sábado, 5 de dezembro de 2009

E AGORA, GABI?

A luz se acendeu,
o povo chegou,
o som eclodiu,
a vida esquentou.

E agora, você?
Que afinal tem um nome,
faz versos, protesta,
você que, enfim, ama,
é amada, feliz.
E agora, Gabi?

Está em abraço,
falando bonito,
vivendo o melhor,
já não quer morrer,
chorar já não quer.
O sonho brilhou
e tudo é aí,
o mundo viçou.
E agora, Gabi?

Sua lágrima densa,
sua indecisão,
seu passo inseguro,
sua defesa cínica,
sua solidão...
seu medo - e agora?

De portas abertas,
não sabe ir e vir.
Diante do oásis,
não sabe beber.
Quer ir para Minas,
em Minas está.
Gabi, e agora?

Se você sorrisse,
se você dançasse,
se você brincasse
de dar cambalhotas...
Se você encarasse,
se você aceitasse...
mas você não aceita,
você é doída, Gabi!

Mãos dadas no dia
qual ciranda solta,
sem plena agonia,
sem um bom motivo
pra encosta em parede
ou fuga a galope...
você pára, Gabi!
Gabi, para quê?


"Ser feliz dói mesmo... ao contrário... mas dói." Gui Nunes

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

CIRANDA

Viver é apolíneo, coisa de gente esteta: o cão atrás do próprio rabo ou Sísifo condenado a rolar eternamente a pedra de mármore - o contrário de mediocridade não existe e mesmo assim a vida é bela.


Vide: No Breu

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

AGENDA

Ouço as vozes de dentro, vezes paridas: timbres diversos, algumas chamam meu nome em sussurro, enquanto outras tentam sintonizar a freqüência certa pra que eu as entenda. Em vão. Não entendo, tenho apenas medo e sono. Cansaço. Raiva.

A madrugada me atravessa e outro dia me invade com a sensação de nada - nada feito, nada a fazer. Mesmo sabendo ter feito tanto, mesmo ciente de mil pendências. Quero devorar tudo, embora não sinta fome. As roupas ficando pequenas, cheias de nada. Nada a chorar e sorrisos parecem escorrer ralo abaixo como se nada fossem.

Os sorrisos. O tempo, as coisas, os lugares, as pessoas. Um novo livro me bombardeia com suas dores de ausências. Ausências que em mim já não dóem. Assimiladas, vivas, vencidas, hoje jardim. A importância de tudo o que passa e só se legitima importante porque, de alguma maneira, passou. Ausências ilhadas de presente e presenças. Meus braços, por tanto tempo estendidos a um horizonte deserto, tocam agora doce oásis.

Raiva, cansaço, medo e sono são, quem sabe, maneiras quase eficazes de me defender da saúde, da paixão pela vida, de tanta vida.  Nada seria tudo, se fosse dor? Se fosse tristeza, tédio, carência, solidão? É isso que o espelho tem mostrado - uma devoradora compulsiva de tudo o que me adoece. Uma devoradora compulsiva de nada. Porque saúde me induz a viver sorrisos, ausências floridas e presenças quentes - que, por suas vezes, impelem-me a gostar de viver. Por menos que eu queira, por menos que eu saiba como.

E as vozes, há tanto tempo distantes, tentando conexão? Não. EU tentando a conexão, EU chamando o medo, as dúvidas, o não entendimento. Eu me enchendo de perguntas, por não suportar viver as respostas.

A agenda cada dia mais cheia de tudo. Um tudo que me recuso a continuar negando. Chega de nada.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

AMPULHETA

tempo
passa
tanto sim
transa(cidenta)
e quando pára
é não.

vira.



Vide: Nos fios tem sos


"O início é a rotina do final".

terça-feira, 17 de novembro de 2009

SOBRE COMO E POR QUE ESCREVO

Escrevo quando a solidão dói mais do que o medo de compartilhar. Para desabafar. Porque preciso, freqüentemente, me convencer de mim mesma. Organizar, cercear meu próprio caos. Escrevo o que o desejo berra e o que a resignação cala. Falo do que, embora queira, muitas vezes não digo e nem ouço. Visto-me mais de mulher, nas palavras, porque meu gênero, antes, veste-me melhor. Sou o que crio, mas nem sempre crio o que sou - com a perene consciência de ser sempre mais. E você, quando, verdadeiramente, lê-me, recria-se, compactua comigo na busca do inconcebível - a tradução da existência, que nunca e sempre é. Penso, então, que escrevo no intuito de existir, descansando-me, tangivelmente, de ser.


"Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A literatura simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de idéias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso." (Fernando Pessoa)

"...estou procurando, estou procurando. Estou tentando me entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda." (Clarice Lispector)

sábado, 14 de novembro de 2009

POR AQUI

Eu não quero machucar você. E se, às vezes, parece que vou fugir, é porque não sei bem o que fazer com tudo o que você me presenteia, não sei bem o que fazer com tudo o que você é. Há dias em que ficar acordado me exaure até a última sinapse e é por isso que desapareço, recolho-me, desintegro. Quero estar inteiro para você, tão inteiro quanto você se dispõe a mim. Não sei o que fazer, mas aceito, admiro, desejo - tudo o que você é. Porque quem você é mostra a mim mesmo quem sou. Não nego que isso me assusta – não é fácil perceber-me alvo de tamanha confiança, toda vez que você se despe. Mas pode chorar, não reprima as lágrimas, não. Se o seu sorriso é barro em que me sujo de tanto brincar, na sua lágrima eu me lavo. Quem sabe eu aprenda também a me despir e a fazer da sua inteireza ombro, abraço e ritmo – a sujá-la e lavar, tão intensamente quanto você me faz. Então não precisa ter medo, amor, estou aqui.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

DO DESENCONTRO

A solidão esteve no desejo amante solar, pela lua, bem como no carinho amistoso lunar, pelo sol.

A dignidade das mais cruéis solidões está no fato de que, genuinamente resignadas, elas se deixam, uma à outra, em paz.

Há casos em que uma ausência é a melhor parceira.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

PORQUE NUNCA SE SABE (para Manoel Almeida)

A respeito dos erros, assim como as mentiras, eles também acontecem pelo contraste silêncio-linguagem. Mas só o próprio contraste nos permite assumir e/ou delegar culpas, bem como elaborar dúvidas. E é bem aqui, quando ele nos absolve, que linguagem e silêncio subvertem liberdade e condenação: porque, livre, estou condenada a simplesmente ser - e disso, o que fazer?

sábado, 31 de outubro de 2009

POR QUE NUNCA SE SABE

O silêncio e a linguagem, juntos, são os culpados por todas as mentiras do mundo. Se não fossem tão cúmplices, saberíamos a(s) verdade(s). Só porque assim coexistem, tudo são dúvidas.

Será?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

SOBRE O NOVO VISUAL DA MENINA

Então não fique brava, mãe, porque cortar tanto o cabelo foi o jeito menos agressivo que ela encontrou de tentar, por algumas noites, dormir em paz.

sábado, 24 de outubro de 2009

GAROTA DA PRAIA (para Laura Prandi)

Ousada, precoce, firme e sempre alta, imponente, cheia de consciente compostura, a despeito dos saltos altos e dos altos saltos. Naquela metrópole a menina virou mulher. E a mulher corre, se exaure, ama, odeia, carrega em si suas mil faces - todas autênticas, bela e cuidadosamente maquiadas. E atrai desejos e desdém. Olhares. Dela o mundo, ela do mundo.

Mas agora, o litoral que a aguarde. A cem por hora, ela vai mergulhar. Contra o vento, em vôo livre, a garganta secando trilhas sonoras de expectativa. A cem por hora, sem sequer imaginar que a praia foi sempre sua. E vai fundo, vai forte, sem medo. Porque ela é o próprio mar. Ela é o próprio lar.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

SOBRE DIFERENÇAS

Ele se esforça, estuda, lê, calcula, se informa, angustia, produz, se eleva; é admirado, condecorado, aplaudido, retrucado, vez ou outra rejeitado ou reconhecido; e acha que pensar o mundo pautado em grandes nomes - da ciência, da literatura, da música, do cinema - o libertam minimamente da mediocridade, do controle externo, da submissão ao poder, do automatismo.

Ela dança o que tocar na festa e ouve em casa a trilha sonora da novela das oito; aos domingos assiste e se diverte com qualquer coisa transmitida pela TV comum; suas grandes aspirações são um bom salário, boa aparência, bom marido e bons filhos; não se importa muito com cinema; livros, então, não leu mais de cinco; se tem dor, vai ao médico e, se sofre, à igreja; não aborda política, convenções ou ciência; prefere, antes, conversas de salões de beleza e de banheiros femininos.

A despeito de tantos contrastes, ambos estão exaustos e oncológicos, ponderando se têm valido a pena. Cá, entre todos nós, a "grande" diferença são os ídolos.

Somos um bando de Hitlers, disfarçados de Ches.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

SOB LENTES

"Vi flores nascerem em lugares pedregosos
E coisas gentis feitas por pessoas de má aparência,
E a taça de ouro ganha pelo pior cavalo nas corridas,
E, assim sendo, eu também confio." (John Masefield)


Dei mais atenção às ervas daninhas que enfeiaram grandes jardins,
Às coisas pérfidas feitas por gente que sedutoramente sorria
E aos bons cavalos que nunca ousaram sequer competir.
Por isso, talvez, eu ainda prefira desconfiar.



Vide Epitaphius.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PERGUNTO-TE-ME (poema em construção)

será que um dia vou admitir e amar a imperfeição, ao invês de,
com o gado, criar metas de humanidade inatingíveis?

até quando assumir e legitimar os padrões
fracassados que alguma frustração coletiva criou?

alguém realmente se importa se o outro chora ou seca,
quando ele continua cumprindo bem suas obrigações?

ser feliz é, mesmo, tão bom assim, ainda que
eu não saiba, definitivamente, como lidar com isso?

quem vai me absolver, se eu disser que sinto medo,
preguiça e o contrário, bem contrário, de ambição?

quantas vezes, hoje, eu sorri e me vangloriei
pra que ninguém percebesse a estranheza de mim em mim?

qual é a solução,
quando um abraço sincero não resolve?

qual o limiar da exaustão, pra que,
eu decida, enfim, entre insistir e desistir?

quantas crises mais até a corajosa resolução?
aliás, pra quê ansiar por resolução?

e, afinal, por que tanta busca por respostas,
se tudo o que eu quero é não me importar com as perguntas?

tem de ser sempre assim,
tão difícil, simplesmente viver?



segunda-feira, 12 de outubro de 2009

DE PRESENTE, LAMPIÃO

coração este que é feito
dos amores cumulativos
que se alternam, a(s)cendem
e se apagam, inevitavelmente

ele pulsa, dança, sangra e se alimenta
de cada amor que já brilhou
e celebra, rumina, agradece
passados, ausentes

porque em tanta escuridão
reluziu, fez-se presente
este amor de agora fogo
este chão de agora doce

esta vida agora sóbria
este bicho afinal pleno
este som em cores mil
esta paz agora sã

são todos meus; são todos seus; são todos eu.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

SIM

Quero o cheiro do seu corpo no meu corpo
e as batidas do seu coração
ritmando os meus compassos.

Quero minha mão segurando a sua mão
e, ávidas, nossas quatro mãos
nos zíperes destas roupas cáusticas.

Quero aqui a sua voz lendo meus mil pensamentos
e o brilho dos seus olhos preenchendo todo o dia,
pincelando meus espelhos.

Quero em meus ouvidos sua boca, sussurrando a tabuada
que elaboram nossas línguas
nesta álgebra de poros.

Quero, em todos os sentidos, quero sim,
vem que, enfim, eu quero muito,
inteiro, você em mim.


CANÇÃO

dizer com simplicidade
que você me faz um bem
e faz tudo tão certo
que eu faço mais certo

e por você me permito
privar-me dos meus vícios
da tristeza e produção
que insistem me acolher

e quem sabe aceitar
a idéia tão difícil de que
também eu mereço, posso e,
com você, sou mais feliz

"E agora me conta o que aconteceu, que eu ando encostando os meus sonhos nos seus." (Luiza Possi / Dudu Falcão)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

META-LINGUAGUEM



dizer com a lingua
eu te amo
em versos,
entre catacreses e aliterações,
em gradações de metáfora
buscando sinestesias
paradoxais
disfemistas
hiperbólicas.

quase oxímoro!


Vide: Liviano

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

BILHETE

Ela abre o caderno e espreme a caneta, na esperança de que palavras bonitas escorram para o papel. Palavras claras, que digam a importância de tudo isto - tanta presença e tanto abraço, tanta música e tanto sorriso, tanta filosofia e tanto tesão.

Agita, então, levemente, a caneta, para que, talvez trêmulas, elas também confessem um pouco do medo desta beleza toda. E, por isso mesmo, com a força do pensamento, ela ordena que a tinta continue molhada, até que ele chegue ao último ponto - assim ele saberá que um pouco de paciência mais pequenas doses de sopro quente provavelmente a farão sentir-se pronta.

Dobra com cuidado o papel, porque quer embrulhar e preservar o presente que aquelas linhas guardam. O presente ao presente que ele, subitamente, é.

E é agora, quando ele a lê, que as palavras secam para que ela, finalmente, umedeça.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Pessoas,

Muito obrigada pelas visitas e pelos comentários - tanto os deixados aqui no blog quanto os de vocês que comentam comigo pessoalmente, ou pelo orkut, e-mail e msn.
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Cada texto é uma confissão vestida para baile. Mas a confissão deste vem nua e ainda em vertigem, como acordou: a possibilidade de me compartilhar aqui faz-me sentir menos só, menos inescrutável, deixa estes véus, quem sabe, um pouco transparentes.
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Sinto-me muito bem em saber que muitos se identificam com o que expresso aqui; e que mesmo os que discordam se dispõem a pensar junto, questionar, discutir... penso sempre e aprendo sobre cada reflexão proposta por vocês, em qualquer que seja a ocasião.
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Estou em busca das minhas verdades, possíveis de alcance apenas através do confronto, entre perguntas e supostas respostas, sempre nossas.
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Obrigada mesmo.
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Gabi.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

DO PÓ AO PÓ

Se me sinto especial? Sinto-me especial no mundo, entre tantos seres humanos, porque gostaria de ser. Assim como o ser humano superestima a própria espécie, eu, tantas, todas vezes humana, superestimo a mim mesma, como indivíduo.
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Não obstante, tenho fé na finitude: a vida é paixão e a morte é amor - paixão como qualquer coisa apinhada de sofrimento e euforia, de desejo e frustração; qualquer coisa em profundo desespero de "ser ou não ser"; qualquer coisa cega e voraz, cheia de fins em si mesma. Amor como um destino, um alvo, inescapável, embora possa, ou não, ser buscado; bálsamo, repleto de ternura e descanso, mas, quem sabe, puro tédio (se for o caso de anular a paixão). Amor e paixão, morte e vida - um só se significa no outro, ainda que em despretensioso vislumbre.
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Amor e morte podem ser encarados como prêmios a merecimentos: aos que se excederam de vida e de paixão, aos que mergulharam na existência sem ponderar asfixia, por privação de ar, ou esmagamento, por inabituável densidade. Apaixonemo-nos!
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No pó de onde vim fez-se o pó que hoje sou. E em mim, bem aqui, está impresso e expresso tanto todo universo. Sou, sim, especial, por esta simples essência, comum a cada outro ponto-pó - plena da pequenez e da grandeza que só pode haver em tudo o que existe. E, tudo, pois, é nada. Eu, no início, no meio e no fim. Paixão e amor, siameses, em mim.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

SOBRE TATUAGENS

Tatuo rastros em peles, sorrisos e olhares. Meus instrumentos são abraço e presença inesterilizados e compartilháveis. O preço é, ao menos, um rastro seu em mim. Então... arrisquemos?

"A thing of beauty is a joy for ever." (John Keats)

domingo, 6 de setembro de 2009

DE NÃO SE SABER

amei você
e, sobretudo,
amei-me, em você

mas, depois do seu não,
nem eu sei
o que fazer de mim

a grande ironia
é que, mesmo antes,
eu nunca soube

"E eu, que jamais daria, era o verbo dar, dizendo assim 'quem dera!'" (Oswaldo Montenegro)

domingo, 30 de agosto de 2009

SOBRE O ESQUECIMENTO

Terei esquecido quando,
casualmente,
algo, e não tudo,
lembrar-me você.

sábado, 29 de agosto de 2009

ZÍPER

mostrar ao mundo
a intensidade desta emoção
abrir violentamente o peito
e deixar o sangue jorrar
limpar tudo isto
que só cresce
multiplica-se, invade
e transborda e afoga
fere
afasta
enoja
perde-se.

E perde-te.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O SUICÍDIO SENSUAL

Nem altruísta, nem por anomia.

Este suicida, de tão apaixonado pela morte, impaciente, não se conforma em esperar que ela tome iniciativas a respeito do encontro definitivo. Ele pisa o medo da paixão realizada, da intimidade consentida. E, em seu gesto sedutor final, arrisca na busca da liberdade em que só os amantes acreditam.

Ele comtempla extasiado a morte e, irresistível, irresistindo, diz-lhe: já que você não me pega logo, eu mesmo faço você de jeito. Vem! Ou melhor, vou.

Egoísta, sim - que romântico não é?

"Tudo no mundo é perfeito e a morte é amor." (Adélia Prado)

domingo, 23 de agosto de 2009

FREYA

Chame-a pelo nome, que, de amores, bens e anjos seus, as camas estão cheias.  Acalme-se quando, sobre você, ela quiser dançar. Repare. Sinta. Então ela vai chupar, com fome, e ansiar que você a beba.  E que atenda quando ela pedir meta mais forte e mais rápido e coma de quatro, por cima, de lado, por baixo. Ela vai gemer, ruborizar, se contorcer e gozar num olhar, implorando seus espasmos.
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E ainda que, depois, ela prefira abraços a cigarros, não se iluda - ela, definitivamente, dirá adeus.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

SOBRE ELA

A despeito de ser, em profundo desespero, a dona de todas as solidões do mundo, não assumia-se, covarde, dona de si.
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Tudo o que por ela era tocado desejava concisão; sentia-se, embora deliciosamente livre e amparado, invadido com extrema violência e voracidade.
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Mas o cheiro de sexo nos lençóis era incapaz de anestesiá-la daqueles abraços rasos, que se afrouxavam antes mesmo que ela pudesse esquecer o próprio medo. Ainda que ela fervesse, derretendo, se desintegrando, de dentro para fora, as paredes continuavam geladas e inertes.
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E, talvez, porque fosse também toda culpa e ingenuidade, não entendia a dificuldade da própria busca. Apenas sobrevivia implorando, miseravelmente, que a amassem, por favor, mais do que ela era capaz de amar a si mesma.

domingo, 16 de agosto de 2009

SOBRE A MINHA CACHORRINHA

Eu a queria no meu colo, me abraçando, o dia todo, o tempo todo. Queria saber dela o que ela pensa, o que sente quando fixa os olhos em qualquer coisa, quando fixa os olhos em mim; o que ela sonha e por que escolhe determinadas situações. Saber se ela sente mágoa por eu tê-la, de alguma maneira, negligenciado, quando ela chegou. E poder explicar meu medo extremo de perdê-la, porque ela ficou doente; as minhas fraqueza e covardia; o fato de não saber ainda perder quem amo, sem me perder junto. Que eu tentei, sim, não amá-la, mesmo querendo ser capaz. E que, a despeito de tudo isso, hoje não suporto mais imaginar minha vida sem ela, mesmo sabendo que deveria suportar.
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Então sinto-me grata por ela não entender nada disso e até desejo que ela, de fato, não entenda. Seria denso demais pra ela, talvez a sufocaria, aprisionaria. E eu amo a espontaneidade do amorzinho ingênuo, despretencioso e tão lindo, que ela dispõe a mim. Embora às vezes também me pareça que ela se pergunta o que eu penso, o que significa tudo isto, por que algumas coisas não são melhores, por que eu me sinto tão triste, se alguns dias são perfeitos para brincar.
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"Esta sede insaciável de não sei o quê." (Mário Quintana)

SOBRE OS FRACASSADOS, OS MEDÍOCRES E A NÁUSEA

As almas não deveriam ter corpos.
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Para onde olho, em todas as coisas, só vejo limites, ou, no máximo, tentativas humanas desesperadas, compulsivas, esquizofrênicas, de superar, através da matéria, os limites que a própria matéria impõe.
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É através do corpo que somos, todos nós, putas. E filhos das putas.
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Só a alma alcança a transcendência.
O corpo estraga tudo.
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"Até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não pára." (Lenine)

SOBRE NÓS

Amor não morre, mas silencia.

JANELAS D'ALMA

O amor muda de rota
porque sente frio e procura abrigo.

Meu olhar olhando o seu
e nossas almas se abraçam.
E é nesse mesmo azul
que meu amor encontra casa.

Busca solitária é cheia de itinerários.
Realização é destino final
prenunciando inícios.

SE FOSSE, NÃO SERIA

sim, eu troco esta mentira de vida
a esburacar minha alma
pra ter, pelo resto dos dias,
as verdades cruéis que me partem ao meio
toda vez que você diz adeus

metades maciças caídas surradas vencidas lavadas
vivas

CLARICE

Vejo nela uma beleza de ingenuidade; o olhar e o jeito de quem acredita que pode acolher o mundo e que o mundo vai caber num abraço; a vontade louca de caber num abraço que o mundo ainda não deu; a conversa mansa de quem ainda tem tudo a aprender mas já sabe e vive o essencial - a simplicidade; o amor e a virtude, serenos, lisos, em voz, silêncio e oração...
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Eu desejo a você que nada na vida, no mundo, tire de você esse cheiro de lar, de aconchego, de sagrado, de divino, de puro... não deixe nunca que o mundo a engesse, esfrie, ou encha sua alma de poros... essa alma que é maciça. Porque é esse mesmo mundo que precisa de almas assim.

SOBRE O MEDO

É quando ele me coloca
nesta situação, de plenitude,
em que tudo tenho a perder.

Ter nada é mais tranquilo.

E é assim que viver
deliciosamente dói.

DE MIM

Me assalta o remorso de ter e de ser mais do que realmente mereço. Imersa em tanto afeto, tanta verdade, tanta paciência. Será que eles não vêem nem sentem a pequenês deste abraço enfarpado?
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É essa a solidão à qual me refiro, de que ainda não consegui me livrar. A solidão em que desamparo a mim mesma por me sentir desamparar o mundo. A recusa a esta vida que se me brota insuportavelmente bela e quente a cada novo instante.
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E esta exaustão por tanto tudo receber. E receber. Tudo e nada em mim, menos eu. Barriga de aluguel carregando mundos alheios. Uma grande farsa.
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Tudo vem e eu quero desesperadamente que vá. Que eu vá. Ou que eu venha. Mas que EU.
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E de repente entendo a acusação de Fernando Pessoa ao inventor do espelho, de haver envenenado a alma humana. Palavras, de espelho, me algemam e impulsionam este drama. Realidade virtual. É o meu máximo cavando o buraco em que me enterro, em conceitos, em definições mil.
.
E eu, que não suporto prisões, escapo. Sou. E eu, que não suporto a fé, enlouquecidamente, tento enquadrar fluidez. Escorro. Eu-água, eu-mundo, lavo espelhos, desafio linguagens. Um espelho, por mais limpo e fiel que esteja, não é o real, embora me pareça, ao real, o possível mínimo acesso.
.
Minha caverna platônica tem paredes de espelhos. E é por eles que aqui escorro. Lavo. Não. Seu. Véu. Vão. Som. Léu. Dor. Luz. Céu. Pão. Deus. Chão. Meu. Sim. Eu. Sem. Fim.

DOS PERIGOS DE UMA FESTA À FANTASIA

um vulcão vestido em mármore
fez questão de esquecer
que dureza nenhuma escapa
à furiosa dança de lavas

- pés sobrevivam à meia noite
e à fusão de belos sapatos.

ACORDO

Não liguei pra você
pra falar de saudade
ou dizer que evito, em vão,
pensar em nós.

Não liguei pra rirmos juntos
de qualquer coisa boba
ou pra saber como foi seu dia
e contar sobre o meu.

Não liguei pra ouvir sua voz,
risada e respiração
nem pra ouvir de você o meu nome
e dizer, convulsa, o seu.

Não liguei pra falar de música e poesia,
de filosofia e cinema,
de estrelas e política.
Não liguei, simplesmente.

E você não ligou.

Porque a linha do telefone
denunciaria ausências.

E somos pura presença.
Um no outro.
Transcendendo, subliminares,
espaço, silêncio e tempo.

PRONTO, FALEI.

Poesia mente muito falando verdades.
Inclusive esta.

CHORUME

Que se limite a feder
e não rasgue o chão sobre o qual
se sustenta este lixo.

Que não escorra estéril
buscando fundo de poço.

DE AS PESSOAS GOSTAREM TANTO DE RIR DO QUE, PARA ELA, É ASSUNTO MUITO SÉRIO

Sozinha,
cheia de (ser) (en)graça(da),
Cecília chora.

COMPULSÃO ALIMENTAR

- Mas ela não me quer!
- Sei lá, mas continua obedecendo o seu coração, cara!
- É o que estou fazendo, e ele só me manda comer.

DA BELEZA DE RELACIONAR-SE

não me dôo nem recebo em frações
integridade a(o) que(m) sinto-me capaz de dela dispor

comtemplo e saboreio do que é inteiro
porque a vida merece bem mais que fatias

DO LIMITE

Seu já não é mais
o poema que nasceu.
Achei triste, e daí?
- Deixa eu!

ADORCISMO

Esta busca incessante
pelo abalo acomodador
que me permite fundir
e fundar
a mim.

SOBRE A MÁGOA

A mágoa é um caixão aberto,
cheio de passado desfigurado,
enfeitando a sala de estar.

QUE SEJA

Será a morte o momento
em que a enternidade desistirá de me convencer
a aceitar a dádiva da existência?

Ou será o reconhecimento de que,
ao assimilar existir, estarei, enfim, pronta,
e, por isso mesmo, merecedora
do bálsamo da finitude?

grande coisa

nascer e morrer siameses
insistentes no tempo
recorrentes em tempo

partícula indivisível
comum a todas as coisas
deste grande nada

eu em
tudo
em mim

ASSIM

Viver o peso das incertezas é bênção:
uma resposta só é percebida
se a pergunta já foi feita;
- brindemos à dúvida.

DE SABER O QUE SE QUER

Sua dúvida, para mim, é resolução.
Por isso mesmo deixo você por aqui
e sigo em busca de alguma certeza,
que, aprendi, finalmente, a insistir.

ROMANCE

Incondicionalmente não.
Amo porque agora,
por tudo e apesar de tudo,
você merece.

Você também, por favor,
não remeta a mim amor incondicional.
Que, enquanto fulgir,
a despeito e em razão de mim,
eu o mereça.

CRESCER

Parte de mim é tudo o que leio,
quando o que leio a mim lê.
E, mesmo assim, é autoral.

Permite-me ler-te e,
se possível,
lê-me.

ABRAÇO

Tudo o que eu mais desejo agora
é o silêncio da sua companhia.

HORIZONTE

Fantasia pra mim é pouco.
De você quero ser perversão.

DAS TROCAS

olha bem meus espasmos enquanto me chupa
aperta, sagaz, minhas danças, e eu te devoro
amo, cheiro teus gemidos, enquanto me invade
ouve, vibrando, meus fluidos, e eu te blasfemo
lambo, faminta, a loucura, enquanto te gozo.

DESTINATÁRIO

Poesias são definitivamente intransferíveis...

Dediquei tantos versos incertos,
e hoje o chão está repleto de sentimentos caídos.

Eles delineiam o caminho até mim,
se um dia você quiser me encontrar.

São todos meus;
são todos seus;
são todos eu.

SHHH...

Aprecia o silêncio:
a harmonia que toca
o aroma que exala
a cor que manifesta
o sentimento que flui
a mudez que escandaliza.

Aprecia o silêncio.

CANTINHO

A artéria do seu pescoço
pulsou entre os meus lábios
bateu na minha língua
enquanto seu coração dançava,
doce e compassadamente,
a música que o meu tocou.

Quanta vida!
E que cheiro bom, meu Deus!

DA RECONCILIAÇÃO

Geralmente depois da raiva,
abro os braços e um sorriso,
ainda que digam não.

Pensava que um abraço
só acontecia a dois,
até que aprendi o sim
a mim mesma.

REEDUCAÇÃO ALIMENTAR

Atirava-me ávida a bocas alheias, na esperança de ser digerida. Para meu próprio bem, hoje só lhes entrego o quimo. Ao esgoto o que não nutri-los. O que podiam regurgitar já assimilei. Por favor, não me vomitem mais em mim.

SOBRE UNS POETAS

A menor solidão que posso conceber é a do branco, embora todas as cores juntas não sejam capazes de me (satis)fazer companhia. Escrever é tentar misturar minha cor a todas as outras. E, assim (satis)feito, não conseguir.

DE UM GRANDE (CONSELHO) AMIGO

Às pressas:
- E aí, Maria, como vai?
- Indo, João, indo...
- Então vai direito, Maria, vai direito!

RITMO

Uma ilusão
dura dois poemas
e, quando acaba,
pede mais um compasso.

SOBRE GELEIRAS E VULCÕES

Existe um momento em que as ilusões caem por terra e a gente descobre que nada nem ninguém, senão nós mesmos, pode ocupar o centro de nossas vidas...

Será que, depois de tanta vida se procurando, se inventando e se desequilibrando em centros externos ao devido, a verdade pode ser suportável?

Será que, quando essa verdade bate a nossa porta, a gente definitivamente cai pra se levantar sobre o pronto gravitacional certo? Ou a gente definitivamente cai - porque prefere não (se) enxergar o ponto certo?

Será que, desta vez, eu me levanto sobre o ponto certo e consigo me equilibrar? Será, enfim, que eu me levanto? Por quanto tempo mais, até a próxima queda?

Por que será que viver dói tanto? Sentir dói tanto... até ser feliz dói... viver é intenso demais pra mim! A vida é tão longa, Deus, tão exaustivamente longa... e ela só me deixará quando eu, finalmente, aprender a suportá-la. Por outro lado, eu não a suportaria morna. Cazuza disse que morrer não dói. Deve ser isso que me afasta da morte. A morte é morna demais pra mim. Morrer ainda é pouco.

OS POROS

Os poros são buraquinhos feitos nesta caixinha
em forma de corpo humano,
para que a alma possa respirar;
e, quem sabe, embora presa, sobreviver.

ALMA

O que eu vivo agora é uma fase intensa, de pura paixão. Há uma semana tenho vivido disso, e apenas disso. E um medo habitual, enorme! Não sei lidar com o amor, exatamente por querê-lo com tanta fome. O amor me causa uma expansão de alma que a impede de caber em meu próprio corpo. Hoje minha alma é alaranjada.
.
E se ele mesmo custa a caber aqui, como podem caber outras coisas, outros planos, outras preocupações, aspirações? Enquanto o vivo, vivo dele. Por isso mesmo teme não durar; teme não conseguir. Não há espaço pra respirar, e quanto mais cresce, menos respira. Não há espaço para o resto da vida.
.
Então o único jeito é mergulhar nele, beber dessa fonte, enquanto ela jorra reciprocidade. O único jeito é tornar concreta, intensa, ainda que breve e medrosa, tanta emoção. Não que ela, a emoção, vá passar rápido. Mas as pessoas, cruelmente, passam. Talvez porque elas não suportem tamanha voracidade. Talvez porque nem eu consiga suportar. É exaustiva demais pra ser mantida por muito tempo.
.
Às vezes penso mesmo é que tudo o que vou conseguir viver são momentos. Uns dias, uns meses, no máximo. Como um urso polar que, por nicho, depois de se alimentar em excesso, necessita dormir – não uma hibernação, mas uma semi-sonolência. Alimento-me, também em excesso, de amor e de tudo o que ele me provoca; depois minha alma pede um tempo, um tempo pra vazar – não completamente – pra respirar, pra digerir e abrir espaço ao resto do mundo, até que a fome volte e seja novamente, ou não, saciada.
.
Quando depois da partida da pessoa amada, minha alma estremece, chora, semi-vaza, e o mundo, enfim, entra pra fazê-la endurecer. Ela precisa endurecer. Porque se culpa por tanta profusão. Por muito tempo recusará mais alimento. Por muito tempo recusará a plenitude fluida e fugaz, que ela só alcança quando se entope de amor. E, mesmo assim, a cada novo banquete, ela ainda teima acreditar que é a última vez; e que desta vez vai conseguir se conter, criar e respeitar membranas, não invadir tanto espaço.
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Permanecem em mim as lembranças e nuances de todo amor que passou, cada um de uma cor, com sua propriedade. E se este passar, ficará a tristeza de não possuir, perene, uma alma de cor inteira. Mesmo assim tentarei fazer consolo da dureza forjada e colorida que me move ao resto do mundo e permite a ele mover-se dentro de mim. No entanto, prevalece, terna, a mesma esperança, a mania pueril de acreditar que um dia serei alma conciliadora: plena, monocromática, fluida e cheia de mundo. E que esse dia, afinal, vai durar pra sempre.
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Bem que minha alma poderia definitivamente se alaranjar... e bem que esse dia poderia ser hoje...

DIGITAIS-(DI)AMANTES

Pra quê essa sua armadura de vidro? Do lado de cá eu vejo tudo o que você tenta, compulsiva e inutilmente, esconder de mim. Pra quê tanta sutileza agressiva a me refletir? Calma... respire comigo devagar, amor, que é pra não embassar esta frágil fronteira de mentiras. Mas quebrá-la não resolveria; as pontas nas pontas dos nossos dedos sim – trincarão o vidro. Chega de medo, barulho, cortes e cacos.

AINDA NÃO

Você pediu que eu me lembrasse:
sorrisse... sonhasse...

Respondi que me recusava a viver disso
apenas em sonhos e sorrisos.

Adeus.
E desde aquele dia nem um sorriso vazou.

Mas no último sonho eu me lembrei
de tudo o que ainda não aconteceu.
Acordei sorrindo você em mim.

PAPO ROMÂNTICO

- Por quê? Por quê? Oh, mundo cruel! Oh, céus! Oh, vida!
- A vida é mesmo assim. Dia e noite. Não e sim.
- Eu quero a noite e o sim. Pra todo mundo e pra mim.

ESTÁTICA

Ela continua vendo os mesmos rostos
na multidão insuspeitável.

Estão sempre lá: nos traços,
nos gestos, nos corpos alheios.

Passados passeando no agora.
Assombrando nos tempos, nos espaços, nas gentes.

- no que foi, no que é, no que virá.

E ela só quer correr
pra eles?
com eles?
deles?

Mas paralisa-se:
medroso presente
ampliando assombroso passado.
Que teima e não passa.

RIMAS MNEMÔNICAS

O que acontece
lembrando
o que foi.

A essência se repetindo,
em (uni)versos paralelos,
contextrofes diversas.

Rimas ricas e pobres
delineiam o encanto lírico
que nasce de inescrutáveis biografias.

Das pobres, comuns velhos
vários erros; a frágil espiral
do que não vingará.

Das ricas, surpresas breves, leves de chumbo
marcam, dos (uni)versos,
finais fendidos ao que virá.

FÊNIX

O corpo pára.
Porque-a-cabeça-dispara.

Se já não há o que pensar,
de tanto que se pensou,
é lógico, ao corpo, lamentar
o que, passivamente, passou.

Aí sim, quando a cabeça desacelera
é que o corpo, enfim urgente,
opera.

VOCÊ

Vai ser pra sempre.

Por mais coisas que aconteçam
entre agora e o resto da vida.

Por menos que você queira,
por menos que você acredite.

Silenciosa, sutil,
nostálgica e docemente.

Em mim vai ser pra sempre.

SOBRE A REJEIÇÃO

É quando alguém se recusa
a abrir-nos a porta
ao querermos tanto entrar.

É quando dói.

É quando a gente se recusa
a abrir a porta a alguém
que definitivamente merece entrar.

É quando dói
fazendo-nos desejar
batendo, todas as portas a nós.
Trancadas.

DE ESCREVER CERTO POR LINHAS RETAS

Tudo o que Camila queria era esquecer o amor fugaz, que fez dela a própria euforia durante aqueles cinco dias macios, contados. Contados também os dois meses posteriores que a separaram do definitivo ponto final. Como produto, uma dor vermelha, asfixiante, aguda, já se arrastava por mais insuportáveis dois meses.

Trazido por estes mesmos dois meses, um branco brando par de braços quentes acolheu Camila que, nele, em súplicas, se agarrou forte, implacavelmente. A dor vermelha foi, amparada, desaparecendo... mas ficou por dentro um lago amarelo, profundo de solidão; tanto, tanto medo de se afogar nele! E durante curto tempo – para ela; provavelmente longo e exaustivo para tais braços – tudo o que Camila pôde foi demandar socorro.

Os braços. Brancos, brandos braços. Abraçaram o desespero da moça até se enfraquecerem. Em silêncio ensurdecedor, eles perdiam gradativamente a força e deixavam Camila em fúria inflamável, quase insana. Eles tinham de suportar! Por que se afrouxavam daquela maneira, se ela continuava segurando forte? Tão fracos e tão furiosa, abruptamente soltaram-se.

Camila inevitavelmente se deixou afundar no lago amarelo. E, de lá, por extensos tantos meses, bradou a culpa do maldito par de braços pela indiferença, pela fraqueza, pelo silêncio.

Hoje, plena de saudável respiração, ela se banha nesse mesmo lago íntimo algumas vezes – sem o desespero do afogamento. E tem pedido, em sincero e afável silêncio, perdão. A si mesma e aos brancos solícitos brandos braços por tê-los tão equivocadamente julgado.

ELISA

E mais pessoas verdadeiramente importantes tiveram de, por qualquer motivo – que nunca é um motivo qualquer -, partir da sua vida. Mas ela não vai novamente cometer aquele erro; não vai guardar num baú as sementes deixadas por esses emigrantes e ficar contemplando com sofrimento as flores e os frutos que poderiam ter nascido. Ela vai cultivar em si com carinho, cada semente, e permitir que floresça. E vai regar, todos os dias, a beleza infinita de seu jardim de ausências.

REPARA

E, tantas vezes,
em seus relacionamentos,
com peneiras tapou sóis.

Hoje reflete indigesto
a respeito de sóis e peneiras
perguntando-se quem é qual.

AUTO-RETRATO

Sou o que sinto e,
enfim, quero sê-lo.

DA INSISTENTE EXPRESSÃO

Não tenho falado especificamente apenas de mim ou de você. Nem do filme ou da poesia e das músicas que me comoveram. Mas tudo isso confluiu em minhas catarses e na inspiração. Portanto não tente entender a que(m) me refiro em cada frase. A intenção é maior, traduzida na expressão inteira – não em suas partes.
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Escrevo para você, anônimo, que lê, como escrevo para mim mesma e especialmente para aqueles que amo, porque é isto o que eu desejo a todos – que vejam, sem menosprezo, a própria beleza – interna e externa. É o que tenho, aos poucos, aprendido.
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Sobre perdoar e perdoar a si mesmo; sobre sentir, não fugir - a gente se recusa muito a sentir as coisas. Temos medo dos sentimentos bons, porque achamo-los efêmeros demais. Tememos os ruins por causa do sofrimento que provocam. Tem gente que foge através das drogas, tem gente que dorme o dia todo, tem gente que se concentra de maneira exaustiva no trabalho ou nos estudos, enquanto outros consomem, compulsivamente.
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Eu nunca tinha encontrado um jeito de tentar me amar; achava que era uma questão de gosto – eu não gosto de jiló e pronto; não gosto de mim e pronto... talvez eu não faça meu tipo, sei lá -, mas a verdade é que eu me recusava a sentir, por não gostar dos meus sentimentos.
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E de repente, talvez mais que de repente, descobri que a minha chave pode ser essa – talvez esta chave possa abrir outras portas: sentir, parar de fugir dos sentimentos bons e dos ruins; amar o que sinto e me amar, porque sou tudo o que sinto. Porque sentir é tão humano, tão bonito. E eu sinto tanto...
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Ontem, numa entrevista, Rubem Alves disse: "ostra feliz não produz pérolas" – e explicou: a ostra só produz a pérola, como o corpo produz um tumor, pra se defender da areia que a irrita. Partindo dessa idéia, ninguém é obrigado a ser feliz, mas seria bom que todos vissem beleza inclusive nos sofrimentos. Porque se a areia não importuna a ostra, esta permanece vazia.
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A depressão, a excessiva tristeza, o sofrimento que, na maioria das vezes, eu nem sei direito de onde vem, já me mostraram tantas pérolas! E só agora eu começo a percebê-las.
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Tenho ainda muito a aprender e melhorar. Sempre temos. Mas sei que estou encontrando e me concentrando em meu caminho.
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Como disse o meu pai: “se você acha que isso é um limão, faça uma limonada. Se você acha que é um monte de bosta, faça dele esterco e plante uma flor” - foi a coisa mais bonita e gentil que ele me disse nos últimos dias; colocou minhas armas no chão; fez-me perceber como eu sou tantas vezes injusta com ele por não entender nas entrelinhas, nem em linhas retas conseguir demonstrar, o grande amor recíproco entre nós dois.
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Então leia novamente. Leia mil vezes, se preciso, e pense sobre isto. Porque tudo o que mais desejo agora é que este texto ajude alguém. Independente de quem seja, sentir-me-ei bem sucedida.
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Fiz o propósito comigo mesma e com minha família de que tiraria este tempo para me recuperar e nunca mais recair nessa depressão. Tenho certeza de que estou conseguindo. Estou sentindo tudo o que tenho para sentir - mas a depressão, essa não a sinto mais.
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Por isso mais uma vez escrevo, insisto: é também minha necessidade urgente de me registrar saindo daquele buraco. Se um dia novamente eu cair, pois, terei aqui a minha própria receita para voltar ao topo. Porque quando estamos no fundo do poço, sozinhos não enxergamos nada além do chão. E hoje, sozinha consigo ver o céu.

DESTE INSTANTE

Há em mim um grande medo
de encontrar, por perto,
a pessoa que entende
- e, comigo, se comove -
com tudo o que vejo.

Um grande medo de que,
mesmo ao lado dela,
este sentimento de solidão
insista ficar.

DA CEGUEIRA À EXPRESSÃO

Por favor, não fuja! Você não tem por quê. Dê uma boa olhada à sua volta - às vezes para isso é preciso que se feche os olhos. Feche os seus. E veja: veja tudo o que há no mundo; veja quantos sonhos e paixões você tem deixado pra trás; a quantas coisas, em que você tanto acredita, tem renunciado - por que(m) você as renuncia, se acreditamos para viver, e vice-versa?
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Veja todas as suas possibilidades; veja, sem menosprezo, quem é você, e como é bonito. Quantas pessoas o amam, às vezes meio sem jeito, mas amam tanto, tanto, que falham, tentando acertar - elas o amam incomensuravelmente e fazem o que acreditam ser certo e melhor para ver você feliz - fazem tudo o que podem. Por que não perdoá-las? Elas amam porque você existe; porque é tão bonito; e porque, simplesmente, você é. E veja quantas pessoas você tanto ama – sem porquês – e, mesmo assim, dando o seu melhor por acreditar que vai funcionar, você falha com elas. Sim, você falha com as pessoas que mais ama e não se perdoa por isso. Por que não se perdoar, se você faz tudo o que pode?
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E sinta, porque vivemos para sentir, e vice-versa. Permita-se. Sinta tudo isso que fer(v)e aí dentro. Permita-se amor, ódio, alegria, tristeza, raiva, gratidão, desejo, asco, vazio, compressão, angústia, serenidade, medo, coragem, carência, satisfação. Sinta e ame profundamente o que você sente. Sinta-se – ame-se. Porque é você aí dentro – você é aí dentro. Então não fuja, fique. Vire-se do avesso, com calma... procure-se. Encontre-se, pois. Porque o que realmente existe de nós transcende, por sentimentos, todos os sentidos.
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Então respire fundo... abra os olhos. E, definitivamente, veja! O mundo é belo e você também é. Você pode e sabe que pode. E você quer. Então escolha como expressar isso – sorrir ou chorar, não importa. Expresse a todo momento o que de belo você percebeu. E perceba, a partir de agora, quanta beleza você sempre expressou.

ORAÇÃO PELO “AMOR LÍQÜIDO”

Pai, apiede-se dos indivíduos deste mundo moderno
e faça-nos parecer menos inescrutáveis,
menos intransponíveis as distâncias entre nós
e mais duradouras nossas interações.

Porque, todas nossas solidões e carências,
já consumimos, compulsivamente, e,
nem assim, elas nos satisfazem
- elas gritam, na madrugada, desesperadas, aos nossos ouvidos exaustos.

Pai, torne-as, pois, menos insuportáveis.
Se possível, disponha divinas amáveis companhias
no trabalho, na arte, em geladeiras, armários, portais de busca, vitrines, prateleiras.

E peça aos anjos que toquem, em harpas e trombetas,
a mais terna e sonora canção de ninar.
Porque precisamos, Pai, literal e urgentemente, dormir em paz.



"O progresso dá-nos tanta coisa que não nos sobra nada nem para pedir, nem para desejar, nem para jogar fora." (Carlos Drummond de Andrade)

TUDO

Eu tenho escutado desde criança a grande lição: "não dê tudo de uma vez; dê aos poucos; tenha sempre algo novo pra que eles se surpreendam; até Maquiavel disse que o bem se faz em doses homeopáticas". Mas eu insisto. Dou tudo o que de belo tenho hoje - todo o meu sentimento, todas as palavras que não conseguem calar, todos os abraços que não podem se conter, todo o carinho que insiste extravasar. Não tenho o mínimo orgulho - não economizo perdão, nem pedidos de perdão, não escondo a saudade nem o coração moído. E digo que quero, gosto, sonho, acredito, espero, confio, agradeço. Se cada ser humano tem potenciais infinitos, terei ainda, pois, tudo mais a dar amanhã. E mais uma vez darei - um novo tudo; o tudo que cresceu, o tudo que nasceu, o tudo que se renovou. Tudo é sempre diferente, é sempre mais, mas é sempre por enquanto - e, portanto, nunca é tudo.
.
Hoje, tudo para você.

DA HIPOCRISIA

Ninguém, a princípio,
está a salvo dela.

Porque a coisa mais desafiadora ao homem
é alcançar a própria coerência
entre pensamento, sentimento e ação.

Mas só quer e, talvez possa, se salvar
aquele que tem por causa maior morrer
- com orgulho de ter vivido.

DA FEIURA

- Quanto tempo!
Mas sua aparência
piorou demais, rapaz!

Será que o meu olhar
está deturpado pelo desdém?

Como pude?

TEM SENTIDO?

Para os meus filhos quero cantar
entre amarelo-bebê e alaranjado
- assim como Adriana Calcanhotto.

Mas se um dia eu consquistar palcos
neles sim, minha música será lilás
- cor de rock n' roll orgânico e contido.

Liberdade tem cheiro de pipoca
- de imaginação explodindo moderadamente salgada.

INSIGHT

Estou num momento muito lírico, muito mais do que freqüentemente. Há muito tempo eu nao mergulhava assim, de maneira tão passional, em poesia. Agora estou construindo um álbum virtual, ilustrando, informal, algumas poesias dos meus grandes mestres - álbum que, se um dia, completo, seria um possível mosaico de mim. Daqui a pouco meu pai fica bravo. Sabia que ele fica bravo? Meu pai acha que eu me envolvo demais com a literatura; deveras, eu me viro do avesso e começo a acontecer por dentro, e acho que quase só por dentro. Não acontecer por fora, ou acontecer pouco por fora, irrita muito o meu pai. Costuma irritar a mim também, quando não mergulho tão fundo assim na poesia. Penso, então, que a maioria dos outsiders deve acontecer muito mais, e quase exclusivamente, por dentro. Talvez eu sempre tenha tido meus períodos outsider, mas só agora percebi. Como o patinho feio que, só depois de algum - longo - tempo, descobriu ser, na verdade, cisne.

MESTRE

Quero ainda retribuir a sua existência com aquela maçã. Talvez eu plante um pomar em sua homenagem - ou pelo menos descreva num poema a sinestesia que essa vontade me provoca: a textura da grama, as folhas caindo, o céu azul com algumas nuvens desenhando abraços. E todas as maçãs ali, vermelhas e doces, desejando as mãos de seus alunos a lhe presentear. Por enquanto continuo contemplando a beleza delas, expostas nos caixotes das frutarias.

SAIBA (Para Rita Apoena)

É tão bom ler você:

Ler você na avenida, caminhando.
Ler você deitada na cama, de olhos fechados.
Ler você na sessão de terapia, de coração aberto.
Ler você pra um amigo, traduzindo uns silêncios.
Ler você, companhia, catarse, ânimo.
Ler você, saideira.
Ler você no início e ler você no final.

Ler você lendo a mim.

LUIZA

Se eu fosse homem
eu quereria ficar velhinho
do seu lado.

CASQUINHA

A dor da minha ferida se alivia
quando adoto a dor da ferida do outro,
e consigo, com ele, sentir o sangue coagular.

SEDE

Ao seu lado eu não quero filmes
nem livros, nem discos, nem cordas
- nada que exclusivise a imaginação.

Ao seu lado não quero simples fantasias.
Eu quero mesmo é viver você.

Agora.

POR ENQUANTO

Não tira os pés do chão.
Porque meus pés estão sobre os teus, ainda.

E se fizeres isso agora
eu posso simplesmente cair.

Moço, cuida de nós.

VINTE ANOS

O meu ideal de festa é convidar todo mundo que já passou pela minha vida.
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A primeira professora, as cantineiras da primeira escola, aqueles primeiros coleguinhas que eu nunca mais vi, e os que eu continuo vendo até hoje... a babá que cuidou de mim até os meus quatro anos, as mulheres que ajudaram minha mãe a cuidar da casa, deixar a casa limpinha, e a cuidar de mim e do meu irmão, pra que ela e meu pai fossem tranqüilos para o trabalho... todas as minhas professoras e professores, que deixaram em mim um pedacinho de mundo, de qualquer maneira elaborada - do ensino fundamental, passando pelo ensino médio, até a faculdade... os meninos com quem eu jogava bola na escola, na frente de casa ou no meio daquela rua, mesmo sendo carta-branca - ou café-com-leite, como queira.
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Aqueles colegas que viraram a cara pra mim e me deixaram sozinha pra que eu aprendesse que a solidão nem é tão ruim assim quando se aprende a lidar com ela. Outros que riram de mim quando eu não fui ou agi exatamente como esperaram. Aquela senhora, que eu nem conheço, que sorriu pra mim num dia em que eu briguei com a mamãe antes de ir pra escola - tinha tudo pra ser o pior dia do mundo, mas ela sorriu pra mim.
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Os meus primos e uma amiguinha, vizinha da vó, que faziam das minhas férias os melhores dias da minha vida... os meus avós, que me deram e até hoje me dão lições de vida, de amor e de enfrentamento, que me contaram e contam as lindas histórias das vidas deles e me fazem sentir a pessoa mais nova do mundo, ainda com tanta coisa pra ver e viver. Os meus tios e tias, especialmente a minha duplamente madrinha, por estarem presentes, pelas festas de família, pela amizade, pela colaboração, pela presença, pela existência.
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Os funcionários da escola da minha adolescência, que agüentaram, não me pergunte como, as minhas crises de rebeldia sem causa... aquele leiteiro que passava de carroça toda manhã em frente a minha antiga casa, vendendo sempre dois litros de leite. Às vezes ele até passeava de carroça comigo e com meu irmão - era o máximo passear de carroça.
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Os rapazes por quem eu me apaixonei e fizeram de alguns dias os mais especiais e inesquecíveis. Aquele do primeiro beijo, que nem sabe que foi o do primeiro beijo... o primeiro namorado... aquele outro que me fez chorar minha vida quando não se esforçou pra que desse certo... aquele que foi embora, obedecendo às imposições do tempo e da distância... aquele que está sempre por aqui, derretendo meu coração, mesmo sem acreditar que merece. Aquele amigão de infância que nunca desconfiou de nada e talvez nunca saiba que foi ele quem me ensinou o mais puro e refinado amor.
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Uma amiga que eu fiz lá na infância que, do jeito dela, me ajudou a enfrentar aquela solidão que os outros coleguinhas impuseram. Os moleques da adolescência que se reuniam comigo lá em casa pra estudar, lanchar, falar tudo e nada e compartilhar comigo a alegria de estar bem acompanhada. As amigas que me ouviram e filosofaram comigo as coisas mais importantes de cada fase por que passei até hoje. Todos que se preocuparam com as minhas importantes crises de depressão, mesmo achando que não pudessem fazer muita coisa. E, do jeito deles, fizeram.
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Aqueles amigos que me mostraram boa música e despertaram em mim a paixão por ela. Especialmente aquela que passava grandes tardes de sábado cantando e tocando violão e teclado e me ensinando um pouco de tudo o que eu ainda tenho vontade de aprender. Ela que descobriu comigo a sinestesia, a sensibilidade e a possibilidade de ser mais feliz, mesmo diante de algumas peças que a vida insiste em pregar.
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Os ex-alunos, ex-colegas e ex-patroa, que me ensinaram e viveram comigo a experiência do primeiro emprego.
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A psicóloga que me acompanhou durante dois anos, me mostrando quem eu realmente sou e o que eu posso ser. Os médicos que cuidaram de mim quando minha saúde não estava lá grande coisa.
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As amigas e amigos da faculdade que têm compartilhado comigo os grandes momentos da difícil tarefa de crescer. E, claro, aqueles estudantes que, durante os breves tempos do cursinho, fizeram a alegria dos meus dias - alguns deles presentes até hoje. E a linda família que construímos dentro do pensionato em que morei nessa época.
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Aquela melhor amiga que, apesar do tempo e da distância, continua sempre comigo, mesmo que a gente esqueça os aniversários uma da outra de vez em quando. Essa amiga que comigo fala de poesia, de MPB, de sexo, solidão, alegria, tristeza. Ela que tem liberdade de brigar comigo às vezes, que nem mãe mesmo, e vice-versa. E aquele outro que anda conquistando o mundo, fazendo um elo lindo entre o nosso mundo mineirinho e o mundo metropolitano.
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Os amigos das farras e confidências, daquele certo porre, que cuidaram e cuidam de mim e me ensinam, todos os dias, a alegria de viver.
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Ah! E os pais de todos esses amigos que, tantas vezes, me adotaram como filha, me receberam em suas casas e me fizeram sentir visita ilustre.
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Os amigos da internet, que talvez eu nunca chegue a conhecer pessoalmente, mas que me fizeram companhia em momentos incrivelmente importantes.
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E os meus queridos poetas, amigos, companheiros, autores das perguntas e das respostas mais pertinentes e oportunas de que fiz, faço e sempre farei uso. Eles que tantas vezes salvaram minha vida, equilibraram minha emoção e me colocaram de volta nos eixos.
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A moça da banca de revista da universidade, que sempre conversa comigo e me avisa quando chega alguma revista nova promocional. Que sorriso e simpatia bonitos ela tem. Também os funcionários do restaurante da universidade, que sempre me atendem com um sorriso, inclusive aquela senhora que, certa vez, não resisti e abracei. Os funcionários no xerox, que estão sempre prontos e fazem o trabalho deles pra gente com a maior boa vontade e eficiência e, nas horinhas de folga, até batem um papinho agradável.
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Os motoristas e cobradores dos ônibus que eu tenho de pegar todo dia pra ir à universidade. Talvez eles não tenham idéia de como aquele "bom dia” matinal faz toda a diferença. A vizinha do marmitex, que salva o nosso almoço todo dia em que todo mundo chega em cima da hora, salivando de fome. O pessoal das padarias lá perto de casa, que sempre atende a mim e à minha família com pão quentinho, bolo de coco e bom humor, e até sabem os nossos nomes.
.
E, finalmente, a minha família, por me amar e me aceitar incondicionalmente, por saber tudo o que só uma família sabe que acontece numa família. E, claro, a minha segunda família, aquela de olhinhos puxados, que esteve presente desde a minha infância e, hoje, apesar da distância e de, às vezes, algum tempo de ausência física, continua deixando em mim os maiores ensinamentos de fraternidade, cooperação e boa vontade de que posso me lembrar.
.
É essa a festa dos meus sonhos, a festa da minha vida. Pode ser hoje, amanhã ou depois. Pode ser no meu último dia. Ou no dia posterior. São essas as lembranças, as pessoas e os momentos que quero e vou guardar pra sempre comigo. Na memória e no coração.
.
Obrigada, Deus.

SALVEM SÍSIFO

O que quer que seja,
tenha fin(ai)s, para que valha a pena.

DAS ESCOLHAS

Ah! O tempo...
Essa louca montanha russa
a desafiar nossa inércia.

E a eternidade:
esta fábrica de náuseas e medo
- belo parque de diversões.

PERFEITOS, PERFEITOS, HUMANOS À PARTE.

Cresci ouvindo que amizade é feita de conveniência. Eu nunca quis concordar.

Meus amigos sempre significaram demais e o meu instinto de lealdade sempre me disse pra confiar incondicionalmente, perdoar compreensivelmente, disponibilizar-me maximamente. E foi assim que, repetidas vezes, eu quebrei a cara: uma discordância de idéias aqui, uma batida de valores ali, uma decepção relativa a atitudes acolá. Mesmo assim, de novo eu perdoei, confiei e me disponibilizei. Afinal, ninguém é perfeito.

Não obstante, eu não sou perfeita. O que eu penso ser certo, pode não o ser pra você. E não raras vezes eu também discordei, bati de frente ou decepcionei. A diferença é que o limiar de tolerância do lado de lá é quase sempre nulo - as pessoas não têm mais o hábito de, de novo, perdoar, voltar a confiar, se disponibilizar. A maioria delas pensa um mundo como eu cresci ouvindo - de conveniências. São e, com razão, pragmáticas, no sentido mais fiel da palavra. Não só nas amizades, mas em todos os relacionamentos humanos - a ordem é tolerar apenas pai e mãe, se é que ainda há ordem.

E é assim que eu tenho quase me transformado numa mônada: aprendi a ter medo de confiar no outro; medo de me expressar, de agir como acredito, porque no mundo alheio não há segunda chance, nem perdão; aprendi a ceder menos, porque a maioria das pessoas não cede nunca e, insistindo em ceder, eu posso acabar me perdendo. Aprendi que a arte moderna é o individualismo; é não depender da opinião, da ajuda ou da gentileza do outro. Aprendi que não posso errar nunca, porque eu sou descartável. E você também é. Por isso, a duras penas, tenho aprendido também a descartar.

E já estou aprendendo até mesmo a fazer fotossíntese.

"Estou triste porque vocês são burros e feios E não morrem nunca..." (Mário Quintana)

EPITÁFIO

Aqui uma artista jazz.

BRAVAMENTE

Disse Nietzsche:
Mais vale a inimizade de um bloco inteiro
que uma amizade feita de pedaços colados!

Discordo.
Construir mosaicos é uma virtuosa
e desafiadora iniciativa de arte.

MUSICALIZAÇÃO

A brincadeira favorita
da minha cadelinha
é o diálogo exaltado.

Eu a convido, batendo forte o pé.
Ela sobe no sofá, fica incitada
e começa a se expressar:
ela insurge de lá, eu respondo de cá.

E assim
já sei latir em vários tons.

VEGET-A-TIVO

Este amor,
embora para sempre,
não daqui por diante.

A PORTA

A madeira sente que cada mudança de estação
traz ou leva consigo um prego.
A cada prego que vai seu respectivo locus fica.

É cômodo e fácil, pois menos doloroso e dolorido,
encarregar o Tempo dos pregos
e dos buraquinhos deixados pelos pregos.

Difícil mesmo é reparar a Porta
sabendo que outros pregos hão de vir e ir.
Porque as estações continuam mudando.

Só que o Tempo não resolve nem pregos,
tampouco buracos: o Tempo habitua a Porta
ao ir e vir das estações, à dança ferrenha e inevitável dos pregos.

A Porta fica, aparentemente, menos dolorida, mais resistente,
porém não menos marcada: buraquinhos aumentam em quantidade,
aumenta a reincidência de pregos nos mesmos buracos.

Mais habituação, mais resistência.
Chega a hora em que, de tantos buracos, a Porta de madeira
- habituada e tão resistente - desaparece.

Sem reparos, sem enfrentamento e sem recomeços,
a Porta nem teve tempo pra se dar conta
de que o Tempo nada resolve.

No fim das contas, o Tempo some com a Porta.
No fim das contas, o Tempo consome a Porta.
Quem é o que sente, quando não sente, deixa de ser.

CLAUSURA

De alguma maneira meu coração vai bem
- em paz - assim, só.
Trancado dentro de mim.

SOL

é por você que escrevo
você que pula, corre, sorri
e brinca, briga, pede arrego
pede colo, comida, canção

você que se esconde, brilha, mostra
encontra, encanta, apreende
você que ama, é amor, saber
sutileza, ingenuidade, coragem

você amizade eterna
incrível lembrança
carinhosa presença
é pra você que escrevo

RENASCER

toda vida é nova
toda hora é linda
todo jeito é sábio
todo sangue é
toda vida
toda hora
todo jeito
nova
linda
sábia

VENENOSA

Falo de ódio
por não ter alcançado ainda
a serenidade do desprezo.

Ódio porque, por seu egoísmo,
sofri mais do que o necessário.

E não sai daqui a vontade de que você sinta,
ao menos, o equivalente,
se é que se pode estimar.

Mas lembre-se:
só falo de ódio por não ter alcançado ainda
a serenidade do desprezo.

Portanto, não espere um próximo verso.

CANETAS

Todas as canetas conspiram entre si
e sempre param de funcionar
quando mais se precisa delas.

Eis que Marina apresenta-me
as canetas mais fiéis que já conheci.

Tão macias e leves,
elas patinam, solidárias, poesia no papel.

Impressionam-me as tristeza,
misantropia, lealdade e obstinação,
ainda que falhas, de algumas canetas.

O QUE É?

É que deve haver um nome que ainda não disseram. Não disseram porque não conheceram. Eu procurei, por muito tempo, por todo lado, explicações sobre amor, paixão, amizade, fraternidade. Mas isto que existe aqui desmente todos os poetas e todos os dicionários. E engana todos os sentidos com uma verdade tão pura que me emociona. É cheio e nos preenche de você e de mim. É, talvez, um abraço implícito e eterno de dois espíritos que se esquentam, quando tudo esfria, e se secam em transpiração mútua. É um conceito que ainda não escreveram. Um nome que não conseguiram inventar. Porque só nós conhecemos. E dispensa explicações. Porque só a nós interessa e, em silêncio, já entendemos, com invejável perfeição. É este abraço assim - maciço e poroso, livre em seus mais fortes elos. É quase pornô e, mesmo assim, de imensurável pureza. Nem mais, nem menos. É transcendental e é daqui. É o que é: somos nós.

VALEU

até seu cheiro eu senti
e vi seu olho brilhar
degustei seu sorriso
ouvi sua respiração

mas tive de abrir os olhos
e você não estava mais lá

o bom é que você esteve
e você sempre aparece

apareça sempre

PEQUENO CONTO

Maria orou para que se sentisse menos sozinha. Chorou partidas justas, obtusas, doídas. Maria pediu a Deus que lhe desse forças para continuar acreditando no próximo, mesmo que, a duras penas, tivesse de crescer. E Maria pediu, com vontade, para náo sentir tanto medo. Era tudo o que ela queria: coragem, fé e companhia. Precisamente nesta ordem.

E Deus lhe mostrou um poema.

ALTERNATIVA

Meu espírito se apaixona, ambulante,
por uns homens lindos e puros...

Ele vai e volta, e ama, fugaz,
esses meninos incertos...

Espiralando, de galho em galho,
porque no chão não se sente bem,
meu espírito vai criando asas...

E um dia ele há de voar.

DADIVOSA

Deus, peço-te que compre, então, os meus versos
porque recuso-me a equivalê-los de valor entre os homens.
E me subsidie, assim, a viver de poesia.

CARTINHA DE AMOR

Se eu pudesse, guardava você bem escondido, numa caixinha... e não deixava nada nesse mundo lhe aborrecer, entristecer, desesperar. Não deixava nada de ruim atingir você. Abraçava-lhe forte e não soltava mais. Até a gente pôr tudo pra fora com choro, risada e suspiro... e gastava toda essa inquietação nossa com piadas, amizade, sexo e rock n’ roll.

Se eu pudesse, lhe batia até não sentir mais vontade de bater. Até você parar com essa coisa de se agredir achando que vai agredir o resto do mundo. O resto do mundo não se agride, não; só esta parte pequenina minha, que nessas horas queria não existir. Se eu pudesse, você não me provocava nem mais ódio, nem amor, nem desprezo, nem preocupação. Se dependesse de mim, nada disso seria tão puro, e eu não lhe desejava o melhor do mundo que, Deus sabe, você merece, mesmo insistindo em ter o mínimo do mínimo. Se eu pudesse, contaminava essa pureza do que sinto com um monte de pretensões, e ciúme e sentimento de posse e egoísmo e essa coisa toda que o mundo aprende a sentir pelo resto do mundo, o resto da vida.

Se eu tivesse dinheiro, e se dinheiro comprasse, eu lhe comprava uns óculos com lentes mágicas de vida, pra você enxergar, aceitar e se importar com o que realmente importa. E se eu tivesse força, lhe obrigava a usar esses óculos e a só olhar pra frente e a seguir comigo nestes caminhos longos e estreitos, em vez desses atalhos largos, de última hora, tão costumeiros, que nunca dão em lugar nenhum. Porque sozinha tambem não é fácil.

E tirava uma foto sua com a minha imaginação, fazia um pôster pra você carregar na carteira e se olhar toda hora, até acreditar nessa beleza que você sempre recusa. E depois disso tudo, eu não precisava ver você nunca mais, se isso me desse certeza de que tudo ficaria feliz para sempre. Se eu conseguisse, salvava sua vida com versos, como tenho tentado, duramente, salvar a minha própria. E me teletransportava praí, obrigava você a ler até este desabafo acabar, porque sinto que a culpa disso tudo é toda nossa.

Se eu pudesse, você já era feliz. Mas sò o que eu posso é tentar ser. Todo o resto é com você.

E se ainda tem alguém aí, avise que eu ainda estou aqui.

VOCÊ MERECEU

Sofra sozinho
Fique em silêncio
Nem um sussurro
Pague o seu preço

Só quando cresci
Foi que percebi
De nada adiantou
Emprestar o ombro

Em vez de chorar
E se abastecer
Zombou do meu sim
Me fez soluçar
Só fugiu de mim

Agora nem vem
Lamente ao relento
E ouça de longe
Me veja feliz
Dançar e cantar
Música que eu fiz

Dá o fora daqui
Vá viver sem medo
Se, o que conseguir
Já não é segredo
Ser tão triste assim

Sofra sozinho
Agüente calado
Nada de ombro
Fuja de mim
Lamente ao relento

Vá e viva sem medo
Dá o fora daqui
Suma de mim
Em suma, é o fim
Você mereceu.

COMO DEVE SER

Ainda que os seus olhos tirassem fotos,
não apreenderiam, sozinhos,
a imagem que realmente importa.

Essa só seu pensamento tem.
E agora, bem ou mal, sem photoshop.

PROPOSTA INDECENTE

Mário Quintana e você
carregam o mesmo signo.

Isso deve explicar nos entendermos tão bem.
- Ele e eu, você e eu.

Entenda-se, como eu, com ele.
E formemos o triângulo.

INSONE

Hoje não escrevi nenhum poema,
não cantei nenhuma música
nem ri de qualquer piada.
Só precisei e quis chorar, chorar e dormir.

Estou cercada de ausências
que eu mesma criei
e as tenho mantido,
conscientemente, alimentadas.

Tudo tem parecido vazio,
sem sentido, automático.
Nem me empolgam mais
os ultimos capítulos da novela
nem os romances mais clássicos dos filmes.

Porque o amor, daquele jeitinho,
recíproco, feliz, complementar
- esse amor, me parece, não existe!
Não acredito nem quero mais acreditar.

Talvez a solução seja mesmo me esvaziar,
desprover-me de sentido, automatizar.
Sentir é algo que já não cabe nestes mundos.
Nem aqui dentro nem fora.

O pecado da cabeça que pensa,
do coração que arde, do espírito que se amotina.

VADIA

Vá por mim:
as pessoas fingem,
todo o tempo,
que são puritanas.

Oh! E que escândalo não ser!

Se eu finjo?
Claro que sim!
O tempo todo que não sou.
Meu negócio é subverter.

Trabalho vão.
No final das contas
a gente também é o que dissimula.

Duvida, pois, dos altares.
É tudo conspiração.

SIGA

Já não desenho seu rosto
Nem falo mais o seu nome
Descanto aquelas canções
Calei o amor que não foi

Só não me esqueço do que nunca disse
Dos seus poros que eu decorei
Daquele frenesi doido que tomou meu corpo
Quando seus olhos brilharam pros meus

Nem me atrevo a querer tudo de novo
Porque não há, neste mundo, nada mais dolorido e medroso
Do que um coração calado, des(en)cantado
Que, apesar de drenado, não conseguiu esquecer.

OLHO D'ÁGUA

Eu não consigo entender
por que nos parecem aos outros
insuportáveis nossas próprias paixões
se o que vemos é puro brilho
eu nos seus, você nos meus olhos.

O que vemos é clareza
é transparência corrente
é o dom "bissexto" de sentir muito
de sofrer pra sempre - felizes
por sabermos intuitivamente
que toda paixão que é brilho
vai, pra sempre, a pena valer.

DO ESTILO

Crio vida.
Vivo poesia.

PEDIDO

Deita no meu colo
e faz dele uma cúpula
cheia de luzes, música e festa.

Ou faz dele um sonho bom
e sorri de olhos fechados
como quem não conhece lá fora.

Por mim.

Finge que posso sempre fazer de ti
a pessoa mais feliz do mundo.

Ou pelo menos finge, por mim,
que podes pra sempre ser feliz.
Porque preciso tanto ser feliz.

Por ti.

CANTADA

Moço do Sax

Assopra
e faz-me gritar.

Toca a afonia surda
desta vida minha.

FATÍDICA

Conquistaste minha confiança
em pouquíssimo tempo.

E, apesar de tanto esforço,
não é que, enfim, a tenhas perdido.

Ganhaste sim, o meu medo.
Meu medo do teu medo.

E agora?!
Agora já nem sei mais...

DEMONSTRATIVA

Creio sermos anjos.

Nesta
Nessa
Naquela
Em toda
Por toda
Vida.

Anjos com sexo.

MEIO MINUTO

Tempo-todo
tempo-passa
passo-pisa
piso-pára
pára-tudo
todo-tempo
tudo-passa
tudo-pisa
tudo-pira
pira-passo
passa-tempo
tempo-todo
tempo-passa
tempo-pira
tempo-pára.

GOZO

A tristeza tem parido uma satisfação maternal:
estar triste faz-me escrever poesia
e cada poema que encerro é um filho gerado
- para mim e para o mundo.

Estar triste nem é tão ruim assim:
pensando bem, parece-me o sexo
tanta força orgástica a fim da compulsiva (re)produção.

COMUNICAÇÃO

Converso com alguns poetas
como converso com Deus.

Todos amigos e cúmplices
numa lírica equivalência emocional.

Deus fala-me através da poesia
que é o próprio mundo transcrito
de maneira cármica e divina pelos poetas.

CARTESIANA

Nossa história dispensa demonstrações gráficas
de que estamos nas cristas e vales
das parábolas um do outro.

Já reparou?