço, saudade. Você e eu.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

PARA LÍVIO (e outros)

Falte, sempre que quiser e precisar,
mas saiba que sua presença
faz sempre muita falta.