quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

SOBRE RODOVIÁRIAS E CEMITÉRIOS

Tantas pessoas vêm e vão num espaço de tempo que é e parece sempre tão curto... e a gente parece sempre estar neste lugar cruel de quem fica, de quem, mesmo tocando a vida, mesmo escrevendo lírica, espera o próximo (re)encontro. Que será de nós-emigrantes nos corações alheios? Será que a espera de lá é igualmente doída, ansiogênica? Será que dá neles vontade de que saibamos tudo o que lhes foi na nossa suposta cruel ausência? Será que na hora do (re)encontro esses anseios todos se esvanecem e dão lugar ao silêncio, mesmo falado, do simplesmente existir? Eu nunca antes reparei, mas posso apostar, aqui, em espera, sinceramente, que sim.


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

CHICO DE DEUS

Meninada, hoje vou contar a vocês a primeira história. Ela fala de um menino que conversava com Deus. Ele nem sabia que era Deus - chamava de João, seu amigo invisível. O nome do menino era Chico. O Chico perguntava e o João respondia. Batiam o maior papo. Chico descobriu que João era feito de luz azul e falava todas as línguas e que o universo era imenso e existiam vários universos diferentes deste e, neles, outros humanos, parecidos com estes; e que João também tinha amigos - feitos de luz e feitos Chico.

Chico também contava suas coisas, ouvia e sabia muito bem de quase tudo, mas ninguém acreditava nele - mandavam pra psicólogo, psiquiatra, benzedeira, pra ver se parava com aquela ideiada boba e essa conversaiada sozinha. E Chico foi ficando triste, coitado... por que João não se mostrava a mais ninguém para provar logo que era de verdade? Por que deixava todo mundo achar que Chico estava era mesmo doido, todo zuado da cabeça?

E o Chico, com raiva, foi crescendo e mandando o João calar a boca. Mas não teve jeito: o João gostava mesmo daquele menino e era dele mesmo que ele gostava, e não precisava de mais ninguém saber, não, ninguém mais acreditaria mesmo, nem sabendo, como o Chico bem acreditava. Então João insistiu um cadim, até que voltaram a ser best friends. Um dava palpite na vida do outro e tudo... era bonito de (não) se ver.

É como disse o Mário Quintana: "Deus é mais simples do que as religiões." E mais: "por favor, deixa o Outro Mundo em paz! O mistério está aqui."

CISNE LIVRE

Pois que, como disse Che Guevara, "sonhas e serás livre de espírito... lutas e serás livre na vida". O espetáculo de autenticidade, ao contrário do que o mundo espera, é só seu, e de mais ninguém. É atingir o ápice do que se almejava.  É saber-se e alcançar o não mais desejo. A realização pessoal está dada e o que vier depois é luxo, brinde, dádiva. Não corresponde à perda de inocência, mas à reconciliação dela com o seu contrário - a afetação. Descobrir-se é entregar-se a si mesmo e ao mundo com a paixão de quem acredita naquilo que busca, sem demagogias.  É delirar realidade para alcançar lucidez. É cravar em si a estaca do próprio espelho - dói, fere e escandaliza, mas não mata.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

CARTA

(para Mário Quintana)
Carmo do Paranaíba, maio de 2005.

Meu caro Mestre,
devo e preciso agradecer toda força e empenho em superar tuas míseras dificuldades discursivas e expositivas para dedicar-me tão satisfatória resposta. Veio, de fato, suprir a urgência que eu tinha destas simples, porém intensas palavras. Meus gritos andavam mudos e perdidos em tamanha emoção. A posteridade possui, deveras, o dom de minguar minha já pequenina existência. E o pouco que resta de mim não tem conseguido transcender meus limites a ponto de desabrochar em versos tão imensuravelmente radioativos. Ainda assim, minhas verdades continuam vivas e crepitantes, aspirando momento e fôlego oportunos para se universalizarem, quase tão pretensamente apócrifas quanto as tuas.

Tuas linhas aborreceram-me, porém eu não as rotularia entediantes: acenderam em mim fogo e audácia nunca antes sustentados por minhas mãos trêmulas. Afinal, acostumei-me à ingenuidade em crer que cada poesia tem maneiras, motivos ou fundamentos literariamente palpáveis ou dizíveis.

E, talvez por isso, eu tenha tentado discutir contigo essa tal literatura. Não havia percebido que os grandes não o espalham aos quatro cantos: deixam em paz a poesia, amam-na baixinho, pois conhecem toda a força de sua brevidade. E, mesmo aos sussurros, conseguem mantê-la segura – como se somente os verdadeiros poetas pudessem entender a metalinguagem: a explicação do inexplicável, o alcance do inatingível. A poesia é, enfim, um tesouro sem excessos, o mais belo de todos, dotado de um parasitismo quase tão ininteligivelmente profícuo quanto a própria vida.

É por tudo isso, meu Mestre, que ainda temo entregar-me completamente ao sádico hedonismo de meus versos. Esta freqüente luta por vezes enfraquece-me e faz-me querer desistir da estimada bênção poética. É, no entanto, meu mais atraente desafio: conseguir, daqui a vinte anos, escrever tão pálida ou expressivamente quanto faço hoje, aos dezessete. E os truques da moda sim, que desconfiem da aparente efemeridade de tantas entrelinhas!

A métrica tem sido a explicação mais formal, plausível e lógica para o perfeccionismo de um genuíno poeta em relação aos próprios versos. É, não a causa, mas o resultado racional - mais ainda, matemático - de todos os cortes contorcionistas por que o poema passa até a sua conclusão: o soneto só tem dois quartetos e dois tercetos porque, conservador e inabalável, se sentiu melhor assim. Já os versos livres são iconoclastas infatigáveis dançando, frenética e pornograficamente, um tango lexical. Ambos conseguem, assim, transbordar, lenitivos, as essências líricas de seus respectivos eus.

Toda a confluência que tenho experimentado apresenta-me grandes amigos. Amigos que sempre estiveram comigo. A quem, aos poucos desembrulho. E desembrulho-me. E, se a ti respondo, é porque respondo, assim, a todos eles. Obrigada, meu caro Mestre. E apareça-me sempre.


domingo, 20 de fevereiro de 2011

BILHETE A UM JOVEM POETA

Eu li tudo, mas só corrigi as primeiras poesias e coloquei algumas dicas técnicas ao longo delas. Em geral, gostei muito do conteúdo, mas posso dizer que, dos finais dos poemas, alguns me soaram pobres. Além de prezar pelo minimalismo, o que a Clarice Lispector deixou como dica, e você já faz, um poema tem que vir com um clímax, uma virada, uma fenda para que o leitor interprete o que quer que seja à sua própria maneira. É bom impessoalizar nossa escrita, para que mais gente se identifique com ela. Como? Você fala dos sentimentos, mas não fala dos fatos – nesses poemas foi os em que eu achei que você foi mais feliz. Ou fala dos fatos internos, usando metáforas, analogias, como no poema em que você usou o futebol, Tafarel, etc. No mais, você está no caminho certo. Se tenho alguma autoridade para julgar o assunto, vejo sim, potencial na sua escrita. Parece-se muito com a minha, quando comecei. Ainda vai amadurecer um bocado. Não pare nunca de ler, de receber suas “influências”, são o que de melhor nos fazem lapidar. Vou lhe indicar dois textos ótimos, um do Caio Fernando Abreu, chamado “Carta ao Zézim”, e o outro, do Mário Quintana, “Carta a um Poeta”. E é isso aí. Continue. Não pare, não. Se lhe faz bem, se é disso que você gosta, e eu gosto do que já é e do que pode vir a ser, continue muito, continue sempre. Um grande abraço.

Gabi.


Tá aí a "falta de ânimo", o porquê de eu não passar no "Ídolos" - vergonha. Tenho vergonha de cantar até pra câmera. Tem também o cigarro que está fodendo com a minha voz. Aliás peço sugestões aqui de músicas pra cantar (vou pedir a alguém, em quem eu confie, que me filme), de estratégias pra parar de fumar e de assuntos novos sobre o que escrever. E até mesmo de lugares pra onde mandar meu currículo pra conseguir emprego, eu tô aceitando. Valeu, pessoal! Desde já, obrigada. Este post, com o vídeo, eu dedico à Ariana.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

EIS A QUESTÃO

A menina cresceu. Depois de ver passado, presente e futuro diante de seus olhos, ela cresceu e não sabia o que fazer disso. Sentia-se perdida na multidão. Procurava amigos com quem pudesse conversar, mas não podia compartilhar todos os seus segredos numa terapia e nem um amigo podia-lhe ser terapeuta para tirar-lhe o medo de viver. E ela precisava juntar tudo, mas não sabia por onde nem como começar. Simplesmente não sabia como nem mesmo descrever. Deixava-se levar – pelas horas, lazeres, acontecimentos, orações, palavras, companhias, comidas, sonos, que, embora fossem abundantes, não pareciam nunca suficientes. Havia tanto medo naquele hiato entre uma coisa e outra, tanto medo de ser o que tinha de ser. Tanto medo de não ter mais perguntas. Era isso – faltava-lhe perguntas. Então ela se apegou à pergunta, talvez, desaprisionadora: qual pergunta faltava? E lhe vieram outras: será que as respostas encontradas eram mesmo certeiras? Seria possível refazer, reconstruir a si mesma passado, presente e futuro que pareciam agora tão cristalizados? Por onde ela começaria? Pelo presente e futuro, ela pensou... chega de passado, que passado reconciliado não precisa descristalizar. Era hora de se mexer pra refazer qualquer coisa mudar, em silêncio, dançando, cantando, poetizando, não importava. Havia chegado – aquela era a hora exata de agir. Aquela era a hora exata de se crescer-encontrar.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

MINEIRINHO

Era um criminoso. Um homem bem ruim, daqueles que outro homem não conseguiria perdoar. Talvez nem ele mesmo conseguisse perdoar-se. E foi na correria, fugindo da polícia, daquele policial em fúria, pelo que ambos sabiam ser o pior crime do mundo, que Mineirinho morreu. Mas ele, antes, correu, correu muito, sem saída, já clamando a Deus que desse-lhe o perdão que nem ele mesmo podia. Mineirinho corria e chorava. Foi pelas costas que o tiro chegou, bem no meio das costas. Caiu de cara na poça d’água – era tarde de tempestade, eu ia me esquecendo de dizer. E o policial, antes que se afogasse, quis olhar no seu rosto, pra, quem sabe, chutar sua cara e atirar mais umas dez vezes. Aproximou-se, desafogou-lhe a cara da lama, a tempo de olharem-se longamente nos olhos um do outro. Perderam-se naquele olhar. O crime já era o mesmo – a prepotência, a incapacidade de perdão, a ira. Foi quando percebeu que a poça d’água-lama era apenas espelho. E Mineirinho ele mesmo era. Mineirinhos eram ambos. Mineirinhos, naquele momento, de apenas um tiro e olhos nos próprios olhos, morreram. E é assim que escrever pode mudar as coisas, Clarice. E você mudou muitas, ao menos em mim.

SOBRE PICTOGRAFAR

Perceba simetrias e dissimetrias, encontros e desencontros entre as cores, cujas nuances, linhas e contrastes revelam as lentes sob as quais um fotógrafo vê o mundo. Ver o mundo é um dom e, vê-lo assim – entre poesia e rudeza, entre o fantástico e o real – é o dom de Elisa Maria Rodrigues Barboza. Aventure-se e experimente, você também, ver o mundo através dos olhos dela.



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

SAUDADE

Vou falar da saudade que dá. Por antecipação, já é saudade, antes mesmo do tchau. É saudade, é ciúmes, é medo. Eu sinto tanto medo, amor, de perder você, de me perder de você e me desencontrar no mundo de novo, na insanidade, na solidão. Não faz assim comigo, não diz tchau nunca, fica por perto pra sempre, deixa eu poder olhar nos seus olhos e tagarelar com você sem pausas, deixa, por favor. Eu preciso tanto... preciso tanto continuar protegida nesta cápsula de vidro que é o seu abraço, que era o abraço da minha família, eu não sei viver fora daqui. Pra quê essa história de crescer, conhecer novos mundos, se o que eu quero da minha vida, a sua companhia eterna, eu já encontrei?! Você mesmo disse que eu posso ser mãe de quem eu quiser, dos seus filhos, mesmo menina, mesmo sua pequena... pra quê macular meu coração de adultez? Já basta minha cabeça, que às vezes sente ter uns duzentos anos, de tão velha. Eu queria falar comigo mesma, mais sábia, pedir um auto-conselho, mas como eu mesma só me digo volta, não vai, fica aqui, deixa eu ser sua menina - eu peço um conselho à Clarice e ela me vem com essa: "Sou uma pergunta. Por que não há respostas?" - nenhuma suficiente, melhor parar de perguntar. É que devo estar sempre fazendo a pergunta errada. Será que se eu inverter o conselho, e me dizer sou uma resposta porque não há mais perguntas, basta? Eu não sei amor, só sei que perguntei de novo, e eu só vim falar de saudade.



"Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas... Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo." (Caio Fernando Abreu)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

SOBRE TODAS AS PERGUNTAS

"Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado pra adorar o Criador
E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor
Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador"
(Chico Buarque)

E Deus disse: "Ame mais o seu homem e o mundo, depois a mim; você é dele e do mundo. Depois de mim."




"Deus não é o autor da morte,
a perdição dos vivos não lhe dá alegria alguma.
Ele criou tudo para a existência,
e as criaturas do mundo devem cooperar para a salvação.
Nelas nenhum princípio é funesto,
e a morte não é a rainha da terra,
porque a justiça é imortal."
(Sab, 1; 12-15)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

MILAGRE

"E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano." Clarice Lispector

Sabe, Clarice, hoje, depois de conversar tanto, em sonho, com Deus, acho que a conclusão é outra: o que o ser humano mais aspira é tornar-se Deus, enquanto o que Deus mais aspirava era tornar-se humano. Mas sinto que hoje o Milagre aconteceu.



domingo, 13 de fevereiro de 2011

ELISA SOFIA

- Então o Senhor aceitou a minha sugestão e estão em festa lá no Céu agora?
- Estão.
- Que música está tocando?
- "Panamericano"
- Haha! Sério?
- (risos) É.
- Você viu a Janis Joplin por lá? Ela mandou algum recado pra mim?
- É. Ela disse pra você tentar o Ídolos de novo no ano que vem. Com a música dela.
- E o Mário Quintana?
- Quem é esse? Teve um velhinho que mandou um recado pra você continuar escrevendo.
- Mesmo? (choro) Eu achava que ele era minha alma gêmea atemporal. Foi meu primeiro ídolo. Foi inspirada nos poemas dele que comecei a escrever, sabe, escrever mesmo, de verdade?! Vou te mostrar a foto no Google.
- É esse velhinho gagá mesmo. Dei um abraço nele e disse que foi você quem mandou.
- Obrigada, Deus... mas, e o Senhor, como fica nisso tudo? Tem que arrumar uma companhia pro Senhor. O Senhor não gosta de beijo, abraço, sexo?
- Eu sou um espírito de luz, não tenho sexo, entende? Estava todo mundo lá em cima lendo o seu blog.
- Mas nem um espírito de luz merece a solidão. Vamos arrumar alguém e o Senhor convida pra ser espírito de luz e te fazer companhia. O Senhor também leu meu blog?
- Eu não sei ler.
- Ah, é. A Leitura é coisa do homem, da Ciência, o Senhor é do Sagrado. Mas a idéia não era unir a Pangéia e a Aritmética? Sabe, tinha uma velhinha, vizinha da minha avó, desde que me lembro dela, quando eu era criança, ela era muito solitária. Morreu sozinha. Eu chorei quando ela morreu. (choro)
- Por quê?
- Por que quando a gente era moleque a gente fazia diversão atazanando ela. O Senhor sabe o que é track? Aquelas bombinhas que estouram? Ela dormia cedo e a gente tacava track pra estourar na janela da casa dela. Ela amanhecia toda nervosa... deve ter tanta gente, né, Deus, que tira a vida, pra se divertir te atazanando?
- É...
- Mas deve ser um monte de crianças, digo, que não cresceram ainda espiritualmente.
- É...
- Sabe, o nome dela era Joaninha, a casa dela tinha mau cheiro.
- Por quê?
- Acho que porque ela não se importava em tomar banho, em limpar a casa... também, não tinha pra quem estar limpa, né?
- ...
- Por que o Senhor não convida a Joaninha pra ser seu espírito de luz de companhia? Conversa com ela e depois me conta.
- Ai... minha vida é tão difícil!... (...) Então me beija.
- Mas que beijo mais... primário! Não é assim que se faz, é assim, ó!
- Entendi, amiguinha.
- (risos) E eu aqui psicologizando Deus. Mas era isso né, união do Sagrado com o Humano?! Conversa lá com ela e depois me conta!
- Pode deixar. Até amanhã. Dá cá um abraço.



Elisa: Variação de Elisabete, que significa consagrada a Deus.
Sofia: Grego, significa sabedoria. 

DE NOVO

"O Céu é azul e cheio de corpos, não tem só almas." E eu disse: "Mas então o céu é aqui na Terra." "Não. Lá eles só ficam rezando." "Mas e as coisas boas que tem aqui na Terra? Sexo, música, arte, se tem corpos, tem que ter coisas pra matéria se divertir também, não só o espírito. Tem gente que faz de tudo aqui na Terra porque acha que no Céu só vai rezar ou no inferno só vai queimar, então a única oportunidade de se divertir é aqui. Quer mudar  a Terra, muda o Céu também, Deus, o que você acha?" "Vou pensar", ele disse.


MAIS

E Ele continuou: "Ser Deus é mais difícil do que ser humano. É um tédio. É solitário. Quando criei tudo, era só  uma criança, não sabia que ia dar no que deu. Mas ouço a todos que me solicitam. Não atendo a todos porque nem todos merecem. Traz um copo d'água? Sim, eu acredito em você." Achei justo.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

DEUS

E a criança criadora, solitária e inconseqüente, encontrou companhia e cresceu - "quero unir a Pangéia e a Aritmética", foi o que Ele disse. E mais: "Por que você não vira uma psicóloga-hippie? Você viaja demais!". Eu gostei.

SOBRE CRESCER


"De mãos dadas com minha infância

Eu te pressinto correndo ao meu lado
e te admiro.
Gosto de teu sorriso sem conflito,
tua trança
que balança frouxa contra o vento.
Acostumei-me a te levar comigo
pelos meus sucessos
e nos contratempos.
Eu me desculpo pelos meus excessos.
Há espaço pra nós duas,
suficiente
para poder te manter irreverente,
apoiada na minha metade equilibrada.
Assim me encosto
na textura sem rugas de teu rosto.
Se houver um quase nada
de divergência,
é melhor prevalecer a tua inconseqüência,
que é o nosso lado mais sadio.
Se por acaso houver um desafio,
há de vencer-me a ingenuidade
que evaporou no tempo,
que descorou nos tons da meia-idade.
Mas, quando um dia confrontarmos
nossas diferenças,
quero que se sobreponha
por sobre minha face mais tristonha
a tua liberdade mais traquina.
Eu te dou a mão num gesto de ternura,
porque te quero sábia,
porque me quero pura.
Meio mulher madura,
meio menina."

(Flora Figueiredo)

Ao receber este poema de presente da Vera, fiquei tentando responder a mim mesma em que momento da vida percebemos que a infância acaba - acho que ontem percebi. Quando eu era criança, meu pai conta que, um dia, brincando comigo, disse: "Gabi, dá sua mão pra eu colocar no fogo pra você ver que não queima", e eu dei. Ele, claro, não colocou minhas mãos no fogo mas observou o quão ingênuo é um ser humano que ama; quão ingênua é uma criança.

Mas há um momento na vida em que você se depara, por amor, colocando a ingenuidade do outro no fogo em troca da sua ingenuidade, também colocada pelo outro no mesmo fogo. E é assim que crescer dói. Mas é apenas uma mão queimada aqui e outra ali, por amor, por saber que são essas mesmas mãos que daqui a pouco terão que trabalhar, se sustentar, e viver os prazeres que a vida proporciona às próprias custas, aos próprios méritos. É o momento em que se descobre que, nem pai, nem mãe são mais responsáveis por quem você é e pelo que você faz. O responsável agora é você. E as duas mãos de ingenuidades queimadas, pois, se perdoam, e seguem em frente, já que foi por amor e por convenção social que tudo isso aconteceu. E algumas convenções sociais são necessárias para que vivamos bem em sociedade, ainda que auto-gerida.


Quem dera que pudéssemos ser crianças para sempre, sem nos responsabilizar pela "maioridade" em cuja teoria, Kant nos é tão clara - "O Iluminismo é a saída do homem da menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! "


Mas são apenas duas mãos de ingenuidades queimadas, e não corpos inteiros. Mão dignas, que vão trabalhar e usufruir, com equilíbrio, dos prazeres do próprio suor, do próprio entendimento do mundo, da própria sabedoria conquistada pela experiência da vida, dos estudos, dos encontros com os outros. O resto do corpo e da alma continuam ingênuos. E quantas vezes mais nos veremos diante da perda da tão superestimada ingenuidade? São tantas as formas que nos ferem-na, que não consigo aqui enumerar. Mas algo de pueril, de gracioso, de generoso, de bailarino, de amoroso e, especialmente, de confiante no amor do outro, sempre permanece. Que nos abracemos às nossas queimaduras, mas também à nossa higidez. E sejamos, em paz, sem medo e sem mágoas, o que tivermos de ser.


"Eis que eu reconheci o que é bom: que é conveniente ao homem comer, beber, gozar de bem-estar em todo o trabalho ao qual ele se dedica debaixo do sol, durante todos os dias de vida que Deus lhe der. Esta é a sua parte. Deus dá ao homem bens e riquezas, e lhe concede delas comer e delas tomar sua parte, e se alegrar no seu trabalho. Isso é um dom de Deus.  Ele não pensa no número de dias da tua vida, quando Deus derrama em seu coração a alegria." (Ecl, 5; 17-19)



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O COMEÇO ESTÁ NO FIM

Este blog acaba recomeça por aqui. A minha claustrofobia de palavras acabou, mas as idéias são sempre possíveis e sempre novas, basta vocês continuarem se correspondendo comigo e eu vou adorar continuar o blog em interação com cada um. E daqui a pouco será hora de eu aprender a escrever também para crianças - quem sabe serão vocês mesmos a me ensinar, permitindo a seus filhos se corresponderem comigo, por exemplo? Vocês terão notícias. Avisarei aqui. Mas será em outro blog. Obrigada a todos por tudo e vamos, juntos, continuar. Amo vocês.

Gabi.


SOBRE A GRATIDÃO II

As coisas estão, agora, melhorando. Nas férias tudo explodiu e mil idéias na cabeça, a faculdade parada, ninguém se correspondia comigo no blog, eu não sabia como nem por onde começar mais a escrever o resto do que eu tinha para dizer, e tinha muito. Das coisas que vivi e tenho vivido, estão sendo dia após dia superadas, é tranquilo para mim. O que me transtornava era a claustrofobia real de palavras, de idéias não paridas se acumulando em mim, como se houvesse origem, mas não houvesse para elas meio de vasão. O blog não se fazia suficiente porque eu sempre senti que preciso interagir com as pessoas, mesmo que no mais profundo silêncio, que é o silêncio do simplesmente existir. Mas aquele silêncio esmagador, de todos e cada vez mais leitores frequentando o blog, já não era um silêncio de simplesmente existir, era um silêncio de brotá-los através do meu quase herege e vagaroso murchar. Foi por isso que precisei pedir socorro e, Graças a Deus, fui prontamente acolhida e compreendida por várias pessoas, inclusive a maioria delas chegaram até mim por intermédio do seu blog. Por isso você é outra pessoa a quem devo gratidão. Assim, obrigada pela preocupação, pela amizade e pela gentileza, desde o nosso primeiro contato, antes como ídolo, depois como amigo, blogueiro e como colega - acho que hoje já tenho auto-estima suficiente para me considerar assim. Muito obrigada mesmo. Um grande abraço.

Gabi.

ATRAVÉS

(também para Davi)

Tão bonito isso, Chris - você se dispor, se oferecer assim, de peito aberto a quem queira seu ombro, sua companhia, sua amizade, sem medo de viver ou morrer. Devo lhe contar que tenho descoberto ser este o sentido da minha vida: perder o medo desta e da morte, aprender a abrir o peito ao mundo, sem medos, nem objeções, nem desconfianças excessivas. Por longos vinte e dois anos fui assim - ou melhor, vinte e um, o ano vinte e dois ainda está rolando -: desconfiada, medrosa, arisca, cheia de espinhos em relação ao mundo, escondendo o meu amor pela vida e o meu amor até mesmo pela morte.

Hoje, de alguma maneira, não sei se por causa de tudo o que passei e tenho passado, consigo atravessar o tempo e enxergar minha vida através da vidraça que me separa do futuro, guiado por minhas escolhas, e não mais sinto medo. Não mais sinto medo de amar o mesmo homem para o resto dos meus dias; de, por amor, guardar segredos para sempre; nem mesmo de não ver tudo com a clareza com que eu nem gostaria de ver, porque já deu medo.

Então obrigada, Chris, por me mostrar essa possibilidade tão linda e tão extrema da alma humana, que é a de viver sem medos da dor ou do orgasmo, porque, sabemos, nenhum dos dois é eterno. Obrigada por abrir a mim e ao mundo o peito tão solicitamente, ensinando tudo isso de maneira tão gentil e subliminar.

Abraços.

Gabi.

SOBRE OS PRIMEIROS E ÚLTIMOS TEMPOS

(para Hellen)

"O amor supera tudo, meu filho, mas nem tanto" - foi isso o que ouvi de uma paciente a outro lá na psiquiatria num dos dias em que estive internada. Seu último e-mail fez-me relembrar todos os seus comentários, desde o primeiro, aqui no blog, e fiquei pensando em como eu sinto você, vezes como mãe, vezes como filha, mas de maneira perfeita, com aquela troca justa que a gente não consegue fazer entre pais e filhos genuínos, porque provavelmente, como diz a Clarice, que tanto gosto de citar aqui, já viemos mesclados ao erro. Nós filhos e nós pais (para os que já o são) temos sempre os nossos limites - e de direito!

Sabe, nos meus delírios (?) mais profundos, fiquei pensando na Bíblia, na Criação do mundo, pensando que Deus pode, sim, ter errado - ora, árvore do conhecimento mais livre arbítrio seria mesmo possível igual à desobediência. E Adão e Eva? Como poderia Adão saber amar se não existia antes alguém para ser por ele amado(a)? Então aprenderam-se o amor quando existiu a mulher. Parece-me impossível, assim, que um homem ou uma mulher saibam amar, simplesmente, sozinhos. Mais, ainda sobre Adão e Eva, tiveram seus filhos e seus filhos tiveram filhos com quem? Então, o incesto é regra universal, por quê? E se o Fim do Mundo não se tratar do desaparecimento de tudo o que existe?  E se for, ao contrário, o fim (como final e finalidade) da Criação - a reconciliação do masculino com o feminino e do humano com o sagrado? Por humano entendo o pecado do conhecimento - que hoje consumimos compulsivamente por Palavra e Ciência.

E se amanhã descobrirmos que conseguiremos ser pais e filhos perfeitos para os nossos genuínos filhos e pais e que o amor realmente supera tudo? Será muita utopia, muito delírio ou basta-nos acreditar e tentar fazer acontecer? Eu realmente não sei, mas ainda acredito no livre arbítrio, então fico com a última opção.

Obrigada por tudo. Mil beijos em todo o rosto.

Gabi.


EM TEMPO

(para T.T.)

Querida T.T.,

já há tanto tempo que não lhe escrevo, ou melhor, tantas cartas tristes e medrosas escritas e não remetidas por achar que você não merecesse macular de mim tanta plenitude que andava vivendo. Mas escrevo hoje, pela internet mesmo, para dizer que sinto saudades, que às vezes releio nossas cartas, continuo acompanhando seu blog, tentando imaginar o que se passa com você aí no seu mundo enquanto tudo acontece aqui, no meu. Só pra dizer que você saiba que se Deus está sempre aí, eu continuo aqui. E, se você não se importa, vou começar a escrever sobre as minhas máculas também e remetê-las a você, ainda que as suas plenitudes me doam de culpa, ao fazer isso. Porque sinto saudades. Sinto saudades, T.T..

Um abraço apertado da sua amiga sempre carmense e, agora, também uberlandense, Gabi.


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

SOBRE GRATIDÃO

Lara, eu vou dizer a verdade, eu realmente chorei ao ler o seu e-mail. Chorei porque nunca havia me colocado num lugar de tanta admiração, como você me fez. Eu não imaginava que você me tinha como ídolo ou algo assim, mesmo ao ler as minhas dores... tudo o que escrevo realmente sou eu, pelo menos no momento em que escrevo... e me lembrou o outro e-mail que recebi ontem da Hellen, que dizia que essa história de a grama do vizinho ser sempre a mais verde é uma besteira. Realmente não é. Eu contei a ela que sempre tive uma verdadeira implicância com o que convencionaram adolescência, porque parece que só adolescente tem direito de bradar a revolta humana por sentir que a festa parece sempre estar apenas na casa do outro. E a adolescência, na verdade, é direito e luxo de todos nós - mas uma adolescência em busca de um ideal, da festa no nosso próprio apartamento. É isso o que todos queremos, juntos, enxergar. É isso o que você tem tentado, pelo que me escreveu: conhecer-se, saber de si a sua potência e o seu limite, a sua sobriedade e a sua embriaguez, em roupas e vísceras.

Eu já fui você, assim, como já comentei em alguns dos seus textos, me identifico muito nos seus com os meus começos de escritas adolescentes descobridoras de sete letras, inclusive em relação aos ídolos, com os quais hoje, depois de muito lutar contra as minhas idealizações, os meus deslumbramentos mais poderosos, que embora me afastassem das pessoas que realmente estavam por trás daqueles "ícones", também me fizeram crescer, tentar alcançá-los, parecer-me com eles, fazer um pouquinho do que eu imaginava que todos eles eram desaguárem no que hoje eu sou e... pensando bem, tenho cá ainda os meus confluentes, como diz o saudoso Mário Quintana, que continuam aqui a desaguar.

Quero muito um dia poder conhecer e abraçar você pessoalmente. Foi uma poderosa, agradável e emocionante surpresa receber o seu e-mail e também o da Hellen, cuja resposta transformo, agora em post. Obrigada às duas pelo carinho. Um grande beijo.

Gabi.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O VENTILA(DOR)

(para Daniel)


Ele gira, gira, em silêncio, à meia luz, enfeitando o teto do quarto, fazendo ventinho no rosto de quem passa por perto e sendo beleza lá em cima, todo feliz, a quem queira contemplar. Vamos, juntos, assistir?







"E se os seus heróis mudaram de idéia
E se tudo o que você achava que era certo voou pela janela
E se tudo em que você baseou sua vida não era real

E se o seu herói vendeu sua alma
E todos os seus sonhos parecem sem graça e tristes
E todos os seus pensamentos secretos parecem baratos e solitários

O que você vai fazer sozinho agora?

Cante aos pássaros
Cante aos pássaros
Cante aos pássaros
Cantar

E se o seu herói desaparece
E todas as coisas que você pensou que eram laranjas são cinzentos agora
Quem é que traz para você algumas cores novas?

E se o seu herói nunca o foi
O que você vai fazer
Então, sozinho lá?

Cante aos pássaros
Cante aos pássaros
Cantar

É parcialmente ensolarado,
é parte da chuva, na maior parte curioso
Ou cheio de dor
Você poderia aprender a amar a si mesmo
Cante para os pássaros

E se ele nunca foi o seu herói
E todo o tempo desperdiçado não era real
E todas as suas feridas decidiram apenas se curar
E todos os seus sonhos estavam cheios de cor
E todos os seus pensamentos secretos pertenceram somente a você
O que você vai fazer disso sozinho aqui?

Cante aos pássaros
Cante aos pássaros
Cante aos pássaros
Cantar

É parcialmente ensolarado, parcialmente chuva,
na maior parte do tempo, curioso, ou cheio de dor.
Você tem que aprender a contar com alguém
Porque é na maior parte da dor...
E é um jeito curioso quando chove e
Você poderia aprender a amar a si mesmo
Você poderia aprender a amar a si mesmo
Você pode até aprender a ser você mesmo
Cante aos pássaros!"

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

NOVA ERA

É hora de mudar: a tragédia não é mais saber-se, a tragédia foi o fato, se de fato foi tragédia. Saber-se é resgatar-se, dar-se a chance de procurar novos rumos, de não mais fugir do que a realidade é; de ser forte sem medo. Basta topar o convite e... "conhece-te a ti mesmo".

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

SOBRE O PERDÃO

"APONTAMENTO 100
O problema não é a loucura. O problema é que não a exercem discretamente."
Lívio Soares



Perdoem os loucos do mundo inteiro pela indiscrição, pela invasão, pelos excessos. É só um jeito de gritar por socorro. Acudam-me! Cuidem de mim! O problema não sou só eu, o problema é o mundo! Eu só quero abraçar o mundo e o mundo não deixa! Eu só quero que o mundo me abrace e o mundo não quer! Ninguém entende? O que eu faço, meu Deus? Eu sinto medo, vou me calar, vou parar, vou esconder meu excesso de amor antes que me abandonem de vez! Eu não quero ficar sozinha... Perdoem os loucos do mundo inteiro pelo desespero, por favor! E eu também continuo a me cal(ej)ar. Perdoem-me.


"Quem uma vez esteve diante deste enigma indecifrável da nossa própria natureza, fica amedrontado, sentindo que o gérmen daquilo está depositado em nós e que por qualquer coisa ele nos invade, nos toma, nos esmaga e nos sepulta numa desesperadora compreensão inversa e absurda de nós mesmos, dos outros e do mundo. Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após." (Lima Barreto, em "Triste Fim de Policarpo Quaresma")




terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

SOBRE AS ILUSÕES

Ilusões representam a realidade cujo medo não nos deixa encarar. É bom abraçar as ilusões, conversar com elas e perguntar-lhes o que querem nos dizer a respeito da realidade. Excesso de realidade também torna-se fuga da própria realidade. Mas é questão de escolha - o que pra quem gosta, faz bem. Como eu disse, também quem recua diante do medo, não é outra coisa, senão forte.