domingo, 30 de janeiro de 2011

ANOTAÇÕES MENTAIS



Sobre o Bullying
É a coerção social de que Durkheim tanto falava. É o segredo que Clarice Lispector não quis revelar em entrevista, o novo trauma moderno ocidental, acontece geralmente na infância ou adolescência, quando começa o sentimento de solidão e começamos a nos esconder do mundo, esconder nossa essência, que é de amor, plenitude, paz e auto-compreensão e do mundo. A solidão vem cheia de culpas (superego).

Sobre o Incesto
É natural e ingênuo. É a descoberta da sexualidade entre as pessoas que mais se confiam, em família. Geralmente torna-se um dos traumas, pois é quando a coerção social começa a pesar sobre os corações que, antes puros, tornam-se agora ingenuamente sujos e culpados, solitários, por terem, gostado, amado e confiado o próprio corpo, o seu templo sagrado, a quem a sociedade convencionou não poder. E não é o incesto a única regra universal? Daí o mito do Édipo: a tragédia não é o incesto, mas sabê-lo.

Sobre a Adoção
Há raiva no adotado, transferida da família que o rejeitou para a família que o adotou. Por esta última sente desconfiança, pois nunca sabe ao certo, conscientemente, a verdade sobre suas origens. É preciso descobri-la, trazê-la à consciência, para que o adotado, ou o que assim se sente aprenda a confiar em suas famílias e adotá-las mutuamente e, assim, ao mundo à sua volta.

Sobre o Estupro
Assim como no incesto, torna-se um trauma, pois a pessoa estuprada, mesmo com a violência, sente-se bem, pois, a despeito disso, foi desejada incontrolavelmente pelo outro, mas sente culpa porque é um sentimento socialmente inaceitável. Pode tornar-se solitária e ter problemas de sexualidade, como inversão equivocada, repressão e outros. Os outros traumas citados também podem repercutir em problemas na sexualidade.

Sobre perversões
São pessoas que, por se adaptarem às coerções sociais e reproduzi-las em outras pessoas, carregam solitariamente culpa e consideram-se inseridos num nicho de maldade. É preciso reconciliá-las com elas mesmas. Tornam-se solitárias a partir do momento em que se responsabilizam pelo trauma, pela coerção de uma outra pessoa.

Sobre psicoses e não-neuroses
São pessoas auto-conscientes, plenas, tiveram o inconsciente dilacerado e, se não cuidadas, funcionam como esponjas, podem acabar absorvendo os problemas dos outros e sofrendo-os em si mesmas. Sabem em si as próprias respostas, não há inconsciência – sabem quem são, de onde vieram, e podem escolher como e para onde vão. Sentem muita raiva por saberem-se, pois é uma sensação claustrofóbica – claustrofobia real de palavras; para estes, é a própria perda da inocência e, para isso, sentem que não há possibilidade de volta. É preciso que se apeguem ao amor(-próprio e ao que destinam ao mundo), a única possibilidade de redenção e de auto-devolução da própria inocência. Os delírios e alucinações vêm de desejos e sentimentos conscientes, de companhia, raiva, medo, isolamento, morte, vida, amor, etc. Só a pessoa pode responder qual o desejo levou a um delírio ou alucinação e o jeito de dominar as alucinações é conversando com elas e mandando nelas, sendo delas o próprio superego também ambulante. Os delírios devem ser questionados sobre quais desejos representam e colocados à prova e só o delirante sabe como fazê-lo. O psicótico é um id ambulante, mas que, como é educado em sociedade, tem noção das regras sociais e pode se organizar e se portar normalmente. Delírios e alucinações também só se manifestam quando a pessoa se sente sozinha.

Sobre a auto-estima
A única maneira que vejo é a reconciliação com (o mito?) Deus, perdoar Deus pelos equívocos que (in)conscientemente consideramos que ele comete(u), para que nos sintamos por ele perdoados e também haja, então, uma reconciliação com nós mesmos, uma troca de amor entre o humano e o sagrado, o mito. Pois, se a oração que o mito Cristo nos trouxe, o pai nosso, está inteira em destinatário à segunda pessoa do plural (ex.: venha a nós o VOSSO reino) e ainda nos diz "perdoai os nossos pecados assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido", podemos muito bem interpretar que o mito Cristo veio à Terra para que perdoássemos e nos reconciliássemos com o mito Deus, pelo pecado do que considero aqui saúde mental, saber-nos.

Sobre a violência
A violência só atrai aqueles que a temem, pois, inconscientemente, os que a temem são os mesmos que a desejam. É preciso respeitar o próprio medo e recuar diante dele, não temer nas ruas e nem diante de estranhos e/ou supostamente conhecidos. É preciso saber-se mais forte. Mas no caso de não saber-se, no caso do medo propriamente dito, é preciso recuar, buscar outros caminhos, se proteger de si mesmo e do possível outro, em lugares, emoções e palavras seguras de quem sente-se forte, pois que quem sabe respeitar o próprio medo não é outra coisa, senão forte.

Sobre a raiva
A raiva é sentimento que só pode e deve ser compartilhado com quem se ama, pois que ninguém odeia o que lhe é indiferente. Quem ama tem armas fortes para lidar com a raiva do outro, ou, por amor, temos nossas próprias armas paras nos calar diante de quem amamos em nossos momentos de raiva para que quebremos o ciclo. Raiva gera raiva e raiva em excesso, especialmente em lugares onde não há amor e nem medo auto-respeitado, gera grande violência contra pessoas inocentes.

Sobre a reconstrução do ego
Parece-me a última parte da libertação dos traumas, fazer para si mesmo o papel de bardo, narrar a própria história, construir-se é conhecer-se, juntar os próprios cacos e abraçar-se como mosaico, descobrir o sentido da própria vida e reconciliar-se com ele.

Sobre o amor e a sexualidade
O amor, a paixão e a afetividade são indistintos – amamos pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto, amamos a arte, o trabalho, e tudo o que nos oportuniza a sublimação da nossa sexualidade, mas o nosso corpo é que escolhe o corpo definitivo com o qual temos mais afinidade e isso deve ser respeitado, mesmo que para isso tenhamos que passar por diversos corpos de pessoas igualmente amadas antes de encontrar o definitivo, se o há.


sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

BAIXINHO

sou um segredo
guardado
por amor

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

EU AMO VOCÊ

Eu não sei bem o que dizer, então, mais uma vez, vou dizer a verdade. E a verdade é que eu nunca fui boa em me declarar de amor, amor. A verdade é que eu sempre amei o amor dos outros por mim, porque eu queria mesmo era aprender como é que se fazia, mas ninguém, senão você, soube me ensinar. Todas as vezes na vida em que eu disse, antes, amo você, para alguém, deveria haver uma legenda subliminar que traduzisse para a pessoa, simultaneamente: eu amo muito o seu amor por mim, obrigada.

Eu fui uma bomba, eu sei, que explodiu na sua garganta e, de generosidade e coragem, você me ruminou, degustou, digeriu e me transformou em sangue do seu corpo, bombeando sua veia, pulsando sua artéria, (des)contraindo seu coração. Eu não sabia que merecia isso tudo, amor. Eu não sabia que merecia encontrar o que eu tanto busquei a vida inteira, porque acho que no fundo buscava mesmo era o não que eu sempre encontrava. E, logo em você, logo lá, no lugar mais improvável... contra todas as perspectivas, contra  todas as torcidas, contra todas as correntezas, nós nadamos... nossa história é tão linda, tão doída e doida - com e sem acentos e trocadilhos. Tudo ao contrário, ao avesso, de traz (com z mesmo!) pra frente, como foi a vida inteira para nós dois e, mesmo assim, entre nós, sempre tão fluido.

Eu comecei dizendo que não sabia o que dizer e fui dizendo essas coisas todas pra dizer mesmo é que até conhecer você eu não sabia amar ninguém, menino, porque eu não sabia me amar. Pra dizer que a legenda deste texto, sim, é que, finalmente, quer alardear EU AMO VOCÊ aos quatro ventos, baixinho, só ao seu ouvido, ao silêncio dos seus olhos e à perfeição do seu sorriso.

Engraçado, quando me olho no espelho, hoje, é exatamente isso que vejo: encontrando e amando eu em mim, você em você, você em mim em você. Então, da próxima vez em que você olhar o meu espelho e ler isso, vai saber que, como o Caio ensinou - "tô achando bom, tô repetindo que bom, Deus, que sou capaz de estar vivo sem vampirizar ninguém, que bom que sou forte, que bom que suporto, que bom que sou criativo e até me divirto e descubro a gota de mel no meio do fel. Colei aquele 'Eu Amo Você' no espelho. É pra mim mesmo" -, e só porque você ensinou, de hoje em diante é pra mim, de hoje em diante é também pra você.


segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

SOU MAMÃE

Mamãe, hoje descobri que só amor de mãe é mesmo incondicional. E chorei de arrependimento por todas aquelas vezes em que bradei ódio por você não conseguir me desamar e nem se ausentar de mim, mesmo quando me senti ruim, a pior pessoa e menos merecedora de qualquer amor no mundo. Mal sabia eu que mãe sabe bem de quase tudo, menos de desamar filho. Mal sabia eu que para qualquer outra perda na vida pode haver segunda chance, mas pra perda de mãe, irremediavelmente, não há, pois que não há perda de mãe em vida - só há amor que dá, que pede, sim, de tão humano, mas não sabe outra coisa, senão dar; e receber o que quer que seja é festa nos olhos, na pele, nas vísceras e nos contornos. Obrigada, mamãe, e me desculpe, com festa, eu agora sei, já nasci pessoa perdoada. Porque meu amor do seu, assim, descobri, também é elo incondicional. Deus deve ser mãe. Eu amo você.

domingo, 23 de janeiro de 2011

SOBRE A MISOGINIA

Que mãe é essa que você não consegue admitir amar nem odiar com tamanha devoção? Que pai é esse que tanto a feriu, mas a você, você mesmo não sabe o que fez? Não precisa odiar a mamãe até ficar velho, menino, nem odiar as meninas que, com tanto carinho, dela vierem depois. Ela fez tudo o que pôde e é por isso que você está aí. E não precisa odiar o papai para sempre porque ele a machucou; isso é problema entre os dois - saia dessa briga que você não comprou e leve só o amor, que foi tudo o que, de mal jeito, eles tentaram lhe entregar. Perdoe e adote essas duas crianças brigonas. E agora olhe para frente e veja a mulher que vem chegando, enfeitando seu futuro de presente. Abrace essa vida que é sua, moço, antes que murcha o jardim, que acabe a música, que se ponha o dia...


(post dedicado a Geisy Arruda e a todas as mulheres e figuras femininas que, ao crescer da humanidade, de alguma maneira, já sofreram quaisquer agressões e/ou perseguições físicas, morais e/ou iconográficas. Leia mais sobre misoginia aqui.)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

DA RECONCILIAÇÃO

o ovo e a galinha
frente a frente
em vislumbre um do outro
abraçando o narrador
que chora de joelhos
recupera-lhes a tinta
e consente-lhes caneta
são dois mil e doze
vínculos de criação
recomeços de um fim


sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

QUITES

Dá raiva. É só o que dá. Tentar fazer tudo certo, superar meus próprios limites, desafiar-me todo dia, colocar à prova os meus medos, as minhas renúncias, a minha pequenês e a minha grandeza - dá raiva me esforçar tanto em manter acesa a chama desta vida tão aparentemente ordinária, limitar meus desejos, minhas palavras, meus silêncios e, mesmo assim, sentir-me apenas mais uma no mundo. Isto é uma oração, Deus. o Senhor também sente raiva? Eu o perdôo... por tantas vezes fazer-me sentir tão humilhada, tão igual, tão suja, tão imiscuida, enclausurada, crucificada, medrosa, a despeito de toda a minha insistência em seguir os caminhos do meu coração que, desde sempre, tentaram ser seus. Perdôo porque, se sou feita à sua imagem e semelhança, o Senhor também deve ter lá seus equívocos - para quê criar aquela árvore com a tal da maçã do conhecimento, me diz? - ou o mundo não estaria assim, tão virado. Imagino que o Senhor chore comigo ao ler as grandes notícias e mais ainda ao presenciar, com os travesseiros, as pequenas tragédias pessoais. Eu o perdôo, Senhor, pelos seus pecados e, quem sabe  assim, o Senhor me perdoe por todos e tantos meus. Perdôo, sobretudo, porque preciso amá-lo, verdadeiramente, e me sentir verdadeiramente amada pelo Senhor. Preciso me confessar, falar de igual a igual, indagar como é não ser eu, sendo tão parecido. Posso, então, ser, de mim, caminho, verdade e vida? É este o livre arbítrio? E o Senhor ao meu lado, comigo, em juntidão? Senhor, eu o perdôo. O Senhor me perdoa? Vamos fazer as pazes para sempre? E o Senhor deixa eu ser uma amiga especial na sua eternidade e eu lhe faço o mesmo na minha? Um grande e carinhoso  abraço, que eu já estava com saudades.




"Meu Deus, me dê a coragem
De viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
Todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
Como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
Entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
Com este vazio tremendo
E receber como resposta
O amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
Sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
E mesmo assim me sentir
Como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
O meu pecado de pensar."
(Clarice Lispector)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

FLUXOS

É quando a vida inteira se mostra diante de nós que acontece o medo - é como olhar um oceano imenso e hesitar em ser, nele, rio desaguando. Sorte sermos tantos rios e nossas vidas outros tantos oceanos e podermos, a todo e a cada instante, escolher em qual deles desaguar.

Pois um rio, que só deságua em oceanos que o consentem abraçar, não pode controlar seu curso, embora possa, sim, exercitar paciência e deliciar-se em seus leitos e águas doces, antes que torne-se salgado, imenso e freqüentado por espécies e abismos vezes inescrutáveis, sem que deixe de ser o mesmo e próprio rio, agora em horizonte aberto, de selvagens e profundas marés cristalinas.

Que mais e mais oceanos abram-se sempre, diante dos nossos olhos e que aprendamos a paciência, a escolha menos doída, mesmo que não a mais fácil, e a superação dos medos. Porque é vivendo, desafiando-se, que aprende-se a aguar. Paciência e medo só nos servem a lembrar de que é sempre preciso (re)nascer e crescer rio, em sereno fluxo, antes de pretender marejar.


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

PARA UM MENINO COM UNS ANÉIS

Porque você é um menino com uns anéis e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, o que, aliás, você não vai nunca, porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.

E porque você é um menino com anéis e chorou na estação de partida porque nossas malas quase seguiram sozinhas e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras.

E porque você sonha que estão nos partindo ao meio, transfere sua força enorme para o meu cotidiano, e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava sentir por todos os modos com que vestido eu ia sair e onde eu ia me sentar para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido e se sentar ao meu lado. E porque você tem um rosto que está sempre um nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, parecendo um santo moderno, e anda lento, e fala em 33 rotações mas sem ficar chato. E porque você é um menino com uns anéis, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velha: mas nem quando eu der uma paradinha marota para olhar para trás você pode se mandar, eu não deixo, não deixo, não deixo - você me dá um "trupelo", segura meu rosto com carinho e me beija daquele jeito que só a gente conhece.

E porque você é um menino com uns anéis e tem um andar de guerreiro subido; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, ou a vizinhança inteira ouve, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica falando baixinho coisas que eu quase entendo feito um quase maluco. E porque você tem um cachorrinho chamado Rei e se falar mal de mim para ele, ele vai escutar e não concordar, certeza, porque ele é muito meu chapa, e quando você se sente perdido e sozinho no mundo você se deita agarrado com ele e quase chora feito um bobão e babão fazendo um bico deste tamanho. E porque você é um menino que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é um menino que tem medo de ver a ausência, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervoso até eu dizer que é amor e pura vontade de dar.

E porque você é um menino com uns anéis e cativou meu coração e adora feijão com carne, eu lhe peço que me sagre sua Constante e Fiel Cigana Arcanja Maior. E sendo você um menino com uns anéis, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinha, como nesses últimos vinte e dois anos, antes que a vida nos colocasse de frente, fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que os homens nem ousam me amar porque dariam tudo para ter uma escritora penando assim por eles, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vêem. E porque você é o único menino com uns anéis que eu conheço, eu escrevi uma carta tão bonita para você,  meu namorado, a fim de que, quando eu morrer, você, se por acaso não morrer também, fique deitadinho abraçado com o Rei ou os filhotinhos ou cachorrinhos que vierem depois, relendo sem voz aquele pedaço que eu digo que estar com você é como correr a cavalo e dá vontade de chorar.

E já que você é um menino com uns anéis e eu sempre vejo você chegar perto - tão purinho e branco entre tantos coloridos – o caminho que traz ao nosso abraço e beijo e reencontro, aqui neste mundo recortado por Deus, em que qualquer lugar parece nos pertencer, e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa.

E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mundo à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos - eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é o filho dileto de todos os homens que eu amei; e que todos os homens que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfrentando a sua fronte; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações - porque você é lindo, porque você é terno e sobretudo porque você é um menino com uns anéis.

("Para Uma Menina Com Uma Flor", de Vinícius de Moraes, adaptado.)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

SOB(RE) JUNTIDÃO

Hoje o texto começa, não para queridos diários, mas para vocês, cada um de vocês, meus queridos amigos, minha família, meu amor... todas os que tive a oportunidade, por várias e tantas vezes na vida, de escolher. E vocês me escolheram sucessivamente de volta. É a vocês, descobri, que tenho entregado o meu inconsciente, dilacerado em lirismo, todas as vezes em que escrevo, falo, ouço, canto, sinto na pele, nos olhos, nas vísceras e nos silêncios. Descobri, é tudo entrega, é tudo amor, é tudo uma coisa só: tudo você em mim em você e solidão virou bobagem. O delírio continua sendo a palavra - subverter. Macular de companhia consentida os nossos demônios, trazer à tona o que pareceu tantas vezes impossível: fechar os olhos e sentir vocês aqui dentro, fazendo festa, como no meu último sonho mais lindo - todos nós vestidos de palhaços chorando, juntos, por fora, o que quer que seja, e imiscuindo de alegria as nossas (im)pessoalidades. E o mundo que criamos juntos existe e me faz desejar ser quem eu sou: vocês em mim; transformar tudo em paz e silêncio de novo, e já desejo vocês como são: todos eu-cada-um-em-si. E todos os bois têm nomes que já não me incomodam. Tantos nomes que o texto nem quer mais terminar, atravessa outras linhas e de repente outra página e o desejo é continuar... entregando, escrevendo, vivendo, (con)sentindo, quase sem metáforas, que eu também não sou de ferro. Mas páro o texto, páro sim, porque sei, você é você e eu sou eu e nós somos assim juntidão. E é sob(re) juntidão que escreverei daqui para frente. A todos nós, obrigada.


A mensagem da música é de gratidão, seja lá quem tenha nos permitido tantos encontros:



"Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro,
envergá-las pro chão, corrompê-las, -
até que padeçam de mim e me sujem de branco."
(Manoel de Barros)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

QUERIDO DIÁRIO

Talvez fosse melhor nem começar, não dar nomes, não saber. Dá um medo de terminar a história em tragédia grega. Dá mesmo, vez em sempre, é vontade de parar no meio do texto. Eu queria ser um bicho, às vezes, e não ser obrigada a entender, nem a explicar nada disto. As pessoas deveriam ter o direito à ingenuidade do instinto. Parece que dizer a verdade é sempre pouco, a mim, a você... sempre... esta eterna ingratidão, pois que há impossibilidade de você ser eu e vice-versa. Pois, você sabe muito bem que se você fosse eu, bem aqui, no meu lugar, faria tudo certo, tudo direito, pra que o seu lugar continuasse o mais confortável possível. Mas você não é, então a gente se vê obrigado a conversar, a se (des)entender e a (des)acreditar um no outro chorando, como diz a Clarice, é o jeito, pois que "eu sou eu e você é você e esta é a solidão", acho que foi assim que a li. Também li há pouco tempo, da Ciência, que solidão não é sentimento universal, mas ocidental, moderno... fiquei me imaginando uma oriental há quinhentos anos e tentei não sentir solidão, aqui, em silêncio, mas daí já me perguntei se mais alguém no mundo deve pensar ou acreditar ou imaginar essas coisas e o ciclo vicioso recomeçou. Veio sono. Fechei, por hoje, o diário. Quando o coração se cansa e a cabeça frita, fazendo as palavras transbordarem da página, deve ser mesmo hora de encerrar o texto antes que termine em tragédia grega. Pois então (que seja) boa noite, de vivermos felizes para sempre. Até amanhã - e descobri que palavra solitária também salva vidas.

domingo, 9 de janeiro de 2011

ESQUIZOFRENIZE-SE

Palavra é puro delírio, é o jeito mais humano de admitir ao contrário a impotência de ser outro que não a si mesmo. É se nomeando em Deus, na Ciência, no Dinheiro, na Arte, no Trabalho, no Amor, na Amizade, que o homem busca - e vezes encontra - eternamente completude. Hoje, você já escolheu a sua?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

PARABÉNS, MAMÃE!


(a todas as recém-mamães, especialmente à Tatty e à minha prima Carol.)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

CONVITE

Papai e Mamãe,

Estou definitivamente cansada, e sei que vocês também, de reincidir nesse diálogo em que eu sou aquela a dizer “ai, que raiva!” e vocês “ai, que tristeza!” e/ou vice-versa. O que quero hoje é convidar vocês a serem meus jardineiros e que vocês me permitam ser-lhes jardineira também. Quero o abraço, o carinho, o amor, a reconciliação, o cuidado. Quero, sim, partos, embora jamais partidas.

Então perdôo por tudo o que já foi, por tudo o que é, e por tudo o que possa vir-a-ser, porque amo. Perdôo porque quero ser por vocês adotada, super-sempre-adotada, como na infância, perdôo porque quero adotá-los. Adotem-me, perdoem-me, também, vocês. Se não podemos ser para sempre perfeitos uns aos outros, que sejamos, ao menos, para sempre família. Para sempre pais e filhos.

Sou criança como vocês. O que vocês vão ser quando, juntos, crescermos.

domingo, 2 de janeiro de 2011

ALEGRIA, ALEGRIA!

(para Tiago)

O grande desafio na vida deve ser mesmo aprender a exercer o equilíbrio entre dar e receber nas nossas relações. Passei grande parte dos meus anos me doando, correndo atrás de tudo e de todos, acreditando que, à mercê do meu próprio controle, poderia fazer o quer que fosse acontecer. Mas é como disse o Pedro Antônio: “se bastasse correr, já teria chegado”, ou como demonstra o Woody Allen num dos seus filmes de que mais gosto, o "Match Point", cujo foco principal é a sorte, simplesmente, como definitiva determinante de fatos.

O que tenho aprendido agora, então, é a parar um pouco para receber, ver o que o outro tem a me oferecer, o que ele quer e pode me dar de si. Claro que não sem continuar me doando, embora em doses homeopáticas, alternadas com as doses de abraço em recepção ao mundo. São, na verdade, dois grandes desafios, pois há também que se discernir os momentos certos entre entrar e sair de mim mesma para o mundo, para que os essenciais encontros aconteçam: o encontro entre o eu e eu e o encontro entre o eu e o outro - é preciso, meu amigo, se desafiar, a todo instante, segurar forte as rédeas do medo e confiar que a sorte e o universo conspirarão conosco sobre desejos mais profundos de nossos corações.

Outra coisa que quero lhe passar, deixar aqui registradas, são as palavras de outra grande amiga, parafraseadas, agora, por mim: para que tudo isso seja possível, é preciso, muitas vezes, deixar pra lá nosso excesso de humildade, parar de esconder toda nossa grandeza, o potencial que sabemos, sim, ser, numa casquinha de arroz. É preciso ascender nossas estrelas ao céu e compartilhar nossos brilhos, de mãos dadas, com o mundo; é necessário que haja estrelas no céu, porque há gente que urge de estrelas a contemplar para que se iluminem e, quem sabe, a(s)cendam-se também. Brilhe, pois, meu amigo! Vamos, juntos, brilhar.

Um grande abraço. Que os próximos nos sejam, para sempre, os dias do desafiar-nos. Que nos sejam os dias do vencer-nos.


sábado, 1 de janeiro de 2011

JARDINEIRO

É que renascer, desabrochar assim, amor, à mercê das mudanças do tempo, das tempestades intermitentes com sóis escaldantes, aterroriza, às vezes. Dá vontade de voltar pra debaixo da terra e ser semente de novo, ser pó, ou mesmo retroceder no tempo e me elevar no comodismo daquela árvore troncuda, extremamente frondosa, embora cotidianamente agredida pelas mudanças das estações e pelos transeuntes que por ela passavam, usufruindo de sombra, de encosto, de lascas, de força para apagar brasa de cigarro e consumir chorume de lixo. Era uma árvore adulta, menino, era doente e  doída, mas disso era grande e forte. Impunha-se, ao menos.

E agora... que a árvore finalmente sucumbiu, se espatifou na terra, pediu arrego, vem você arejar, regar, drenar, cuidar assim, tão doce e calmamente, de mim-grãozinhos-de-terra, contemplando pacientemente o florir do eu-seu-jardim, que tão orgulhosa e generosamente você apresenta e entrega ao mundo, já sabendo que minhas cores, texturas e odores simplesmente despertencem - ou pertencem apolineamente a quem queira contemplar. Desculpe, querido, então, se às vezes me recuso, dou trabalho, murcho, volto a querer ser terra. É só medo de um dia ficar sem meu jardineiro e alguém passar por tudo o que renasceu de nós pisando... e o que seria de mim agora, sem você?

Tudo isso só pra dizer, bem brega, que eu amo você do tamanho de trocentos infinitos universos ao cubo e que esses são apenas alguns dos porquês.