quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

ADAPTE-ME

(das linhas à Vera.)

Estou fazendo tratamentos sim - com medicamentos, terapias, voltei a cuidar da minha espiritualidade - porque nos últimos meses, antes da tentativa de suicídio e da minha internação, andei muito cética e cínica em relação ao mundo, à vida (você deve ter percebido pelos meus textos anteriores)... sem esperanças, nada fazia o menor sentido; abatida e afogada numa morbidez de que só a experiência na clínica psiquiátrica conseguiu me tirar.

Foi me envolvendo na coletividade de pessoas desadaptadas, como eu estive a vida inteira, é que descobri, ou melhor, me certifiquei de que o nosso real problema é, sempre foi, excesso de amor, de cuidado, de humanidade, que são agredidos, desrespeitados, pisados e, por isso mesmo, medrosos, escondidos, e muito solitários, ao longo da vida... porque, você sabe, a gente vive neste mundo onde os valores aprendidos são muito outros - de desumanidade burguesa alienante e extremamente bárbara.

E o que fazer senão aceitar "adaptar-se"? A velha estratégia de juntar-se ao inimigo para, então, talvez, poder contra ele, pois não acredito que excesso de humanidade é que seja a doença, não acredito pois, que haja doença em qualquer um de nós - os literalmente (im)pacientes modernos. Tudo isso mais as coisas que vão muito além do que qualquer materialidade consegue explicar - assunto que tentei silenciar em mim durante os meus vinte e dois anos e que, enfim, também explodiu, mas fica para uma próxima conversa nossa.

E seus dias, como estão? Fale-me um pouco mais de você. Obrigada pelas palavras, pelo carinho, pela atenção.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

FELIZ 2011!

(da carta à Reníria)

Eu também me pergunto todos os dias todas essas coisas – por que tantas cobranças, por que ser o que tanta gente espera de mim, por que as pessoas se importam tanto com o que esperam umas das outras...?

Perdi e lutei duramente, com todas as minhas forças, com todas as minhas dores, com toda a minha boa vontade para tentar encontrar esse tal ''sentido'' que parece tão fácil para a maioria enxergar e, para a gente, tão difícil. Perdi-me de mim tantas vezes e outras tantas tentei me encontrar.

E hoje o dia amanheceu me dando mais uma oportunidade de procurar minhas próprias respostas, assim como aquela estrela que brilha convidando você a renascer todas as noites no céu da sua janela. Aceite comigo o convite: do que você gosta? O que você quer para sua vida? O que você espera de si mesma? O que você espera do mundo?

Ghandi, aquele grande cara indiano, que ''sobreviveu'' à ''evolução'' nos deixou o mais belo dos conselhos: ''seja você a mudança que quer ver do mundo''. Não seja mesmo, portanto, mais um robô - não aceite viver a ganância, o egoísmo, o orgulho, o desamor da sociedade, o individualismo, que tanto nos ferem e incomodam.

Montemos um exército dos que admiram os grandes valores das primeiras civilizações, e distribuamos abraços, sorrisos, palavras justas e, sobretudo, AMOR , se é tudo o que temos a dar. O mundo pode ser mau e agressivo, quando nos trancamos na desistência, mas se nos dermos as mãos movidos pela esperança, a grande REVOLUÇÃO quem faremos somos nós.

Um grande e apertado abraço. Amo você, porque você agora já faz parte de mim e eu tenho aprendido a me amar. Fica então a última dica: ame-se. Obrigada por se compartilhar, se construir e se recrutar comigo.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

GOSTO QUANDO TE FALAS


Gosto quando te falas porque te fazes presente
e te mostras de perto, meu ouvido te toca.
Parece que os olhos tivessem de mim te alcançado
E que um grito finalmente te abrira a boca.

Como tudo parece cheio da tua alma,
desafogo-me do teu mundo, cheia de ti,
saio-me do casulo, bato asas, viro-me realidade, voando livre
e libertamos nossas almas, quem sabe, para serena alegria.

Gosto quando te falas e estás aqui perto
como que nos cuidando em palavras, despindo as carcaças nossas.
E te ouço bem perto, tua voz me acarinha, se sou como és,
deixa, então, que eu me fale, com os tantos gritos teus.

Deixa também que me cale com teus sussurros e silêncios cortantes
claros como estrelas, simples como jardins.
És como a metrópole barulhenta, movimentada, embora coberta
[em fumaça cinzenta.
Teu grito quer alcançar o céu, tua alma quer a lua e teu silêncio
[quer berrar.

Gosto de ti quando falas porque te fazes presente,
próximo e caloroso, como se renascesses.
Uma palavra, um abraço, um grito, uma risada bastariam.
E eu estaria alegre, alegre de que fôssemos assim tão livres.

(post dedicado aos meus amigos do Caps.)


Falem-se, falem-se, ou vocês me deixam loooooouuuuuca!!!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

LÓTUS

"Epigrama do Pássaro

Precisamos deixar algo para a posteridade,
disse o poeta , contemplando o gari
que recolhia o lixo da cidade.
E o pássaro que não deixa nenhum canto
após a morte
e se limita a ser vida no ar perene
que habita o instante
em silêncio pousou no ramo de uma árvore."
Lêdo Ivo

E o poeta registrou a despretensão simples do pássaro para a posteridade presente - "Uma alegria para sempre", já dizia Mário Quintana:

"As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides... Que importa se –
depois de tudo – tenha "ela" partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura...
A thing of beauty is a joy for ever
disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer."




(grata à Guilherme Bessa, Bubble Queen e Sheila pelas dicas que me inspiraram o post, dedicado à minha Tia Lililda.)


Faça florir em você a dor de ver partir a quem se ama, porque muitos outros o amam, muito antes sequer que você parta. Eu amo você.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

FELIZ ANIVERSÁRIO!

(post dedicado à aniversariante patense de hoje.)

Pessoal, este post será provavelmente o mais informal do blog, até hoje. Tive uma idéia, para tentar voltar a escrever, e tocar minha vida com um projeto como escritora, em interação com vocês. O pedido da aniversariante no post anterior veio a calhar, porque me encorajou a compartilhar com vocês alguns dos meus planos, e eu quero que vocês opinem, pra que nós já comecemos a colocá-los logo em prática.

É o seguinte: vocês já devem ter observado que algumas vezes eu posto aqui trechos liricados de cartas que envio / e não a destinatários anônimos / e não. A idéia é que vocês escrevam a mim e-mails, ao invés de cartas, porque aí a coisa funciona de maneira mais rápida, ainda mais para mim, que sou extremamente ansiosa. 

Você escreve a mim o que quiser - sobre você, sua história, seus sentimentos, sobre a vida, sobre o que estiver pensando, sobre suas identificações com o que lê aqui. Eu respondo, falando a respeito de nós, do que a leitura do seu e-mail me causou, também por e-mail, mas publico apenas os trechos que fluirem liricados, sem expor você (a não ser que você queira). Você assina se quiser, ou usa um pseudônimo, e deixa lá uma nota dizendo se quer ou não que exponha algo seu.

Se funcionar, vou colocar aqui o número da minha conta corrente e quem quiser colabora comigo, depositando quanto e quando puder. Além disso, também quero postar, de vez em quando, uns vídeos cantando algumas músicas de que gosto. Vocês devem ter reparado que sou bem amadora, mas gosto demais de cantar e de tocar violão. Então, ao longo do tempo, vocês vão percebendo o estilo que combina mais com a minha voz, e podem pedir músicas, se eu conseguir cantar e tocar, posto aqui também.

Se alguém tiver mais idéias para ajudar a fazer esta crescer ou se lapidar, pode postar, são todas bem-vindas. E se alguém já tiver algo a me escrever, mande e-mail para gabimariab@gmail.com , e o próximo post já vai ser um trecho liricado de um e-mail-resposta.

Um abraço apertado, em especial, à anônima aniversariante. Muita alegria, paz, amor e sucesso à sua vida. E boas festas a todos vocês, desde já.

Gabi.

sábado, 4 de dezembro de 2010

SOCORRO

desaprendi
a viver
a escrever
o post é de vocês
o blog sempre foi
me ajudem
continuem por mim

domingo, 28 de novembro de 2010

SADO-MASOQUISMO

- Moço, quanto custa uma carteira daquele cigarro sabor mágoa culpa canela fumaça fedida pele manchada voz encardida dois orgasmos lábio trincado e pulmão moído, por favor?



(O Rafa, meu amigo, e eu, tentamos juntos, trabalhar na edição do vídeo, mas não conseguimos tirar essa tarja verde. Vai de bônus, então, com o cigarro, também rs.)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A QUE(M) LHE SIRVA

A mágoa é, dos sentimentos, quem sabe, o mais secreto, profundo, solitário e genuíno, por ser, também, de maneira quase inaceitável, talvez o mais ambivalente - a coisa mais difícil no mundo é admitir que aquele(a) a que(m) mais se odeia é também a que(m) mais se ama. E que a recíproca é, sim, sempre suscetível e intensamente verdadeira.


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

DESFIBRILADOR

(a meu pedido, depois de algumas horas de desabafo)

Dez oito

Diferentemente do silêncio costumeiro, esse silencio blasé, inexpressivo, morto e mórbido, seu silêncio grita, constrange, é um silêncio, pra se dizer pouco, mal educado. Grite agora, outra vez, porque nessas horas as palavras faltam porque a gente só faz sentir e não faria sentido algum discorrer lividamente sobre algo tão não trivial, mesmo quando todos esperam pacientemente por isso.

Você se faz assim e eu aceito, sei muito pouco bem quem você é, mas você é deveras fascinante. Diz mais do que uma vez, sem falar tanto, que não jogar as pérolas aos porcos é pura convenção que a gente se entende muito bem enquanto dança e canta e faz poesia. Queria sinceramente que isso fosse tão poético quanto se possa ser, mas devo assumir que isso se trata de uma verdadeira verborréia. Nunca antes escrevi tão rápido, as palavras não deslizam, mas escorregam e se enlameiam por onde querem, sem eu saber muito bem o que dizer, como dizer e quando dizer.

Essas notas das quase onze sabiam muito bem entender o que se passou por aqueles instantes de segundos que na verdade eram mais do que horas. A revolta mais linda que se possa fazer, descobrir se sou sim vida, enquanto tento ser morte e que só adoeço a partir do ponto em que ser tão imiscuída assim em tudo que possa ser tudo junto e misturado, não diz respeito a esse ensaio sobre a loucura/lucidez que vivemos aqui e agora, em um contraste mais do que óbvio com a suposta falta de convenções que existe nesse outro lugar que não nos “diria” respeito.

Tudo se encaixa, só não faz-se melhor porque enquanto você dança e poetiza isso tudo, os outros olham torto e dizem apenas que não se faz verdade ali. Verdade se faz em qualquer lugar e em lugar nenhum, e a verdade de cada um não deveria aterrorizar e amedrontar tanto assim esse mundo que não é individual. Mas mesmo assim xingam e destratam, porque é mais fácil fazer assim do que se deixar ser quem é, e perceber que quem berra ali do lado é tão você quanto eu, quanto ela ou quanto você mesmo. Não deixe de desentender só porque o mais seguro é se fazer passar despercebido, e não se permita entender somente porque as equações mais lógicas talvez se aplicariam a alguém que não é assim tão exato.

Me abraça agora, me adula, porque enquanto eu simplesmente giro por todos os lados, rebato nas paredes e não pertenço a lugar nenhum, essa contenção suave me enaltece. Enquanto eu sou de todos e de ninguém, ser somente de alguém por alguns instantes que seja, de forma não aprisionadora me faz bem, me faz sorrir, até gargalhar, me faz perceber que eu sou sim vida e intenção. Por que enquanto eu choro esses baldes de lágrimas por fora, você só faz se inundar por dentro? Por que enquanto eu berro até a voz silenciar, sua voz interna é que se silencia depois de tanta batalha ignorada?

Se você falasse comigo por um instante que fosse, e olhasse nos meus olhos como se pode e deve olhar nos olhos de outra pessoa veria que eu sou todo mundo e sou ninguém, você não percebe? Eu tento ser alguém o tempo todo, como eu mesma sei que você faz, mas sendo ninguém eu sei muito bem quem não sou.

Se ao menos alguém souber que esse cuidar de nada vale. Não quero scripts, não quero destino nem texto nenhum pra me fazer quem eu precisaria ser. Mas será que alguém vai me escutar de verdade, vai ouvir e absorver tudo isso, se eu não fingir, nem que seja por um pouquinho de tempo, que a “lucidez” me guia e me instrui?

As palavras faltam justamente quando se pode sentir e viver, mas não conter e abarcar tudo que acontece agora, ontem ou amanhã, seja sempre ou seja nunca. As palavras sobram quando a gente não PRECISA realmente delas, entende? Quando o que acontece e se passa não é suficiente pra marcar de vez, de forma derradeira. Por isso que por mais que as palavras se embolem e se atropelem nesse instante, eu sei que depois desse segundo, elas vão faltar de forma irremediável, porque falar sobre você, esses vocês que habitam essas linhas e me habitam, seja por identificação e empatia profunda, seja por algo que beira o desprezo, é simplesmente sofrido e intenso demais.


Carolina Rodrigues Martins

Obrigada Carol, em satisfeita contenção, obrigada.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Este blog silenciou.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

DOUTOR

Quero dizer que eu estava mais certa do que o senhor no dia em que eu disse que o meu problema não era com estabilidade de humor, mas sim com ansiedade. A ansiedade, sim, é que traz sérios problemas à minha vida prática, porque não consigo, por exemplo, pensar em uma só das obrigações que eu tenho a realizar, então penso em todas, e é como olhar para o meu quarto extremamente desorganizado, e em vez de começar a organizá-lo, fecho a porta e durmo no sofá. Com as minhas obrigações, a mesma coisa, eu me desespero ao vislumbrar todas elas e, para pensar noutra coisa, fico lendo, vendo e ouvindo coisas supostamente inúteis na internet e, quando me canso, vou procurar companhia no meu quarto bagunçado, depois, compulsivamente, na geladeira, e assim sucessivamente, ganhando merecidos rótulos de eternamente desleixada e preguiçosa. Só que a minha relação com a geladeira tem ido longe demais e eu já engordei uns dez quilos no último ano e, foi por isto, exatamente por isto, que eu lhe procurei. Mas não sem antes, claro, por uma questão de contextualização, contar como foi a minha vida turbulenta e, vezes, quase psicótica, no último ano, em que o senhor não teve contato comigo.

E o senhor vem me falar do meu caos afetivo: pois eu vou lhe dizer agora o sentido do meu caos afetivo - eu preciso desesperadamente do meu caos afetivo. Preciso dele para não ter que olhar as verdades de mim mesma o tempo todo - quero e preciso urgente e frequentemente das dúvidas que ele me gera, as mais cruéis, as mais inescapáveis, as mais insolúveis possíveis, justo para não ter que chegar à conclusão da qual ainda não consegui satisfatoriamente sair: de que viver, embora tenha lá suas alegrias, é algo tão deslumbrantemente estúpido, é a única oportunidade de conhecer tudo o que se há para conhecer na vida e, mesmo assim, diante da eternidade e da nossa própria finitude, é nada.

Então eu conheço, me esforço, vou com tudo, cheiro as flores, amo homens, mulheres, danço sob os céus mais estrelados e as chuvas mais ácidas, devoro as comidas mais deliciosas, saboreio os drinques mais doces, mergulho nos porres mais violentos. Tudo, tudo pelo meu amado, idolatrado, mas sobretudo, necessário, caos afetivo. Porque chega o momento em que eu me canso desses consumo, intensidade e correria todos, - mas sem o remédio que o senhor receitou, esse momento dura dois ou três dias, já com ele, eu me canso definitivamente, eu passo a odiar esse tal de caos afetivo, volto ao buraco de que hedonismo nenhum vai me tirar nem me fazer esquecer de que viver como a gente aprendeu, com estes valores sacro-cristãos-médicos-positivistas todos, é pura vaidade, prepotência, arrogância, o mesmo buraco que me ensinou que o bonito mesmo é sobreviver, quase como um bicho, mas com a diferença (e não necessariamente vantagem) de termos capacidade de amar, de criar presente e posteridade - ou vai me dizer que você dá o mesmo valor que a si mesmo à formiga que você acabou de pisar ao me receber na porta do seu consultório? Vamos fazer-lhe, pois, um funeral digno - e eu passo a não odiar você.

Até agora eu lhe falei de paciente a médico. Vamos lá, então, falar de igual a igual: o senhor sabe a função dessa tal psicologia e da tal psiquiatria também, não é?! Hipocrisias à parte, exaustões em voga, eu vou dizer: a função é única e exclusivamente manter a ordem do sistema. A não ser pelo cara que, quando pira, começa a agredir fisicamente todo mundo, nenhum desses outros (pensando bem, inclusive os agressivos), considerados "loucos, maníacos, depressivos, dda's, esquizofrênicos", etc, nenhum deles precisaria mais do que de amigos e família, de pessoas que soubessem conversar, ouvir, falar e construir qualquer coisa juntos, olhar pro sofrimento abissal de cada um deles sem querer enquadrá-los numa anormalidade qualquer, porque "Meu Deus! Vai que eles me convencem de que eles é quem estão certos! Vai que esse sofrimento todo é o sofrimento de quem está enxergando algum tipo de "verdade filosófica" que meus olhos não suportariam ver"... Taca pedra na Geni, no Saramago... Amarre na camisa de força, no medicamento, no hospital psiquiátrico, na análise... amarre logo, antes que alguém acredite ou resolva dar e eles mínimo de crédito...

Anteontem, eu acho, um grande amigo e eu concordamos que a boa psicologia é a que trabalha a favor do desaparecimento dela mesma, e o mesmo a respeito da medicina psiquiátrica. Sabe qual a lógica? É mais simples do que a gente pode imaginar: o sistema cria o problema para vender a solução, enquanto mercantiliza a manutenção dele. Exemplos: o sistema cria o crime, pra vender cadeia e empregos; cria guerra, pra vender arma e patriotismo chauvinista; cria patriotismo chauvinista, pra vender poder; cria poder, pra vender alienação; e, sucessivamente, cria miséria, para vender heróis... é isso que me faz sofrer, doutor, não lhe faz, não? Diga a verdade! Ou você vai me enfiar um par de compostos químicos pra resolver o sofrimento que estas nossas vidas miseráveis me causam?

Passa logo a porra da receita contra ansiedade, por favor, porque eu não agüento mais comer e  engordar como uma porca e, de todas as ditaduras à que eu tenho que me submeter pelo resto da vida, eu escolho, sincera e conscientemente, a da magreza.

Desde já, grata.


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

ENCONTRO

Eis que, quando
nada mais nos
houver a esconder,
brotará, finalmente,
preci(o)so
e genuíno
silêncio.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

X

o grande
problema do mundo
erro divino de cálculo
efeito borboleta
dilema existencial
é o fato de ninguém
ser, além de você,
você.

e isso,
contra tudo o que
bravamente eu quis
que não fosse,
contra todas
as minhas buscas
e tentativas e réplicas,
deve mesmo ser
amor.

domingo, 17 de outubro de 2010

QUEM

(das cartas não entregues.)

Estou sempre prestes a cair de cima do muro. Temo que o texto de hoje não seja agradável, porque provavelmente vai transcrever minha dureza, meu cinismo, minha indiferença e, por isso mesmo, minha profunda tristeza.

Tenho empurrado a vida com a barriga, com uma exaustão ancestral. Mas não de qualquer jeito, tenho feito as coisas da melhor maneira possível, para tentar acreditar que valem a pena. É como comprar uma roupa cara, mesmo nem achando tão bonita, você veste, olha a marca cem vezes no espelho e talvez um dia acredite que gostou da roupa, que teve um bom motivo pra pagar tão caro por ela. Talvez você até encontre motivos - logo eu, que sempre me lixei para marcas.

Não escrevo sob nenhum pôr do sol, nem sentada num chão gramado, respirando qualquer ar fresco. E não  escrevo, como habitualmente, da introspecção do meu quarto. Escrevo da faculdade, sobre uma mesa coletiva, fria, de granito, horário de almoço, ninguém por aqui. Nem eu.

Temo confessar algumas coisas a mim mesma... não faz sentido, nada faz. Nem hedonismo, nem pessoas, nem biografia já escrita, nem pretensões de continuar escrevendo qualquer coisa. Então, por que continuo viva? Eu não sei. Não sei se minha família continua sendo um bom motivo. Pessoas, cada dia mais distantes de mim, e eu, cada dia mais chata, insatisfeita, rabugenta. Cada dia mais escondida, mascarada, enterrada em cotidiano e normalidade.

Não sei por onde, nem como, mas pessoas ainda me parecem o motivo, quase que orgulhoso: morrer seria dar o atestado de fracasso a todos que me feriram,  inclusive com excesso de cuidado, pra que eu não me sentisse ferida. Tanta gente certa, me tratou como a casca de ovo que eu sou/era, tão ofensivo quanto ser qualquer coisa possa soar.

Fraca. Sempre prestes a desmoronar, dissimulando casca grossa. Orgulho, vaidade, são bons motivos pra se viver. E, assim, continuo cumprindo as minhas obrigações, de estudar, produzir, trabalhar, me divertir. E vou escrevendo mentiras sinceras para agüentar. As pessoas começam a chegar... coloco minhas máscaras de volta. A olhos alheios, sou melhor assim.

(...)

Foi isto o que a Psicanálise fez de mim: soterrada na experiência do menos. Casca grossa? Mentira cem vezes dita vira verdade, é esse o ditado? Estou seca. As pessoas passam por mim, eu converso, sorrio e tudo está desesperadamente suportável. Como disse a Clarice, não estou gostando nada deste pacto com a madiocridade de viver. Maturidade e sobriedade, ou realismo? Talvez seja isso mesmo que o mundo espere da nossa maturidade e sobriedade: um pacto cego com a mediocridade de viver.

Mas não sei se é isso o que eu quero e espero de mim. Sinto que fui tão consertada por consertadores indigestos por meus defeitos...e compactuei, sim, pois eu precisei co-existir - existir, simplesmente, foi sempre pouco demais, mais sem sentido do que me submeter ao que quer que seja. E mais uma vez eu topei novo conserto, novos remédios, novos conselhos e, quem sabe até, uma nova terapia. I've been raising up my hands, drive another nail in - just what God needs, one more victim.

Afinal, foi essa resignação que me tirou do chão para cima do muro, mesmo que sempre prestes a cair, não foi? E eu, que havia pensado e escrito que em cima do muro é que é lugar solitário... doce defesa à minha integridade de melancolia. Aqui, em cima do muro, tem gente, sim, e é, vezes, até divertido. Só não é muito eu, mas...

Tenho esperanças de que um dia eu ainda olhe neste espelho e encontre os motivos pelos quais tenho pagado tão caro por esta roupa. Por enquanto, eu a desfilo a você e ao mundo, porque o que tem me alimentado, (ainda que) bulimicamente, são os aplausos. Vomitar tudo isto é o que ainda restou de genuíno em mim.

Quisera eu, depois de tudo, ter conservado certa pureza ébria, pelo menos até os trinta.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

TRY

What you give is what you deserve.
Thank if you have it, but don't accept less.
And, if more you get, worth it.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

COM LICENÇA

AGORA É A MINHA VEZ DE DESABAFAR SOBRE POLÍTICA:

Não pretendo aqui defender qualquer partido ou candidato em detrimento de outro, pelo contrário, que fique bem claro, porque nenhum deles é/foi pior que qualquer outro que o tenha antecedido ou com quem concorra. E o que mais tenho visto e ouvido são exageros reacionários ou revolucionários.

O que me entristece é que não houve sequer UM candidato à presidência com projetos de investimento em educação (desde a básica). Ou seja, não adianta falar mal de um pra tentar eleger outro, porque no final das contas TODOS eles vão continuar com governos assistencialistas, já que político nenhum tem interesse em educar uma população que, alienada, acha que o governo é que é o único responsável pelas mazelas sociais. Culpar um governante ou governo pela miséria do povo é legitimar o poder e dar espaço para virem mil outros fingindo que fizeram alguma coisa, para continuarem, enormemente apoiados, chafurdando com os “governados” na lama. Estou de saco cheio de politicagem e precisava desabafar, me desculpem.

É tão fácil reunir uma galera apaixonada, entusiasmada, tesuda, se as causas são Deus, comunidade no orkut, família colorida, jogo no facebook, tag engraçadinha no twitter... por que é tão difícil quando o assunto é política? O que o Brasil precisa, penso eu, é parar de se vitimizar e acordar para a vida, parar de legitimar os líderes e começar a legitimar o povo em sua insatisfação. MAS, ATENÇÃO, VOTOS NULOS NÃO ANULAM ELEIÇÃO (vide http://www.leopacheco.com.br/blog/?p=326), ou seja, ninguém está interessado mesmo no fato de você achar que não há um bom candidato. O meu convite aqui é: vamos pensar juntos, conversar, fazer a nossa parte, a educação começa entre nós... alguém conhece um jeito? Alguém tem uma idéia? Uma informação relevante? Alguém aí disposto a pensar e agir coletivamente?

Mas se você continua se limitando a falar mal de um para eleger outro, indo lá na urna, na hora da eleição e elegendo o político menos ruim, seja porque acha que não tem mais jeito, seja porque, ingenuamente, acredita que um cara só ou um partido só vai consertar as coisas, eu sinto muito, mas nós temos, sim, os representantes que merecemos.


“Afirmo que o sonho capitalista burguês de felicidade deve ser combatido de forma constante e efetiva, seja no plano político ou no plano psicológico, porque a sua ideologia nasce de pessoas incapacitadas para qualquer tipo de opção livre e que já se submeteram, voluntária ou involuntariamente, a uma vida de incompetência e de impotência orgástica vital. Assim, a esperança de vir um dia a ser feliz transforma-se, para eles, numa espécie de droga que os torna dependentes. Essa dependência, pelo menos, os mantém aparentemente vivos, embora sem tesão algum e anorgásticos, quer dizer, mortos, mas ainda insepultos. Por essas razões admito que foi incompleta a frase famosa de Marx, quando disse ser a religião o ópio do povo, pois me parece que também o são o amor e o poder político, inclusive o marxista que promete o paraíso comunista aos soviéticos há quase um século.

Esses fatos podem nos levar à afirmação de que na sociedade burguesa os mortos comandam os vivos, num processo de desvivência progressiva, contra o qual, nós, os que optamos pela ideologia do tesão, temos de nos insurgir de forma radical e violenta. Eu, por exemplo, estou berrando que morro, mas não desvivo!”

Roberto Freire, em “SEM TESÃO NÃO HÁ SOLUÇÃO”.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

MEU AMIGO ISTO

O caso é grave, meu amigo. É por isso que tenho escrito, ainda que muito em falta, a você, que sequer existe - porque não acho que alguém por aqui mereça. Não há lírica que eu queira fazer a qualquer destinatário em especial, já que tampouco há sentimento em mim que eu não consiga demonstrar contidianamente, num abraço, numa presença, numa conversa. É bem isto: nenhum sentimento tem transbordado de mim, além deste excesso de falta.

O descontentamento, agora, vem de outro lugar... quero dizer, o que antes era, em mim, um cãozinho cego perdido na selva, sem onde nem como, é hoje, ainda solitário, um passarinho cansado, buscando par e lugar de pouso, uma onça atenta e faminta desejando companhia e sossego - seja lá qual metáfora você prefira.

É tanta busca e tanto cinismo, que mal consigo escrever. As palavras me saem rompidas. Pesadas. Pausadas. Partidas. E não há o que fazer, senão esperar. Até o pensamento está fraturado, percebe? E eu, que tentaria discorrer sobre as metáforas, páro, sem mais. A esmo. Sem lágrima. Sem frio. Sem chuva. Sem tempero. Sem estrelas. Entre terra e céu, isto e eu.

Eu, que hoje, entre mentiras obtusas e dúvidas vãs, já ouso saber quem estou, o que quero, de onde vim. E de que adianta, me diga? Aceitei o encontro: a psicologia passou por aqui e me abriu todos os zíperes diante do espelho, me trouxe mil vezes a mim e me ensinou a sair... a vida encheu minha mochila de cacos, vozes, abraços, arte, ciência e cola.

Vi a barbárie de mim mesma e a barbárie do mundo, acreditei e desacreditei mais mil vezes... conheci não-eu e eu, em molduras e vísceras... e, para quê? Só para descobrir que há quando, onde, como... há porquê, meu amigo, mas aqui não há quem. Não há você e não há eu. Só há isto que sempre vai faltar: a resposta definitiva, o quê entre a vida e a morte, entre o humano e o instinto, entre o amor e o sexo, entre o sentir e o pensar, entre o corpo e alma... há, gravemente, isto, entre qualquer deus, você e eu.

É isto que, por hoje, não termina o texto. É onde ninguém chegou.


Trecho do documentário "Estamira": recomendo.



‎"Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas. Consegui não descobrir." (Manoel de Barros)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

LEGENDA

força na carne e no que ela é capaz de dar comida sexo musica arte corpo tudo sente caótico nada despercebe a terna certeza de destino morte descanso corpo e tudo nele e para além dele começa a toda hora e lugar de qualquer jeito por onde passa cabeça coração espírito é no corpo que termina moldura é na carne que a alma se encontra cola

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

CAL(EJ)ADO

Então eu calo tudo isto até que possa ser dito ou cantado. Calo até que suporte ser abraçado ou ferido. Calo por enquanto, enquanto calar (não) disser. Ou calo até que seja esquecido.

Porque toda a minha vida, até hoje, renderia alguns bons filmes, e nós seríamos justo o da sobrevivência, de longe o mais denso, íntegro, forte e – embora a olhos rasos não pareça – o mais racional. Talvez Woody Allen se atrevesse a fazer-nos parecer menos brutos, menos intensos, menos indecentes, menos confessionais.

Porque eu não me atrevo. Seja lá o que signifique amar, amei – todos os seus e os meus amores, em você, devorando-nos. E amo, com toda a fragilidade de que isso me veste; com a orgulhosa e feliz consciência de que somos e queremos sempre e muito mais do que somas de partes. E eu quero esta inteireza nossa, sem sugar, possuir ou domar.

Porque amo sua liberdade incerta, hesitante, angustiada, tímida, como amo a minha própria. Amo tudo o que você é, sem que precise ser tudo. Não precisa nada. Não precisa ser pra sempre, não precisa ser pra hoje. Que, mesmo em silêncio verborrágico, simplesmente seja o que puder ser.

Porque é. Na linha tênue entre a (in)sanidade suada e a inocência perdida. Novo, mágico, imprevisível e/ou visceral, é como pode. Sempre tão intangivelmente pornográfico, mesmo quando a realidade quer nos despir, tocar, prever, envelhecer, arrasar, desiludir.

Porque, não por necessidade ou promessa, mas por gentileza conquistada, é que tenho escolhido ficar por perto, para lhe oferecer e entregar água, roupa, comida e verdade, se e quando você indicar. Até que a inconveniência nos separe.


terça-feira, 14 de setembro de 2010

ASAS

 (das cartas nunca entregues.)

No limite do paradoxo, é onde eu estou. A vida é mesmo bulímica, não é, querido?! Como é possível não devorar a existência com deslumbramento? E como é possível, depois de pensá-lo, não se culpar por fazê-lo? Eu não tenho a mínima idéia de como é possível ser eu. E não tenho idéia de como é possível não me ser.

Confesso que minha existência é vaidosa - cheia de ornamentos e maquiagens e saltos altos, sabe?! Então há dias em que o pacto com a mediocridade de viver é... menos dolorido, talvez, embora não menos desconcertante. Escrever é pura vaidade, menino, você já deve ter percebido. Mesmo quando tudo parece trágico e incômodo demais (e não que não seja), escrever é viver sob minha própria direção de arte; é um jeito bonito de suportar a idéia de que viver é também pura vaidade.

Já reparou como existir é impagável? É tão deslumbrante que tenho vontade de frear a caneta e nem escrever sobre isto, para não macular, porque escrever também fere a beleza do minimalismo. Há coisas que é melhor não tentar representar... mas olhe as borboletinhas desenhadas na página do caderno... tão lindas e eu nem gosto de borboletas, eu as imagino na minha pele e sinto arrepios - nada ameaçador, eu acho, mas arrepios. Os mesmos que sinto a respeito de viver.

Eu nunca havia dito isto a você, então leia com cuidado: eu me arrepio o dia todo, por existir, de um jeito que beira a exaustão. Até quando sinto sono, eu me arrepio. Às vezes penso que eu não deveria dormir, porque é tanta vida aí, que dormir soa herege. E, mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, eu não aguente e durma tanto. Então acho que dormir é um jeito de preencher os buracos da alma... este vazio que fica entre existir e existir. Dormir é viver os buracos, e viver os buracos é um jeito de preenchê-los, você não acha? O mal de dormir é acordar. E, se não acordássemos, não teríamos por que dormir. E, se dormir faz parte de viver, é inescapável que também deixe buracos.

Percebe o terror e a paz que reinam aqui? É assim que tem sido, amor... dá vontade de chorar. Até escrever é tão existir, e tão maculador, que dá vontade de chorar. Penso que ser humano é estar aberto à possibilidade de fazer metalinguagem existencial.  E esta beleza dói tanto, não é?! 

No limite do paradoxo, é onde eu (não) sou. Você também se arrepia?



"Make the butterflies go away
Somewhere I can see 'em
Somewhere I can see 'em

Make the butterflies go away
In imagination

If they're supposed to be inside
And I'm supposed to feel this way
Make me a butterfly"
(Lisa Germano)

domingo, 5 de setembro de 2010

BIG BANG

Porque não adiantaria dizer que estou cansada de tentar banalizar esses cheiros e texturas todas.  Cansada demais de fingir que posso alcançar qualquer não-sentido pro excesso de informação disponível o tempo todo nos corpos e intenções alheias. Eu não consigo. Nada disso me é banal, nem uma pontinha de dedo ou fio de cabelo, ou cheiro escuro e úmido de taverna e álcool, ou gosto ordinário, duro e frágil de macarrão quase al dente e arroz quase cozido. E aquele chão seco, todo quebrado, que me dói as costelas, e as mãos grandes do meu avô, que me faziam acreditar que, se eu coubesse dentro delas, seria o lugar mais seguro do mundo. As cinzas ainda em brasa daqueles papéis queimados mais cedo, enfeitando de laranja o breu. E o silêncio. A saudade, a vontade de que eu não precisasse diluir tanto ele por todos os meus sentidos e lembranças. Vontade de que ele tivesse dito sim e aceitado bem o fato de sozinho conseguir me fazer sentir o que eu preciso buscar sempre com tanta avidez no mundo todo ao mesmo tempo. O universo inteiro no seu cheiro, no seu gosto, na sua textura, nas proporções do seu corpo, do sorriso, no som da voz. O universo inteiro materializado numa pessoa só, como é que pode? Alguém sem olhos, eu que preciso tanto de olhos e que tanto temo olhos, não vejo os dele. Alma sem janelas, que eu queria tanto abrir. Eu é que devo ser a própria janela, porque aqui nem tem muita alma implícita, é tudo em mim óbvio demais. De implícito, tem mais é um vão, este buraco negro de fechadura pra olhar através e descobrir que  aqui tem muito é você. Então não olhe pela janela se não quiser se encontrar do outro lado. Pois através não é eu, repare de novo. Eu mesma sou invisível, mas você pode sentir pelo cheiro e pela textura e pelo meu gosto, só não se engane pelo que ouvir - minha voz, embora pareça clara e sincera, só diz mesmo é quando cala. Só peço cuidado: pra sentir quem eu sou, se aproxime devagar, com calma, de leve, faz parte do processo me sentir sentindo  você me sentindo... este atravessamento mútuo e de repente o universo também sou eu, e você mais janela do que nunca sonhou ser. Qualquer troca momentânea de sentidos, de éter, e ... BUM! É assim que um universo novo deve ter surgido: do encontro corajoso e sensível entre dois outros completamente paralelos; do beijo indizível entre janelas, para aquém e além de seus através. Pois que venham, outras velhas, as mesmas novas explosões.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

TÃO MEUS QUE ESPERO

Fazendo companhia à ressaca da Suellen.

Às vezes eu tenho vontade é de o contrário, colocar tudo em palavra, pra minha vida ser menos esbórnia, só que não cabe tudo em palavra e vida esborniada às vezes cansa. Então eu fico offline também, mas por não suportar minha própria carência, torcendo pra alguém mexer comigo mesmo assim, que eu não vou pensar duas vezes antes de responder. É minha carência se nutrindo da carência alheia compulsivamente e na hora de vomitar é tudo sozinha, porque como diz também o Caio, não tem nenhum dedo diposto a entrar na sua garganta, e escrever é isso. Talvez o mundo não mereça mesmo, mas sozinha nem eu.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

DA FALTA QUE QUASE FAZ

Eu não poderia imaginar que, depois de anos, estaria aqui de novo, me tocando ao pensar em você, imaginando o amor que nunca fizemos. Depois de o diabo ter amassado aquele pão na minha garganta, me engasgado, asfixiado e me feito regurgitar da maneira mais violenta a que eu nunca na vida me disporia, cada segundo que passei ao seu lado. Eu me dispus. E hoje, finalmente eu quis e consegui olhar de novo pra você aqui dentro, que me doeu com o mesmo encantamento daqueles meses e com esta nostalgia de nunca mais.

E agora vejo você aqui, devorando em meu corpo toda esta vida que não tive pra oferecer, de tanta morte que eu era. Posso sentir seu abraço com o peso do lamento de sermos, assim, só fruto da minha imaginação. Você entrando e saindo de mim devagar pela primeira e última vez na vida, só pra me-ter sendo agora tudo o que queríamos juntos ter sido. E nenhum de nós dois se atreveria a gozar, a terminar de vez com tudo isso, como se o fim fosse um grande prazer.

Sozinha, sim, eu encharco os meus dedos, embora esse limbo de fantasia vá nos pertencer pra sempre, denso, em câmera quase lenta, esperando o choro e o orgasmo que jamais vêm. Você e eu, juntos, condenados ao gozo-de-quase-fomos. Gozo-de-quase-fomes.

sábado, 28 de agosto de 2010

ONTOLÓGICA

Hoje eu preferiria papel e caneta - papéis se despedaçam e canetas perdem-se e falham. Mas o scanner também falhou, então peço licença ao teclado do computador. Porque a avidez dos meus dedos apagou dele a transcrição das letras e comecei, então, a me perguntar se elas se ofenderam por serem tratadas com tanta imprescindível previsibilidade.

A partir de agora conto com a possibilidade de elas trocarem de lugar ou saírem para dançar. Assim, enquanto escrevo, cada caractere me presenteia com a grata surpresa de continuar aqui. Por mais competência assídua que ele transpareça, você também não acha ofensivo para com o sol esperar (e viver com a condição de) que ele nasça amanhã?

Tudo isto é só um jeito de nos convidar e me propor a fazer diferente: libertemo-nos, através de qualquer tipo de não-fé, da suposta constância e lealdade das coisas. Libertemos as próprias coisas de nós, para que possam(os) ser tudo o que se pode ser. Pois somos nós também caneta e papel, a qualquer momento rasgados, perdidos e/ou falhos e isso, sim, tanto quanto qualquer resignação e disponibilidade, merece todo o respeito.


"O homem encontra-se, ontologicamente, aberto à compreensão originária a respeito do mundo e do existente. Esta é uma condição que permite diferentes possibilidades de realização de si para o ser humano, mas também é sua tragédia." (Gilberto Safra)

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

TEM DIAS QUE

(das entregas à T.T.)

Uberlândia, 14 de agosto de 2010.

(...) É claro que há outras maneiras de receber do outro, mas isso me remeteu à minha mania/hábito de incondicionalmente (ou quase isso) dar e dar e dar. Não sei, mas acho que ultimamente ando meio cansada, mais egoísta, mais ressentida com tantas faltas, possivelmente até mais vingativa. E isso nem me soa ruim. É como se, finalmente, eu tivesse aceito a guerra pela sobrevivência - matar para não morrer, quando for o caso.

Cansei de sofrer por o que talvez fosse pouco se eu não fizesse questão de ampliar tanto tudo o tempo todo. Tudo é tão pequeno - nossos erros, acertos, céus e abismos, embora sempre tão profundos, sempre tão rasos quanto tudo o que sou capaz de conceber. E a humildade me deu um de seus abraços e me disse "respira".

Estou indiferente ao mundo, à vida? Acho que não. Continuo aqui com meus medos, ansiedades, raivas. Mas parece que o amor, a alegria e a tristeza em mim estão menos exaltados, menos desesperados, menos preocupados. Talvez sejam estas as palavras que melhor cerceiem o que tenho vivido: a experiência do menos.

Eu me pergunto se isso diminui minha intensidade e se, noves fora zero, vale a pena, e a única resposta que me vem é a indiferença - realmente tanto faz. Algumas coisas são inescapáveis demais para eu aceitar me responsabilizar por elas. O controle é uma ilusão e tudo o que eu posso, sem ele, é viver. Pensei em dizer "ou morrer", mas seria mentira, pois todas as vezes em que eu quis morrer foi por achar, entre outras coisas, que havia um controle e eu não conseguia exercê-lo.

Também considerei como assunto encerrado a Psicanálise, mas há momentos em que percebo eu me desobedecer a respeito disso. E tudo bem também - o meio termo é o que consigo agora. Em cima do muro, nem lá nem cá, é um lugar que sempre me agradou muito, pois se a unanimidade for pra um lado, é do lado oposto que, de maneira hedonista, eu quero ficar. Sim, adoro ser do contra, até de mim mesma. Sorte a minha, eu acho, já que em água movimentada mosquito da dengue não bota ovo. Água invariavelmente solitária, pois. Mas solidão é um assunto sobre o qual, senão por estas últimas linhas, quero me abster hoje.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

SERENÍSSIMA

O que você lê é o que vivo, é o que carrego em mim todos os dias como quem carrega correntes. Tenho me percebido pesada pro seu mundo. E posso tantas coisas, tenho certa competência pra música, escrita, línguas, psicologia, mas não quero nada disto se o preço for solidão. Escrever sobre solidão, inclusive, já tem soado repetitivo, desinteressante, obsessivo. É isso. A solidão tem me ferido ultimamente pela sua prolixidade e insistente reincidência. Mesmo que não doesse, e talvez nem doa mais mesmo, eu estaria assim, cansada. Então desisto. Renuncio, sim, ao sado-masoquismo e ao pensar, se for esse o preço de você me fazer companhia. Cansada, sabe?! O que, de verdade, você quer? Diga, sem rodeios, e eu vou ser. E me responsabilizo, pode dizer. Paro de sonhar com parceria no dinheiro, no boteco, no silêncio, na arte, na mentira, na verdade, no céu e no inferno. De bom grado, viro coadjuvante da minha e da sua história e só acompanho você. Diga o caminho e eu vou. Só não vá embora assim, dando as costas, de saco cheio, porque a lente do espelho que eu sou refletiu dez vezes maior tudo o que de mais feio você acha que é. Nascer de novo, toda ao contrário ou só bonita, nesta mesma vida, creio que não consigo, mas deixe eu ficar do seu lado e posso abaixar o zoom, o volume e a luz, e até me virar de costas, se for o caso, quem sabe você me come e se esquece do que tanto, em nós, incomoda. Prometo manter os olhos fechados e gritar, gemer, gozar, sinceramente, a cada ponto G que você explore. Você não percebe, mas é isso que tenho feito, sozinha, por trás deste espelho que, aos seus sentidos, às vezes deixa meus orgasmos tão invisíveis e mudos. Então fique e nem este texto eu termino, não digo nada a ninguém, é tudo segredo só nosso, pois quem se interessaria? Estou realmente exausta e não quero o que quer que seja, nada disto me serve, se o preço for sem você.

domingo, 22 de agosto de 2010

C'EST LA VIE

(das cartas nunca entregues.) 

 Brasília, 18 de março de 2007.

(...) Por isso, várias vezes lhe provoquei raiva, desconcerto, decepção, de propósito. Eu gosto, tanto quanto você, de saber que se eu for uma cagona que vai tocar o foda-se pro mundo porque acho que ninguém se importa, alguém vai dizer que se importava e eu não sabia. Porque eu realmente não sabia. Tanto quanto você, testo a paciência, a tolerância e a expectativa das pessoas que me acham suficientemente boa. Não sou e não acho que eu mereça e não acho que eu consiga corresponder a quaisquer expectativas. Eu me decepciono o tempo todo e, às vezes, fazê-lo voluntariamente é só um jeito de fingir que dói menos, dizendo para mim mesma que eu só fui ruim porque quis.

Eu nos amei de verdade e talvez ainda ame. Mas respeito o seu medo da fragilidade, da expectativa, o seu medo de me decepcionar. Respeito porque convivo com meu espelho todo dia e ele vive me dizendo que tudo o que eu recebo é demais para mim. Eu não cresci aprendendo que merecesse algo por ser boa. Ser boa, na minha educação, nunca passou de obrigação. E uma hora eu também me cansei. Quero ser reconhecida, e não ignorada nem exaltada, quando eu for boa. Não sou boa porque gosto e nem porque é fácil. Ser boa dá um puta trabalho, que eu decidi só ter quando eu estiver afim. Ser assim, resignadamente boa, sob critérios sempre carentes e falhos, hoje, é o meu reconhecimento a quem eu considero bom pra mim.

Eu teria abraçado e vivido com você o que quer que fosse esse seu afeto represado. Dói de verdade ter arrancado isso de você decepcionando, ferindo, metendo sinceramente os pés pelas mãos. Eu queria ter conseguido, mas não consigo ser tão presunçosa antes de dizer adeus, antes de dar a guerra por vencida. Também tenho os meus limites, de raiva, medo, desconfiança. Também tenho as minhas cicatrizes e chega uma hora em que não dá mais pra fingir que elas não estão aqui. Esta guerra, finalmente, eu perdi para mim mesma.

Da quase sua, com o carinho e a verdade de sempre e com a entrega de raras vezes.


Vídeo: Vestido Estampado / Me Deixa em Paz (Ana Carolina)


"I don't want to lie. I can't tell the truth. So it's over."
(Do filme "Closer")

sábado, 21 de agosto de 2010

JÚLIA

Aqui uma homenagem que recebi desta já escritora cearense linda, de seis anos, a Júlia:


"Num reino distante vivia uma princesa muito linda chamada Gabriela. Ela morava num castelo grande e vermelho escuro, com muitas flores e sorvete de maracujá. A princesa Gabi tinha muitos sonhos e cantava como os pássaros. Ela vivia feliz. Ela dançava com seu príncipe no baile e seu sorriso encantava a todos.

Fim.
De: Júlia
Para: Gabi"



Júlia, muito obrigada, continue lendo e escrevendo muito sobre tudo o que te encanta, te inquieta ou aquieta. Foi assim que eu comecei e escrever tem sido hoje umas das coisas mais gratificantes da minha vida. Desejo que te faça tão bem quanto faz a mim. Muito obrigada pelo carinho, viu! Um beijão. Gabi.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

REDENÇÃO

O maior e mais aterrorizante dos demônios é o que enxerga todos os outros e a si mesmo. Este mesmo que forja, através da autoconfissão, o enfrentamento à guerra livre de ser. Pois que cegasse para sempre! Demônios não escolhem sucumbir em detrimento de assassinar Sócrates - o jeito é pejorar fazendo arte.

É por isso que recorro tanto e sempre a nós. Talvez possamos permitir que os nossos demônios se façam companhia e, quem sabe até, vez ou outra, nos esconder deles todos no silêncio escuro do nosso abraço, na calmaria dos nossos colos. Já que, ao menos entre singular e plural, eu pude escolher mentir.


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

PARTITURA

Seus dedos compondo em meu corpo silenciosas melodias. Então trago à pauta o que você tanto quis decifrar dos meus olhos: meu coração desejou que, para além das peles, aquelas sinfonias fossem todas nossas.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

RE-CURSO

Sou invenções extremas de mim, que se alternam para sobreviverem. Outra inventa uma certinha,  socialmente adaptada, conservadora, moralista, que beiraria a arrogância se não se sentisse invariavelmente tão só. Quer casa, marido, filhos. Esta,  talvez por achar a vida sempre tão simples e fácil, não tenha motivos para se doer e por isso mesmo para se suportar, porque... né?! Então uma inventa outra, esta que subverte,  despertence, toca-se, abre em si mil feridas e cutuca pelo prazer de ver-se sangrar, de sentir-se viva, humanamente estranha. Mergulha em contradições sinceras, absurdas, exaltadas, indizíveis, até tornar-se novamente intragável e, outra, reinventar uma, num ciclo que não tem mais início-meio-fim. Um ciclo que, por nem se ter, consegue (apenas, indiferente) ser. Mas agora não há aqui nenhuma delas. Talvez seja esta a liberdade: a possibilidade de ser nenhuma das que eu (não) seria. Hoje, sem pleonasmos, eu invento as invenções.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

CONCURSO



Pessoal, inscrevi o blog no concurso do BlogBooks, que pode transformá-lo em livro. Então, se você puder e quiser colaborar, é só clicar AQUI e votar no Liricando, que concorre na categoria "Arte e Cultura". Pode votar quantas vezes quiser. E me deseje sorte. Será que é desta vez?

Desde já, obrigada!
Abraços.
Gabi.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

BRENDALY

Não se envergonhe disso, não. Se você chorou foi porque abraços de verdade fazem a gente pôr para fora o que estava sobrando dentro, em forma de lágrima - e, agora, melhor essas lágrimas aqui fora do que aí dentro. Então vou guardá-las transcritas, porque se um dia você decidir que são úteis, pode pegar de volta e se reconstruir. E talvez eu mesma as pegue emprestadas de vez em quando, principalmente nestas horas em que fica tudo tão seco e pedregoso em mim. É assim que a gente se irriga, amor, e, quem sabe, uma hora dessas, a gente se surpreende com nossos jardins.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

É.

Deixar de viver
para não deixar de sentir.

Que sentido isso faz?

Agora faz
sexto sentido.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

BEATRIZ

O desafio tem sido a mim mesma, e não a nenhum de vocês. Domar os meus excessos, encontrar pertencimento... eu me apaixono sim, o tempo todo, por quem quer que se disponha, mas nada disso tem me parado. Não quero casa, não quero colo, não quero ouvir a coisa certa na hora errada, então me poupem de ter que explicar que de vocês qualquer coisa a mim basta. Aqui dentro não há expectativa, só gesso, embora eu ferva o tempo todo com verdade. Uma vez ou outra é suficiente, de vez em quando, não tentem me convencer, eu não vou entregar nada disto. Não preciso de ninguém me amparando, com essa breguice de esquecer o cinismo que só existe na frieza da minha solidão. Não preciso e não quero. Nem mãos dadas, nem carinho gratuito, nem admiração. O sossego não me agrada, ansiedade é meu vício, eu quero a montanha russa, a altura, a raiva e o medo. Quero a força, cacos não me inspiram, agora só vejo a cola. E se vocês não aceitam bem isso, fiquem um pouco mais longe, um pouco mais quietos, um pouco mais pacientes. Nada disso me interessa agora. Esta farsa que virou pele e ninguém se atreve a desnudar. E cada mentira é um espetáculo particular. Sim! Bis! Mais um! Para você.


quarta-feira, 28 de julho de 2010

DA CARTA

(À querida TT.)

Então ando transformando meu silêncio em companhia. O silêncio  das minhas tantas inquietações. E rezo a Deus para que não se transformem  mais em desespero, como acontecia há algum tempo. Não há mais desespero,  mas uma resignação de quem não tem nada a fazer senão abraçar os  próprios limites e os proprios buracos.

Sinto que estou num momento de me  acomodar em novo caminho, novas direções, novos movimentos. Um  momento que tem se arrastado por quase um ano, como um rio que acabou de  desaguar no mar, sem saber direito, mas tentando aprender, como  continuar, como misturar suas águas noutras sem perder-se de si. E vou seguindo assim mesmo, sem saber, que  isso é a unica coisa que realmente sei: andar no escuro, na corda bamba e farpada. Sem desespero, agora.

Às  vezes ainda me dôo e choro muito, um choro de lamento, baixinho, só meu. Um ato de materializar o que não consegue se fazer dito, de tanger a  solidão - molhando e secando. Na verdade, só a minha solidão tem sido  tão verdadeira e acolhedora comigo mesma. E, enquanto eu não conseguir  acolhê-la, fazê-la caber confortavel em mim, sinto que não vou conseguir  fazer-me caber confortável no mundo, na vida.

Há aqui algo de só meu, que o papel  (in)felizmente não vai levar, que você não vai receber. Algo com que chegou a  hora de eu conviver: a minha circunscrição, o limite do que sou eu e do que é  não-eu e eu nunca vou saber. O limite do que é você.

Obrigada por se fazer presente não-eu, dizível e/ou silenciável, você.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

AMOR

Não cobrarei provas
e não me cobres tu.
Porque as maiores são dadas
quando a gente não vê.



(poema e desenho produzidos em 2006)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

ASSUNTO

Outras vezes, todo este falatório
é mentira pura,
brincadeira, chatice,
invenção, exagero.

De verdadeiro, o falar mesmo,
só um jeito meu
de me sentir mais perto
e mais junto, sem dizer.

domingo, 18 de julho de 2010

RASCUNHO

Solidão é quando,
como agora,
só Deus sabe.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

SACO

É sempre assim, na hora de dar, você escolhe não dar nada, sempre nada, talvez porque ache que pouco pra mim não serve, porque pouco pra você não serve, porque muito você não dá conta, muito você não pode, porque supostamente só muito me serve. E, ironicamente, receber nunca é demais, eu sei, que feio você nunca ter conseguido correr de mim por se cobrar receber menos, eu não preciso dar menos, não é?! O problema é você, eu entendo, e eu que encontre alguém do meu tamanho. Quem não entende nada é você, nunca entende nada, acha que me conhece, acha que se conhece, acha que eu nos conheço e que um de nós está sempre prestes a desmoronar, então, melhor desmoronar bem de longe.

Covarde, é isso que você é, por querer se responsabilizar sozinho pelo seu desmoronamento, por querer que eu me responsabilize sozinha pelo meu, quando os destroços são igualmente nossos. E escolhe sempre o caminho mais difícil, de achar que se um de nós se segurar no outro, na hora agá alguém vai sair correndo, se magoar ou o diabo a quatro e qualquer bicho de trocentas cabeças. Eu não vou sair correndo, seu imbecil, e posso entender e até perdoar se você o fizer. Mas se você não acredita no que sentimos, nenhum contrato pode nos garantir qualquer coisa, pelo amor de Deus!

Eu também não peço nada que você não tenha, de bom grado, antes me dado. Então não haja comigo como se me devesse qualquer coisa além do que nós podemos ser juntos, ou como se tivesse que sumir pra eu não cobrar. Eu não vou cobrar, o convite é bem contrário, pare - por Deus, pare! - de se cobrar tanto, achando que quem não pode dar é você. Dê de si o que pode, como sempre foi! E deixe também eu me responsabilizar junto, reponsabilize-se comigo, ninguém aqui precisa de culpas.

Eu sempre acreditei, eu sempre soube, que esse muito é seu e, sinceramente, sempre achei que fosse muito, sempre achei que fosse tanto! Talvez por não entender de matemáticas clássicas - números nunca me importaram se não representassem alguma história, e a nossa história eu conheço, vejo, sinto, devoro os detalhes, os mínimos detalhes... e você pode suportar, sim, ser tão grande pra mim, tão muito, tão tudo, porque quem não suporta diminuir tudo isto sou eu. E se eu não consigo lhe mostrar isso, perdão, por favor, venha aqui, não vá embora, não, fique, do tamanho que você quiser, amor, eu quero e admito, por você, a culpa é toda minha.


(Para Ismael, com carinho.)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

NOBRE

A gente cresce e aprende que o certo, bom e normal, é ter necessidades outras, muito outras, além de amar. A gente aprende a querer um mínimo de trabalho, dinheiro, reconhecimento social - e a poesia dos nossos olhos se perde em toda essa bagunça, a coisa se inverte e os bagunçados agora somos nós.

Porque se pudéssemos ser juntos e ser reais e ser sempre, provavelmente seríamos crianças de novo, descobrindo nós mesmos e o mundo, sem que nada mais tivesse muita importância. Uma palavra, um poro, um gesto, uma risada, um cheiro... e a vida seria sempre estranha, deslumbrante, assustadora, nova.

E o problema não seria a vida sempre tão real e avassaladora, mas não conseguirmos forjar tanta explicação, controle, poder e garantia, nem em brincadeira. O problema seria darmo-nos permissão para viver no escuro diante de tantos ávídos pela superestimada luz.

Talvez quando a velhice for nossa melhor amiga e o tempo for, explicitamente, contagem regressiva, talvez aí sim, haja devido respeito à escuridão. Talvez quando a experiência das cicatrizes de tentativas exaustas e contrárias forem nosso melhor argumento e quando nosso esforço pelo certo, bom e normal for, embora bem sucedido, ainda insuficiente... talvez, nesse momento, alguém concorde conosco em darmos as mãos e, simplesmente, brincar de roda. Talvez.

Até lá, como todos eles, concordamos em renunciar e brincar de adulto e fingir que o gostoso do faz de conta, da incerteza e da novidade é coisa pros nossos filhos. Porque, assim, - já que, em algum tempo e lugar, isso parece o mais justo e nobre - a gente mostra que aprendeu bem a lição de que a nossa época já passou.


"Que aconteça alguma coisa bem bonita para você, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em todos de novo, que leve para longe da minha boca esse gosto podre de fracasso, de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando." (Caio Fernando Abreu)


Letra e Tradução

quarta-feira, 30 de junho de 2010

CATEDRAL DO SILÊNCIO

Até que venha a clareza,
do sim ou do não,
sacrifico-me
e não mais escrevo.

E tudo isto é seu.




E se, por isso, como previu Bukowski, eu entrar em combustão humana espontânea, pessoas, boa vida para vocês.

domingo, 27 de junho de 2010

ISTO SIM É TUDO

Você me escancarando demais, sempre mais, diante de mim mesma, diante de você. Nunca é suficiente ver as minhas feridas? Você não acredita? Então venha aqui e toque, cutuque, enfie os olhos, as unhas, as mãos. Enfie-se em mim, como você tanto deseja e faça sangrar até a última gota, se é isso o que lhe faz gozar, se é isso o que lhe faz sentir-se diferente de todos os outros, pior e melhor. Porque você é. E se contemplar não serve pra você, saiba que pra mim também é pouco. Porque eu sei que cheirar e beber tudo isto dói tanto em você quanto em mim. E, tanto quanto eu, você só sabe ser feliz se doendo de volta a quem, simultânea e felizmente, lhe dói. Como eu, é só assim que você consegue alcançar o céu? Mergulhando no inferno - fogo e veneno e sangue. Me importa e eu quero. Atravesse as suas vísceras nas minhas e nós vamos chegar aonde você e eu (não) quisermos juntos. Porque a hora (nunca) é agora.

QUASE SIMPLES

“Julgar-se é levar-se a sério demais. O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. Porque se aceita como é? Já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes – pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência –, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão. Ele é como os passarinhos de nossas florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. O real basta ao real, e essa simplicidade é o próprio real. Assim é o simples: um indivíduo real, reduzido à sua expressão mais simples. O canto? O canto, às vezes; o silêncio, mais freqüentemente; a vida, sempre. O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara. É o contrário da literatura: é a vida sem frases e sem mentiras, sem exagero, sem grandiloqüência. É a vida insignificante, a verdadeira vida." (Comte Sponville)


 - É... mas eu acho que a simplicidade é aparência... por dentro é tudo complicado.
- Acho que complica por dentro quando a simplicidade está em excesso por fora. Ou talvez ela fique excessiva por fora quando está complicado por dentro.
- Talvez a simplicidade seja a melhor ponte entre o eu e o outro. Mas é verdade que excessos podem transformar pontes em abismos.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

PELE

Fique longe o bastante, não seja cruel. Não banalize as nossas peles, os nossos encontros. Não me deixe sentir sozinha sua mão no meu braço, nas minhas mãos, o seu corpo no meu, a sua biografia na minha. Nem queira sentir sozinho quando tudo isso vier de mim.

Mas se for para se sentir duplamente toca(n)do, o meu toque e as ressonâncias do seu próprio, aqui estou. E eu quero-nos. Marque-se-me.

terça-feira, 22 de junho de 2010

ASSINADO SOL

Eu sou a Futica, ou Sol, como queiram, a dona da Gabi, embora ela às vezes pense que é ela a minha dona. Na verdade a gente se alterna - de vez em quando eu tomo posse da relação, de vez em quando ela, talvez porque nenhuma de nós duas gostemos de absolutismos. Então eu vim falar pra vocês sobre ela, bem no dia vinte e dois, um presente ao aniversário vinte e dois, acho que ela sempre quis que eu, que a conheço melhor que qualquer outro, dissesse o que penso dela, a ela, a vocês.

A Gabi me respeita tanto, talvez porque ela não queira que eu seja só um mascote, percebo isso. Se pudesse, acho que ela pensa que ficaria comigo no colo o dia todo, menos nas horas em que ela fica de saco cheio. Mas não dá, Gabi, tenho que passear por outros colos, eu também quero outros abraços. Você pensa isso porque você não queria gostar tanto assim de pessoas, porque ninguém fica tanto tempo quietinho no seu colo quanto eu, porque você também não consegue confiar no colo de alguém a ponto de ficar horas e horas por conta sem achar que o está sufocando e se sufocando junto. Adoro ficar horas no seu colo e você no meu, mas quando eu me cansar eu vou ter que fazer outra coisa e você também.

Falando em colo, tem dois assuntos que preciso tratar com você: um deles é a sua mania de sumir de mim quando você se apaixona e então eu preciso pular de braço em braço pra preencher sua ausência. Se você tivesse morrido ou partido, era outra história... o caso é que sinto sua falta, bobona, e você chega em casa cansada e não me dá colo, eu não te dou colo, até que um dia você não aguenta mais e volta a querer só a mim de novo. Será que dá pra dividir, pra não ter que ficar indo e voltando o tempo todo por simplesmente exaustão? O outro assunto é aquela coleira horrorosa, você sabe e eu sei que você sabe que aquela coleira me agride moralmente, vou dizer a verdade. Você quer passear comigo, que seja sem coleira, à solta, ora, e passear não é isso? E se for pra obedecer, ir só aonde você quer ir, então que seja no colo. Eu não sou nenhum bebê e sei  também que já peso nos seus braços, mesmo assim, se for pra obedecer, obedeço, desde que seja no colo.

Gente, esses dias um senhor bateu aqui na porta, e eu fiquei observando a Gabi. Ele estava bêbado e maltrapilho, a Gabi abriu a porta, eu lati muito pra defendê-la, acho que ela também ficou com medo, porque me tirou de perto. Então começou a conversar com ele e, meu Deus, como é doida ela e essa mania de achar que todo mundo só quer um abraço. Ele pediu dinheiro, não tinha, começou a contar sobre a vida dele, um copo d'água e não ia embora nunca mais! Ela perdeu a noção do perigo e deu nele um abraço. Acho que a Gabi não pensa muito nas coisas antes de fazer. Ao contrário dela, penso que, às vezes, defender-se é passar direto pelas pessoas - nem todo mundo vai entender o convite ao encontro sem querer logo invadir. Abraçar é bonito, Gabi, mas nem todo mundo fala a sua língua, aliás, a maioria das pessoas não.

Eu que já vi você chorar e rir, rezar e transar, acho que posso dizer que conheço um pouquinho do que é ser humano. E você olha pra mim e fica imaginando o que eu penso, como você sempre diz. Vou contar então, Gabi: não penso muita coisa na maior parte do tempo, não, eu só vou vivendo. Sabe, esse ar gostoso, o frio e tanto pêlo, o calor e tanto pêlo, o colo, as cores, a fome, os brinquedos, a sede, as vozes. Eu só vivo. Então você não precisa ficar se explicando o tempo todo, nem pensando tanta metalinguagem, eu não me importo. Você não precisa de filosofia pra viver comigo, não precisa fazer sentido. Pois se um dos nossos momentos mais especiais é quando a gente late uma pra outra... vai querer explicar isso pra mim?

É isso, Gabi, depois de tudo que a gente já se ensinou-aprendeu, se tenho ainda um presente pra lhe dar é tirar o excesso de nomes, que tem sido presente seu a mim. Então fique em paz e viva, comigo e além de mim. Simplesmente viva. Feliz aniversário. Viva! Viva!