terça-feira, 28 de setembro de 2010

LEGENDA

força na carne e no que ela é capaz de dar comida sexo musica arte corpo tudo sente caótico nada despercebe a terna certeza de destino morte descanso corpo e tudo nele e para além dele começa a toda hora e lugar de qualquer jeito por onde passa cabeça coração espírito é no corpo que termina moldura é na carne que a alma se encontra cola

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

CAL(EJ)ADO

Então eu calo tudo isto até que possa ser dito ou cantado. Calo até que suporte ser abraçado ou ferido. Calo por enquanto, enquanto calar (não) disser. Ou calo até que seja esquecido.

Porque toda a minha vida, até hoje, renderia alguns bons filmes, e nós seríamos justo o da sobrevivência, de longe o mais denso, íntegro, forte e – embora a olhos rasos não pareça – o mais racional. Talvez Woody Allen se atrevesse a fazer-nos parecer menos brutos, menos intensos, menos indecentes, menos confessionais.

Porque eu não me atrevo. Seja lá o que signifique amar, amei – todos os seus e os meus amores, em você, devorando-nos. E amo, com toda a fragilidade de que isso me veste; com a orgulhosa e feliz consciência de que somos e queremos sempre e muito mais do que somas de partes. E eu quero esta inteireza nossa, sem sugar, possuir ou domar.

Porque amo sua liberdade incerta, hesitante, angustiada, tímida, como amo a minha própria. Amo tudo o que você é, sem que precise ser tudo. Não precisa nada. Não precisa ser pra sempre, não precisa ser pra hoje. Que, mesmo em silêncio verborrágico, simplesmente seja o que puder ser.

Porque é. Na linha tênue entre a (in)sanidade suada e a inocência perdida. Novo, mágico, imprevisível e/ou visceral, é como pode. Sempre tão intangivelmente pornográfico, mesmo quando a realidade quer nos despir, tocar, prever, envelhecer, arrasar, desiludir.

Porque, não por necessidade ou promessa, mas por gentileza conquistada, é que tenho escolhido ficar por perto, para lhe oferecer e entregar água, roupa, comida e verdade, se e quando você indicar. Até que a inconveniência nos separe.


terça-feira, 14 de setembro de 2010

ASAS

 (das cartas nunca entregues.)

No limite do paradoxo, é onde eu estou. A vida é mesmo bulímica, não é, querido?! Como é possível não devorar a existência com deslumbramento? E como é possível, depois de pensá-lo, não se culpar por fazê-lo? Eu não tenho a mínima idéia de como é possível ser eu. E não tenho idéia de como é possível não me ser.

Confesso que minha existência é vaidosa - cheia de ornamentos e maquiagens e saltos altos, sabe?! Então há dias em que o pacto com a mediocridade de viver é... menos dolorido, talvez, embora não menos desconcertante. Escrever é pura vaidade, menino, você já deve ter percebido. Mesmo quando tudo parece trágico e incômodo demais (e não que não seja), escrever é viver sob minha própria direção de arte; é um jeito bonito de suportar a idéia de que viver é também pura vaidade.

Já reparou como existir é impagável? É tão deslumbrante que tenho vontade de frear a caneta e nem escrever sobre isto, para não macular, porque escrever também fere a beleza do minimalismo. Há coisas que é melhor não tentar representar... mas olhe as borboletinhas desenhadas na página do caderno... tão lindas e eu nem gosto de borboletas, eu as imagino na minha pele e sinto arrepios - nada ameaçador, eu acho, mas arrepios. Os mesmos que sinto a respeito de viver.

Eu nunca havia dito isto a você, então leia com cuidado: eu me arrepio o dia todo, por existir, de um jeito que beira a exaustão. Até quando sinto sono, eu me arrepio. Às vezes penso que eu não deveria dormir, porque é tanta vida aí, que dormir soa herege. E, mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, eu não aguente e durma tanto. Então acho que dormir é um jeito de preencher os buracos da alma... este vazio que fica entre existir e existir. Dormir é viver os buracos, e viver os buracos é um jeito de preenchê-los, você não acha? O mal de dormir é acordar. E, se não acordássemos, não teríamos por que dormir. E, se dormir faz parte de viver, é inescapável que também deixe buracos.

Percebe o terror e a paz que reinam aqui? É assim que tem sido, amor... dá vontade de chorar. Até escrever é tão existir, e tão maculador, que dá vontade de chorar. Penso que ser humano é estar aberto à possibilidade de fazer metalinguagem existencial.  E esta beleza dói tanto, não é?! 

No limite do paradoxo, é onde eu (não) sou. Você também se arrepia?



"Make the butterflies go away
Somewhere I can see 'em
Somewhere I can see 'em

Make the butterflies go away
In imagination

If they're supposed to be inside
And I'm supposed to feel this way
Make me a butterfly"
(Lisa Germano)

domingo, 5 de setembro de 2010

BIG BANG

Porque não adiantaria dizer que estou cansada de tentar banalizar esses cheiros e texturas todas.  Cansada demais de fingir que posso alcançar qualquer não-sentido pro excesso de informação disponível o tempo todo nos corpos e intenções alheias. Eu não consigo. Nada disso me é banal, nem uma pontinha de dedo ou fio de cabelo, ou cheiro escuro e úmido de taverna e álcool, ou gosto ordinário, duro e frágil de macarrão quase al dente e arroz quase cozido. E aquele chão seco, todo quebrado, que me dói as costelas, e as mãos grandes do meu avô, que me faziam acreditar que, se eu coubesse dentro delas, seria o lugar mais seguro do mundo. As cinzas ainda em brasa daqueles papéis queimados mais cedo, enfeitando de laranja o breu. E o silêncio. A saudade, a vontade de que eu não precisasse diluir tanto ele por todos os meus sentidos e lembranças. Vontade de que ele tivesse dito sim e aceitado bem o fato de sozinho conseguir me fazer sentir o que eu preciso buscar sempre com tanta avidez no mundo todo ao mesmo tempo. O universo inteiro no seu cheiro, no seu gosto, na sua textura, nas proporções do seu corpo, do sorriso, no som da voz. O universo inteiro materializado numa pessoa só, como é que pode? Alguém sem olhos, eu que preciso tanto de olhos e que tanto temo olhos, não vejo os dele. Alma sem janelas, que eu queria tanto abrir. Eu é que devo ser a própria janela, porque aqui nem tem muita alma implícita, é tudo em mim óbvio demais. De implícito, tem mais é um vão, este buraco negro de fechadura pra olhar através e descobrir que  aqui tem muito é você. Então não olhe pela janela se não quiser se encontrar do outro lado. Pois através não é eu, repare de novo. Eu mesma sou invisível, mas você pode sentir pelo cheiro e pela textura e pelo meu gosto, só não se engane pelo que ouvir - minha voz, embora pareça clara e sincera, só diz mesmo é quando cala. Só peço cuidado: pra sentir quem eu sou, se aproxime devagar, com calma, de leve, faz parte do processo me sentir sentindo  você me sentindo... este atravessamento mútuo e de repente o universo também sou eu, e você mais janela do que nunca sonhou ser. Qualquer troca momentânea de sentidos, de éter, e ... BUM! É assim que um universo novo deve ter surgido: do encontro corajoso e sensível entre dois outros completamente paralelos; do beijo indizível entre janelas, para aquém e além de seus através. Pois que venham, outras velhas, as mesmas novas explosões.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

TÃO MEUS QUE ESPERO

Fazendo companhia à ressaca da Suellen.

Às vezes eu tenho vontade é de o contrário, colocar tudo em palavra, pra minha vida ser menos esbórnia, só que não cabe tudo em palavra e vida esborniada às vezes cansa. Então eu fico offline também, mas por não suportar minha própria carência, torcendo pra alguém mexer comigo mesmo assim, que eu não vou pensar duas vezes antes de responder. É minha carência se nutrindo da carência alheia compulsivamente e na hora de vomitar é tudo sozinha, porque como diz também o Caio, não tem nenhum dedo diposto a entrar na sua garganta, e escrever é isso. Talvez o mundo não mereça mesmo, mas sozinha nem eu.