sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

SEGREDO (para Marcos Fabrício)

Está tudo se diluindo, a casa se partindo em fissuras, no caminho mais neblina que horizonte, na tevê noticiam-se as grandes tragédias - no meu travesseiro as pequenas pessoais, - e eu não tenho nenhuma certeza do que fazer para continuar sobrevivendo.

A gente aqui, caminhando em direção à morte, sempre um minuto a menos e uma nuance, ainda que cega, a mais: a escuridão invade e eu tenho a oportunidade de segurar forte a mão de alguém; quando tudo veste apatia, o silêncio me dá tempo para sentir esperança; ao barulho vazio de tanta explosão, eu percebo vibrar a vida na ressonância das minhas vísceras; e quando o universo fede, vou dizer a verdade, é incrível descobrir que fui feito também para me habituar.

As minhas pernas t(r)emem se quebrar antes da linha de chegada, embora sigam, e os meu olhos anuviados se esforçam em não piscar para não perder sequer um prenúncio de luz no breu. Por tudo isso mesmo, moça, talvez você não entenda, mas vou lhe contar, em segredo: a cada dia fico mais certo de que viver é bom demais. E eu quero continuar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

ABOLIÇÃO

Doa o que definitivamente dói - em nós e em você. Mas nós te libertamos. Pode ir, filha. Você tem mundos a encarar e a construir. Dos nossos sucessos e fracassos cuidamos nós. Mas fique um pouco por perto, não suma, não. A gente também quer cuidado e atenção, se não for pedir muito - é que nos acostumamos bem ao seu abraço. Gratidão não, que não há satisfação maior do que ver você aprendendo a andar.

Há mesmo as coisas inevitáveis e temos invariavelmente de vivê-las e lidar com elas - a desarmonia, a doença, a morte. E cada um faz o que pode. Vai, filha, porque eu confio e acredito que você não fará menos. Nem menos faremos nós.

E entre nós cabe sempre a mais um par de pernas, um novo caminho, uma nova dança. Então, filha, sem medo e sem culpa, vai, que a família ainda é esta; é nossa.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

NÁUSEA

Ao paladar dela, o gosto de álcool foi sempre ruim. Bebia mesmo era para se colocar para fora. E foi o que, naquele dia, literalmente, fez.

Passou muito mal, vomitou até quase torcer as vísceras. Pouco, quase nada, lembra-se do que passou. Foi trazida à casa e colocada debaixo de água fria, enquanto chorava e pedia desculpas, compulsivamente.

Ela que, durante meses, tentou quebrar os próprios ciclos, de fraqueza, de depressão, de masoquismos. Fez-se durona, distanciou-se dos problemas para não senti-los, distanciou-se dos pais para minimamente suportar a impotência de lidar com tudo aquilo que lenta e/ou brevemente fenece.

Amparada pelos braços maternos, vomitava: tanta culpa e fraqueza, tanto medo... e, em sua eterna solidão, aqueles exaustivos limites. Vociferava, em orações, a própria falta de fé. E nomeava amores, família e amigos, como se - e talvez porque, deveras, - mortalmente tudo fossem.

"Vale mais dar-lhe carinho que sermões. Não faça mais isso porque eu amo você" - foi o que ela teve e ouviu, depois, engolindo mais seco do que engoliria o abandono.

Foi assim: do jeito torto de sempre, manifestou amor - vomitando os sofrimentos dela dos sofrimentos deles, vomitando mesmo o amor que nem se tinha, e o não-entender, pois como pode ser amado alguém que sequer se ama? Perdão, ela pedia. Perdão! Por tanto suicídio e tanta auto-mutilação respingados em quem menos merecia. Perdão por tanta mácula.

E não há idéia do que será daqui por diante. Ela não sabe, nunca soube - e como poderia? - do próprio futuro, do próprio querer. Não sabe se agüenta, o quanto agüenta e até quando. Não sabe sequer se e o quê deseja suportar.

Só sabe de querer aprender a amar-se para merecer o amor alheio. Que Deus exista e que a faça querer suportar - e que ela suporte. Suporte amar tanto, se é tudo o que ela pode, e, sobretudo, ser amada com tamanha reciprocidade.

Continue de pé, menina, vamos! Ame(-se) e exista direito disso, por isso e mesmo sem isso. Eu também não sei. E talvez saiba cada vez menos. Mas amemos nosso não saber e cuidemos dele, como tudo o que nos resta, porque é assim que existimos.

Penso, pois: aquilo que vive, geralmente, não sabe. Sinceramente, menina... eu também não sei.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

CONCEITUAL

Definir amor é perdê-lo de vista,
é domar cavalo alado,
descrever timbre de cor.

Amor: só quem sentiu não sabe.



Vide: Inefável Poesia

sábado, 2 de janeiro de 2010

PUERIL

Quando a gente experimenta a desconstrução das coisas, a falta de sentido, é, talvez, a nossa maior oportunidade de questionar tudo o que se consegue conceber e, então, decidir, pessoalmente, o que fazer disso.

É só ter paciência e persistência - aos poucos as coisas vão clareando e as respostas aparecendo. Ou entao você aprende a brincar de devorar as dúvidas e de tatear no escuro, o que é mais divertido ainda.
 
Porque ser criança, ao contrário do que se pensa, é coisa de gente que se dispõe a crescer.