domingo, 4 de setembro de 2011

DEUS E EU

Obrigada, Senhor, pelas sempre novas oportunidades de recomeçar, de refazer um novo certo agora, por compreender os meus erros, as minhas imperfeições e me dar sempre esta nova chance. Hoje só tenho-vos a dar graças. Amém.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

ÓCULOS

Às vezes dá a impressão de ter feito tudo errado, de ter escrito tudo errado. Vontade de acabar com tudo, mesmo antes de entender. Mesmo antes de saber se um dia terei entendido. Continua sendo solitário demais andar por entre as gentes. Dá raiva de Deus, que é mais forte que o fogo. Dá raiva de mim, que sou mais fraca que o pó da terra de que sou feita. Tão forte a terra. Tão forte a água. E o ar. Algumas vezes penso que somos mesmo feitos é dos

quatro elementos básicos, que o homem insiste em transformar, destruir. Uma linha foi saltada. Uma linha não preenchida. Diz-me que algo neste texto não me pertence. Ainda que uma linha. Tanta coisa pode ser escrita numa linha. Estou sem meus óculos

e as letras se misturam, se sobrepõem, impedindo que eu veja o que eu mesma escrevo. Escrevo às cegas. E outra linha saltada. As linhas da clareza. Cada vez que salto uma consigo me situar melhor na minha própria escrita perdida. Deve haver um Deus preenchendo as linhas saltadas com os óculos que por preguiça e/ou comodismo encostei na escrivaninha. Coloco os óculos. Até a minha letra fica mais legível. Releio o texto. Dá vontade de apagar quase tudo e deixar só as linhas saltadas. Foi o que de mais genuíno o texto pariu. E é com elas que eu deixo você.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

PRIMEIRO DESENHO


sexta-feira, 15 de julho de 2011

HOLOSFRENIA

A liberdade amou a lei
que também amou a liberdade
A liberdade sentiu raiva da lei
e disse sai
A lei também sentiu raiva
e disse sai você
A liberdade bradou
você tem tudo e eu não tenho nada!
A lei contrapôs
quem não tem nada sou eu!
Você tem é muita pena de si mesma!
Você está falando de si mesma, não queira se machucar!
Eu não tenho medo de me machucar, você quer me abandonar, é isso?
Não, você quer me abandonar?
Também não.
Sabe, eu sempre achei que você tivesse tudo, porque você tinha tudo o que eu não tinha e queria pra mim e você achou que eu tivesse tudo porque...
Shhh... nenhuma de nós duas nunca teve nada até conhecer uma à outra.
Eu sou eu e você é você e esta é a solução.
E a verdade (não mais) dói.

sábado, 18 de junho de 2011

SOBRE A ARTE

A arte é constituída de filhos paridos para destinatários certeiros. Se não há destinatários, a arte fica gerando e nutrindo a si mesma, mas não nasce. Não acontece a maiêutica. Acho que foi disso que Clarice falava quando criou Macabéa, que morreu grávida de futuro - solidão, falta de destinatários. Feliz dela, que, ainda assim, conseguiu parir uma história. Feliz de mim, que ainda assim, vez ou outra, consigo parir bilhetes ou um parágrafo. Como o de Macabéa, o desejo de toda arte é o de ser estrela. E não há por que parir, se não existe ninguém olhando para o céu. Quem virou estrela foi Clarice - quem é estrela agora sou eu.

"Para que eu chore, é preciso que vós choreis também."
Nicola Boileau

"Só a arte permite a realização de tudo o que na realidade a vida recusa ao homem."
Goethe

terça-feira, 24 de maio de 2011

COMO

Estou cansada, exausta, de me esforçar para simplesmente ser eu. Parece para as outras pessoas ser tão fácil, tão fluido, os dias são leves e o que exaure é o trabalho, a rotina. Em mim o que exaure são os poros, a pele, é o dever de exercitar o hábito de ser quem eu sou, de manter uma linha reta sob os meus próprios pés e caminhar serena e firmemente sobre ela, venha o que vier. É pesado suportar os sopros, imagine então os vendavais. Dá vontade de me esconder num cantinho secreto, quentinho e escuro, abraçada a alguém que entenda o que eu digo e nunca mais soltar. Mas não, quem eu sou quer abrir o peito e enfrentar a tempestade e o que quer que venha, quer fazer da linha reta a direção, do horizonte o destino e do medo a companhia em carcaça. Quem eu sou, mesmo cansada, assustada, ansiosa, vai continuar lutando e um dia chegará - sorrindo, tremendo, com as mãos geladas, buscando aquecimento e esteio, vai. Porque, mesmo com toda dificuldade do mundo, quem eu sou, parida de mim mesma, a cada novo instante, sofregamente, enfim, é.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

SABE-SE LÁ

É engraçado como vocês sumiram na hora do maior desespero, na hora do grito mais alto, na hora da corrida mais longa. É interessante como todo mundo ficou mais ocupado, silencioso, como os assuntos em comum não são mais nada comuns, o cotidiano já é coisa desconhecida e a amizade virou item relapso. De fato, quase como disse Pessoa, de todos, restaram uns poucos. Parece que o desespero criou nós nos elos, o grito espalhou medo e a corrida, só por vislumbre, já proferiu cansaço. A história construída antes não foi capaz de deter a lenta e profusa implosão dos vínculos. E eu fiquei aqui, tentando juntar a poeira e montar dela qualquer tipo de mosaico que reconstruísse um texto, uma crônica, uma dignidade de oi, tudo bem com vocês, comigo a vida continua, tombada na falta que vocês têm deixado, ou mesmo um resignado adeus, até mais. Eu não fui embora, só parei para respirar. Profundamente respirar. Mas pensei que o ar era o mesmo que aí. Não era? Na conversa entre os bois, fui eu o que subiu a colina. E, depois da derrocada, cá estou - de patas estendidas - em digno olá; em digno adeus; em digno até.




"Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e dizer uma coisa terrível, mas que tem que ser dita. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e ouvir uma coisa terrível, que tem que ser ouvida.... A vida é incontornável. A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai. Dói, ai, doi demaais. Mas passa. Está vendo essa dor que agora samba no seu peito de salto agulha? Você ainda vai olhá-la no fundo dos olhos e rir da cara dela. Juro que estou falando a verdade. Eu não minto. Vai passar."
(Caio Fernando Abreu)

domingo, 15 de maio de 2011

DOIS

Nada foi como eu pensei e eu já nem sei se posso mais chamar você de amor com a sinceridade de outrora. Pedi tanto que você não me desse tempo suficiente pra que eu descobrisse quem eu sou sem você... é, querido, eu tenho descoberto e, sobretudo, tenho gostado. Agora eu não sei se você pode continuar me amando assim, inteira - tentando se recompor inteiro sem me fazer sua outra metade também - ou se as coisas vão começar a caminhar para novos recomeços - você sem mim, eu sem você. Eu não sei quem é você inteiro. Quem é você sem mim? Será que podemos seguir juntos na mesma estrada, com objetivos suplementares e ainda assim de mãos dadas? Será que podemos não nos perder daqui para frente em ode à história tão linda que já vivenciamos tão almalgamadamente juntos? Olhe nos meus olhos e diga que vale a pena, que há jeitos, que há caminhos, que há versões, versinhos, canções... de amor, de abraço, beijo e carinho, ainda, a nós dois. Eu nos quero juntos, mas preciso que você queira também - um abraço gostoso só se dá a dois. E é isso. Você e eu, inteiros, e não metades de um. Quem você é agora ainda é capaz de amar quem eu sou? Um e um pode mesmo, enfim, ser dois?


sábado, 14 de maio de 2011

LOLA

Mas, como tinha de ser, Lola foi crescendo... e descobriu que o céu era enorme, que a selva tinha lá seus perigos e que alguns deles ela poderia enfrentar sozinha e desafiar a própria fragilidade; dos outros ela aprendeu a fugir. A coisa ficou mais assustadora quando ela começou a temer a própria matilha, a entender que havia desavença entre os seus próprios líderes que ela sempre tanto prezou. Aquilo a decepcionava e dividia de tal maneira que ela foi se fechando, na mesma época em que as descobertas sobre si mesma começavam a se escancarar diante de seus olhinhos e orelhinhas atentos e assustados.

Lola descobriu que podia botar ovos. Podia não era a palavra adequada. Ela botava ovos e não era algo voluntário. Era um processo doloroso e secreto, porque ela teve medo, desde o primeiro ovo ela teve medo de dizer a alguém o que acontecia. Ela sabia que botar ovos não era coisa para uma cadela selvagem. O que significaria aquilo? Cada ovo era minuciosamente diferente do outro e só era gerado depois que ela se relacionava muito verdadeiramente com algum outro cão ou cadela da matilha. Era como uma entrega. Ela não sabia o que fazer dos ovos, apenas os escondia. Não sabia se eles deviam ser chocados, se deviam ser mostrados. Apenas algo dizia-lhe que não os quebrasse. Faziam parte dela. Certa vez, por acidente, um foi-lhe quebrado e aquilo lhe doeu nas vísceras.

Ela ficava imaginando se deveria entregar o ovo à cadela ou cão a quem correspondia. Afinal, ela já havia descoberto, aquele ovo era fruto de uma relação. Certo dia Lola experimentou compartilhar seu segredo. Presenteou o cão do respectivo ovo com o próprio, sem dizer bem de onde vinha. O cão se emocionou com o presente, achou tão bonito que saiu emprestando, passando de cão em cão, até que o ovo se perdeu dos olhos dele. Mas não nos olhos de Lola.

Houve outro cão que mexeu no ovo, jogou pra cima, girou de um lado para o outro, apertou até que o ovo se quebrasse – Lola disfarçou a dor visceral – e se decepcionou porque o ovo era oco.

Até que um dia Lola conheceu um cão que parecia também guardar um segredo. Era um cão revestido de casca de ovos quebrados. Lola contou tudo a ele e, juntos, tiveram uma ideia: enterraram tudo que puderam, os ovos escondidos, as cascas dos ovos quebrados e procuraram por aí todos os ovos perdidos para que fossem recuperados e enterrados juntos também. E enterraram à parte os ovos que nasceram da relação que nascia um com o outro.

E todas as vezes em que conheciam algum cão verdadeiramente importante e botavam mais um ovo, voltavam ao mesmo lugar e enterravam o ovo. Com o tempo, no lugar floresceu um jardim imenso onde eles iam brincar com seus filhotes - que geraram-lhes mais ovos - e no lugar onde enterraram os ovos de seus encontros, como que por mágica, brotou água limpa e fresca.

E aqueles dois cães eram um segredo que floresceu na matilha e ela - a matilha - provavelmente, nunca saberia.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

TEMPO

Escrever é me expor e eu não quero contar mais nada do que me acontece. Quero que pertença tudo só a mim e a mais ninguém. Estou exausta, egoísta. Cansada de entregar qualquer coisa, por ínfima que seja, de mim, a terceiros e me ver escapando por entre os dedos e me perdendo em roteiros por onde não passei e talvez nem passaria. Estou em silêncio, tentando preservar o pouco que restou de mim nos caminhos que ainda não percorri, acompanhada ou só, acho que já não importa - já me desgastei demais no desespero de tentar encontrar companhia segura, que ande a passos sincronizados e verdadeiramente companheiros. Não quero escoar o que ficou aqui, preservado, inteiro, maciço, de mim. Embora eu reconheça, que todos esses que me desgastaram também deixaram muito de si e é só por isso que ainda resisto. Mas tenho medo. Medo de continuar. A inspiração vem de algum lugar de que o medo, hoje, é padrinho. Por isso fico por aqui. Deixo você com meu suspiro. Com a minha vontade, com o meu silêncio de turbilhão. Se um silêncio vale mais que mil palavras, hoje silêncios mil valem mais que uma.


quinta-feira, 21 de abril de 2011

E AGORA?

Os dias eram divididos entre os momentos em que ele ligava ou que nos víamos e os próximos. Os intervalos entre um e outro eram espaços longos de tempo que eu tinha de preencher fazendo tudo mais que eu não estaria fazendo se ele estivesse comigo. Com ele era tudo tão leve; sem ele, tudo tão pesado. E o que mais me entristece é que esses intervalos "sem ele" às vezes me pediam para irremediavelmente adiá-lo. Adiar a única companhia que tem me feito genuíno bem nos últimos tempos. Estamos definhando nos braços um do outro e nos amparando e acolhendo os cacos. Velando o que resta um do outro do que o mundo consome, sem dó nem piedade - rumina, deglute, mas não digere. Nos vomita na cara nossos quimos e nós que nos cuidemos. Estávamos nos cuidando. Um do outro. Mas sempre com a cruel sensação de que queriam nos deter, nos separar, de que a qualquer momento iriam conseguir nos destruir de vez, um dos dois sucumbiria e tudo iria acabar. Mas não. Eu acreditei que a gente fosse forte, não importava o nome que dessem pra isso, não importava que tentassem consertar até mesmo a nossa força: no meu mundo uma lágrima de mãos dadas a outra secam juntas pra que dois sorrisos se abram. E era essa a nossa aliança - de amor é pouco e de sempre mais. Mas hoje você foi embora, sem mais nem menos, você disse tchau, pra não sei quando voltar, e eu fiquei aqui, sozinha, preenchida de intervalos "sem ele", socumbindo... sucumbindo... eu não sei se aguento, não. Não sei se quero essa distância, esse tempo, essa dificuldade toda - por aqui não há nada que me erga. Também não sei se não quero, vai ver se eu disser não, desmorono de vez... Eu só queria mesmo dizer, amor, é que você vai fazer falta demais aqui, que o tempo vai passar arrastado, os dias vão ser longos, as noites mais ainda. E que eu não quero ter tempo suficiente pra aprender o que fazer do que eu sou sem você, então volta logo, pra abraçar o que ainda resta de mim. Porque ainda que seja ínfimo, é intenso e todo seu.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

SOBRE A INGRATIDÃO

Eu não vou pedir desculpas por corações partidos, até porque um dos que tem frequentemente sangrado por aqui é o meu. Vim mesmo foi pra dizer que meu sangue coagulou nas veias quando percebi que o jogo havia realmente acabado pra mim. Você, ao meu lado, confessando-se, amistosamente, em vias de apaixonar-se por um pobre quase(?) marginal. GAME OVER. Um cara que a quaisquer olhos seria julgado tão menos que eu. Se é, eu não sei. Mas teve você. Eu não. Com toda a volúpia que nós dois merecemos, eu não tive nada, além do seu desejo devorador, lancinante, e de dois beijos. X igual a dois - foi a equação da nossa história. Seus "olhos de ressaca" não me permitiram uma aproximação maior do que dois beijos. Lugar de "olhos de ressaca" é em pedestal e você mesma já rogou os criadores de pedestais como indignos. Ai de mim, que não pude olhar você nos olhos com essa força magnética de que só os pobres marginais são capazes. Pobre marginal é você(!), que encontrou por seus caminhos seu par, de bagagens prontas. As minhas ainda estão por aqui, entulhadas. Não peço desculpas, porque nem sei se houve, a mim, salvação - não sei se me resignei a ser um pobre medíocre (pois pobres de todos nós) ou se ainda estou esperando a coragem em me arriscar à marginalidade a que seus olhos magnéticos e beijos lascivos me convidaram. Infeliz de mim(!), creio, entulhado, continuar na fronteira. Não peço perdão porque, por aqui, o coração que sangra, frequentemente, ainda é o meu.

"Quem gosta assim não come migalhas porque é melhor do que nada, come porque as migalhas já constituem o nó que ficou na garganta. Seus pedaços estão colados na gosma entalada de tudo o que acabou em todas as instâncias menos nos meus suspiros. Não se digere amor, não se cospe amor, amor é o engasgo que a gente disfarça sorrindo de dor." (Tati Bernardi)



domingo, 17 de abril de 2011

DE BORBOLETA

Era pra ser tudo tão simples. Nós dois nos encontramos e queremos a mesmíssima coisa: amor, casa e filhos. O amor foi aos primeiros contatos, do mais puro, do mais genuíno e ingênuo. E foi crescendo e crescendo e quase - que se ocupasse espaço concreto - já nem cabia mais aqui. E passamos por tanta coisa, as coisas parecem ficar cada dia mais difíceis, tomando um rumo cada vez mais incerto de como e porquê, mesmo sabendo que por destino, por querermos tanto, de algum modo, um dia faremos - casa e filhos.

Cada instante ao seu lado é um monte de sorrisos paridos em meio a estas lágrimas; é silêncio brotado nesta montanha russa de barulho sem fim; é encontro flertando flagras de olhos que se espreitam dormir; é amor no orgasmo e qualquer tempo é lugar que é tempo de concretizar a urgência. Nunca houve tanta dor, tanta saudade, tanto medo e tanta espera numa urgência. Tanta cumplicidade, tanto cuidado e tanto amor. Tanto tanto. Muito muito.

É um texto em pausas. Porque tudo o que me remete a você é sentimento e eu preciso parar e sentir e transformar em palavras é difícil demais. Talvez por isso eu tenha pedido emprestadas tantas palavras alheias pra lhe presentear de vez em quando. E mesmo assim não são suficientes. Li da Tati Berdardi "fazia tempo que alguém não ficava tão calado enquanto eu apenas existo, fazia tempo que alguém não ficava tão perdido só porque me encontrou", mas eu diria que fazia tempo que alguém não se encontrava em si, toda vez que me encontra. Fazia tempo que eu não me encontrava em mim, toda vez que encontro alguém. Toda vez que encontro você. E a gente fala, fala, tem sempre algo a dizer, mas sempre um dizer silencioso, suave, que é como se se misturasse ao silêncio tão frágil que o mundo só consegue respeitar se calando. E quando nos calamos, tem sempre algo ali, sendo cuidadosamente dito, a beijos de borboleta, e eu queria esses momentos pra sempre.

Eu já disse que eu amo e que espero e que faço o que tiver de fazer pra que os nossos planos um dia se realizem, amor, e pra que nós tenhamos esses nossos momentos sem essa urgência maculada de preocupações, que hoje nos conspurcam a vida. E sei que você não tem feito e nem fará menos. Um dia a gente ainda agarra esse sonho e as nossas preocupações vão ser só com o nosso mundo, e não com os mundos dos outros. Porque, com reciprocidade, eu te amo. Muito muito, tanto tanto.

terça-feira, 12 de abril de 2011

DEPOIMENTO

"eu nao a achei em lugar algum, foi ela que me achou. Ela me encontrou em algum momento, e segurou minha mão, e desde então não soltamos mais. Andamos de mãos dadas por aí.
Eu me apaixono por beleza, e com ela não foi diferente. Eu gostei do seu sorriso meigo e do seus olhos, que observam fazendo perguntas.
Ela se enconde atrás dos seus textos, tão bem escritos, como se o encanto deles pudesse protegê-la de algum mal. Ela teme e admira até o mais infimo detalhe como poucos sabem fazer, e suas caracteristicas unicas fazem dela um talento raro.
os sentimentos dela, para ela, sao um misterio.
Ela questiona porque não tem certeza, porque acha que esta errado e não sabe o que é certo;
Questiona porque quer saber a verdade. boba... ainda vai descobrir que sua verdade é o questionamento em sí, e na busca por suas respostas ela vai desvendar o mundo através de suas palavras.
É assim que ela vai consertar tudo, vai me consertar, e vai consertar você, se você quiser. Ou talvez ela nos deixe mais quebrados ainda, quem sabe...
Porque ela nasceu abençoada com o dom de provocar a cabeça e o coração dos que tem o privilegio de a conhecer....
eu sei que essa habilidade quase não cabe dentro dela, e ela se tortura tentando controlar as provocações que ela mesma se faz... e se desafia e se supera, a cada segundo.
eu poderia escrever horas sobre os traços fisicos dela, tao misteriosos, causando tanta curiosidade em quem observa...
eu poderia escrever horas sobre a personalidade dela, sobre a inteligencia dela, sobre o estilo dela... sobre sua criatividade visceral.
mas na realidade, nessa realidade que ela tanto insiste em fugir, perdida em suas ilusoes e delirios, na minha realidade, palavras sempre significaram tao pouco e eu perderei meu tempo e o dela se eu continuar escrevendo.
entao eu nao escreverei mais, e me limitarei a fazer o que eu faço bem: eu sinto, mais do que todos, mais do que nunca, mais do que posso escrever.
palavras nunca foram minhas.... sempre perterceram a ela, que as usa com tanta naturalidade e ousadia...
entao eu peço, e tenho certeza que ela me concede o direito de usar das palavras, só pra falar dela e de mim, e do quanto ela é importante, porque eu a amo, e amo cada perfeição dela. Porque é só o que ela é. Perfeição pura e descarada."

Um presente de Laura Prandi a mim.

domingo, 10 de abril de 2011

BORN THIS WAY

(Para Laura Prandi)

Sinceramente, eu tremi. Dos pés à cabeça eu tremi quando a vi frente à frente naquele dia, por alguns instantes. A garota que eu sabia que arrebatara o coração do homem por quem eu fora por tanto tempo obcecada e sem nenhum sucesso. E sem nenhuma justificativa. Eu queria olhar pra ela e entender o que ele via nela, o que ela tinha e eu não tinha, o que aquele corpo carregava de tão precioso e o meu não. E eu queria poder dizer, sem papas na língua, que o corpo dela denunciava qualquer tipo de artificialidade e sacrifício das linhas forjadas pela magreza, pela postura, pela finesse, mas não. Era pura naturalidade. Havia nela algo de deveras fuzilante - quem quer que passasse por perto perceberia. E eu queria sê-la por aqueles instantes, para entender de que lugar ela estava me vendo. Eu queria sê-la para entender, aos olhos dela, o que me faltava, para que eu, simples eu, chegasse ao que era ela, ali, arrebatando tão invariavelmente a mim. Mas eu não era ela. Tive de contentar-me em admirar, invejá-la e escrever-lhe estas linhas, para dizer que posso tanto, posso muito, em mim posso qualquer coisa, mas tenho de resignar-me a não poder sê-la. Porque ela é ela e eu sou eu. E se você não pode me aceitar assim, e só pode aceitá-la como algo inalcançável, digna de pedestais, eu sinto muito, você não é digno de nenhuma de nós duas. É... agora eu gostaria de perguntar a ela como ela vê você, como ela vê toda essa gente que a coloca acima de qualquer juízo, como eu a colocava. Somos seres humanos e que tal nos olharmos assim, de igual a igual? Ela desceu as escadas dos meus pedestais e veio me cumprimentar com um sincero abraço e você continuou indigno, porque há pedestais demais aí, no seu mundo e nós temos medo de altura. Sinceramente, dos pés à cabeça, eu tremi. E subi.

segunda-feira, 28 de março de 2011

OBRIGADA, DEUS!

Há paz. Neste momento em que, canhota, escrevo, enquanto o cigarro queima, quase esquecido, à mão direita, ouço os carros e motos passando na rua. Meus pensamentos vagueiam por tudo o que não me acontece agora, por tudo o que não me incomoda. É silencioso, quase nostálgico. É tênue. É um bater de asas de um pássaro que... passou. Um barulho de algo que caiu. Um dever deixado de lado por alguns instantes. É um suspiro. Algumas pausas. Um não-sei-o-quê de palavras não ditas - nem dizíveis. É um minuto de visceral paz. Finalmente. Sinto. Sinta. Paz.

sexta-feira, 25 de março de 2011

SOBRE A TEMPERANÇA

Temperanca. É assim que comeca este texto, pois que já estou de saco cheio de excessos, de faltas, de pessimismos e vaidades. Crise existencialoide já virou vaidade. Para que fugir do que cada nascer do sol traz consigo? Para que viver muito futuro que nem sabemos se assim virá? Ou num passado que mal se sabia, quando foi? São culpas e mágoas e ansiedades demais a serem admnistradas a troco de complexamente incertezas. O certeiro é o hoje, o agora e o melhor que podemos fazer dele por e apesar de. Somos feitos também brisa, peixe e pássaro. Só nos falta a prática de naturar.


terça-feira, 22 de março de 2011

SOBRE A PLENITUDE

Às vezes tenho de conviver com este vazio que é querer pessoas a perseguir mas sentir-me impelida a não fazê-lo, talvez pela própria inércia. É um querer estar sozinha, sem querer. Ou um não querer estar sozinha, em verdade, querendo. A solidão de fato, esta sem pessoas em volta, que sempre me aterrorizou tanto por sua possibilidade, hoje me desaquieta pelo seu excesso de paz. Há, aqui, uma paz que grita para que alguém mexa nestas águas - uma pedrinha, um aguar de pés, que seja, não precisa ser necessariamente um mergulho. Aliás, não mergulhem mais em mim, sou hoje represa cercada, visto o perigo que me ronda: cada um que aqui mergulhou saiu contaminado de minhas águas e, nesse mergulho, invariavelmente, a cada nova vez, eu me afoguei nas profundezas sem modéstias de mim mesma. Uma represa perigosa, embora frágil, cercada, bem em meio a uma metrópole povoada de vândalos, ingênuos e indiferentes. Quem passará por mim com olhos, mãos e pés de... sou feita para brisas, peixes e passarinhos. Os transeuntes que observem e se deliciem com o transcorrer deste - eu - insuspeitável bioma.

domingo, 20 de março de 2011

DONA

Eu queria, numa hora destas, ter palavras a dizer a uma mãe que sofre, uma mãe que já tentou de tudo, que já apanhou da vida de todas as maneiras possíveis. Mas eu não tenho nada, além da minha solidariedade, além da minha disposição, além do meu abraço. Queria poder dizer que as coisas estão assim por isso e é assim que se resolve, mas eu não sei porque as coisas estão assim e eu também não consigo prognosticar. O que dá pra dizer é que você foi e é suficiente, é importante, é o máximo que pode, é e dá o máximo de si e não há do que se culpar. A vida às vezes nos prega peças e a gente ou se entrega ou se fortalece pra montar, das peças, os mosaicos. Você, mãe, é forte. Você é o ser que, quando nasceu mãe, nasceu para montar mosaicos de sorrisos e lágrimas, de carícias e porradas. Você é o mosaico da própria existência e não há o que questionar. É, parece-me, uma questão de abraçar colando agora e a qualquer momento todos os cacos e não de fingir que eles não estão aí. São cacos coloridos que, quando reorganizados, remontados, transformar-se-ão em arte ancestral materna, que só você é capaz de criar. Crie(-se), reinvente(-se), comemore(-se), a cada novo baque que espatifar tudo pelo chão - é a matéria prima da sua obra sendo gerada. Orgulhe-se. A grande obra apolínea e dionisíaca de arte, tudo ao mesmo tempo, ontológica e ôntica, é você. Disseram que o impossível é o que ninguém tentou. Você é a dona do impossível. Deus lhe abençoe.

"Escuta, meu filho, recebe um sábio conselho,
não rejeites minha advertência.
Mete os teus pés nos seus grilhões,
e teu pescoço em suas correntes.
Abaixa teu ombro para carregá-la,
não sejas impaciente em suportar seus líames.
Vem a ela com todo o teu coração.
Guarda seus caminhos com todas as tuas forças.
Segue-lhe os passos e ela se dará a conhecer;
quando a tiveres abraçado, não a deixe.
Pois acharás finalmente nela o teu repouso.
E ela transformar-se-á para ti em um motivo de alegria.
Seus grilhões ser-te-ão uma proteção, um firme apoio;
suas correntes te serão um adorno glorioso,
pois nela há uma beleza que dá vida,
e seus líames são ligaduras que curam.
Com ela te revestirás com de uma vestimenta de glória,
e a porás sobre ti como uma coroa de júbilo."
(Ecl, 6; 24-32)

TERMÁTICA

E agora é você quem me diz que vai dar tchau por um tempo e eu não sei o que será de mim sem você por perto. Eu aceito, eu espero, mas não sei o que será de mim. Eu saberia, se fosse um adeus, porque não sou acostumada a meios termos - eu saberia lidar com o extremo, amor.  Mas o meio termo é que mexe de verdade com o mais extremo de mim: da saudade, do medo, do caos, da solidão e do próprio amor.  Tenho medo de me doar ao extremo, de me arriscar extremamente ao meio termo sob pena de qualquer possibilidade de fracasso. Mas, pela primeira vez na vida, vou mergulhar nisso, corresponder ao seu "até mais" e fazê-lo florir com você o que pudermos, cada um na ausência meio-termática do outro. Nos extremos, enfim verdadeiros, das nossas doações, nos extremos enfim verdadeiros do que somos capazes de receber de alguém. Por amor, aprendendo, ensinando. E esse alguém sou eu. E esse alguém é você.

"Mudai, Senhor, a nossa sorte,
como as torrentes nos desertos do sul.
Os que semeiam entre lágrimas,
recolherão com alegria.
Na ida, caminham chorando,
os que levam a semente a espargir.
Na volta, virão com alegria,
quando trouxerem seus feixes."
(Salmo 125; 4-6)


sábado, 19 de março de 2011

(DES)LEMBRADO

Não é que eu vá me esquecer - é que para o meu próprio bem, farei questão de não me lembrar. Para quê lembrar do que você fez de mim, dessa maldade que provavelmente nem você sabe de onde veio? Já me basta saber. E o que eu farei disso é tocar a vida, como se não soubesse, pois que quem não se lembra, não sabe. Faz de conta que é mais um delírio, uma fantasia com sentidos outros que não a realidade com sentido em si. Faz de conta que você fez tudo certo e foi o melhor do mundo, como todo mundo adora alardear, mesmo eu sabendo que você não foi. Há mágoa? Não. Tristeza, há. De haver confiado tudo. É engraçado não poder confiar nem nas pessoas em que a gente mais deveria poder confiar. Mas isso faz a gente mais forte. Eu que sempre me achei tão fraca, uma casquinha de ovo, sinto-me hoje uma muralha de pedra, por ter suportado sempre tão tudo em meio a esta avalanche de vida que tem sido os anos que transcorrem - sem precisar enumerar os fatos, você bem sabe. Eu vou ficando por aqui, não há muito mais a dizer, além de que só vim atestar meu deslembramento, meu desmembramento, meu desvincular dessa história triste que até hoje foi. Hoje recomeça. De outro jeito, por outros caminhos, em novas companhias, com novos confidentes, que amigos são a família que a gente pode escolher, acho que foi assim que em algum lugar li. E venho eu reconstruindo minha vida, minha família, meu presente e meus horizontes. Obrigada por fazer de mim a muralha que sou hoje. Está perdoado. Deslembrado e perdoado. Amém.

sexta-feira, 18 de março de 2011

NICHOS

Nem raiva você merece de mim. É, você mesmo, que está aí, atravancando meu caminho, como diz Quintana - você, sim, é a centopéia que passará e eu, passarinho. Nem inveja, nem desdém, nem nada dessa feiura que eu escrevi anteriormente... nem estes textos horríveis você merece, ou melhor e aliás, é isso o que vocè merece, apenas estes textos horríveis, você, que fica aí, sentado nessa cadeira suja de bunda quente, achando que manda e desmanda na burocracia que nem é sua, de que nem você entende direito. Você sabe o que é burocracia, ao menos? - Só por curiosidade, teoricamente falando. Não, você não sabe e eu não vou me dar o trabalho de lhe explicar, porque não é o que você faz. O que você faz é dificultar e apedregulhar o caminho dos que querem chegar aonde você não chegou e o nome disso não é burocracia, o nome disso é inveja, é amargura, isso sim é niilismo, é raiva, é vida jogada fora que você tenta desesperadamente fazer gente como eu sentir por você pra que você mesmo pare de sentir. Mas você é tão fraco e tão pequeno e tão mesquinho e tão solitário e tão sem asas e sem pernas de centopéia - porque centopéia, de cem pernas poderia ao menos dançar -, que você apenas se arrasta e dá botes e destila venenos. Do seu veneno gente como eu faz soro antiofídico, lhe pega pelo pescoço, lhe enforca na própria corda, coleciona seus guizos. É isso aí, gente como eu coleciona seus guizos e sai voando, dançando em cem pernas, serena e pacientemente, enquanto você continua aí, no seu nicho feio e nojento. Gente como eu faz música percursionada do seu guizo... tsc tsc tsc... tsc tsc tsc... que se mistura com o barulho das asas, e os passinhos dançantes sincrozados de centopéias agitando freneticamente. É por causa de gente como você que existe gente como eu, Graças a Deus, que escreve certo por linhas retas. E a epifania chegou. Bom dia, cobra no banco do bote. Vá trabalhar que eu vou colecionar e tocar guizos, e bater minhas asas pra que centopéias dancem. Cada um no seu nicho. Desde já, grata.


quinta-feira, 17 de março de 2011

DE NIETZSCHE

É inveja, é revolta, é desdém - dos mais puros - o que eu sinto agora. Dessa gente obviamente muito menos competente, menos inteligente, menos sensível, menos sagaz do que eu, que, de repente, como se eu merecesse o castigo, enquanto minhas genuínas asas amarradas observam, alça vôos com asas de papelão. Como é que pode eu me deixar mutilar deste jeito? De onde foi que vieram estas amarras? Como me desvencilhar delas sem  podar minhas próprias asas para não ser passarinho a ciscar no chão? Chão não é lugar de pássaro e céu não é lugar de centopéia. Chovem centopéias com asas de papelão. Está tudo errado. Errada estou eu - e quem sou eu para julgar alguém centopéia no sentido mais pejorativo da metáfora? Que lírica horrorosa! A mais feia que já escrevi. Pois é como está o meu mundo - invejoso, cheio de raiva da vida, dos outros e de mim mesma. Como foi que (não) cheguei aqui? E desta feiura eu nem ao menos consigo arrancar uma sequer palavra avassaladora de esperança, um mínimo clímax ou qualquer reticência que termine o texto em epifania. Paciência? E se eu não amanhecer viva? O que foi da minha vida? Palavras jogadas a um vendaval de desabafos (in)sensíveis? Terá isto algum valor diante de Deus? Terá isto algum valor aqui, diante dos homens? Lágrimas no papel turvam a vista, as linhas vão se acabando junto com o texto. Não há mesmo mais nada a dizer... deve ser este o tal do niilismo.

terça-feira, 15 de março de 2011

SOCIPSISMO

E eu continuo aqui, expelindo todos os nãos que ainda mantenho retidos - pleonasmo? - em mim. Não é você ou ele ou ela que eu coloco pra fora pelos buracos do corpo, descobri. Sou eu mesma: são os meus próprios desejos contidos, enraivecidos, depois de compulsivamente devorados. Não cabem. É um excesso que não dá pra guardar sozinha. O mundo precisa aceitar, o mundo precisa saber, o mundo precisa aprender a lidar comigo e eu preciso aprender a lidar com o mundo. De que me adianta este ciclo imbecil de devorar e vomitar excesso de mundo, sem limites, sem sabores, sem prazeres? É só dor e asco. De que me adianta a espera de que algo maior me aconteça pra que tudo isso pare? Um remédio, uma sessão terapêutica, um dia de sexo selvagem, um conto de fadas eterno - se nada disso existe, o que existe sou eu e o que posso fazer de mim e do que o mundo faz do que eu faço do que o mundo faz de mim que faço do mundo. O que eu tenho feito do mundo? Este lugar perigoso, em que qualquer gesto ou palavra ou desejo pode se voltar contra mim. Coisa da minha, e só da minha, cabeça. O mundo é lugar de receber e dar, sem tantos medos. Há que se desconfiar, pois que não vivo sozinha, mas nem tanto. É hora de moderar e emagrecer de desejo, pois que o desejo não é só meu. É hora de me equilibrar e andar nas duas pernas, pois que as duas são minhas e ninguém é obrigado a me servir de escoro. É hora de descobrir que há mãos que querem se dar. Aqui e acolá. E a hora é agora. Até já.

segunda-feira, 14 de março de 2011

BOREN

Porque você passou por mim dançando, desde o início, dançando. Em silêncio. Se esfregando no meu corpo, nas minhas vísceras, sem me invadir de remorso ou sentimento de morte ou posse ou inveja. Você passou por mim dançando meu corpo no seu corpo no meu e tudo numa única sinfonia de pureza e fraternidade que nunca passaram. A verdade é que você não passou. E por mais que isto pareça uma declaração de amor, é só amizade, amigão. É só vontade de dizer que você não vá embora nunca porque descobri finalmente em você alguém despretensioso, com quem posso compartilhar qualquer silêncio sem esperar (dar) nada em troca. Porque você improvisou comigo, você dançou, em silêncio verborrágico, você sorriu, quase chorou, você se meteu e fez sexo, sem fazer, aonde foi chamado, chamou, sem ser. Seja. Esteja. Permaneça. Sempre bem vindo. Porque meu silêncio dançante ainda é seu e eu quero que o seu, se e quando possível, ainda seja meu. (Des)obrigada.


sábado, 12 de março de 2011

QUALQUER

Comi demais. E vomitei você por todos os poros. Eu não sei, na verdade, o que me acontece, esse excesso de presença, de companhia. Parece dependência, controle, asfixia, mas não tenho certeza se é. Parece amor. Porque eu também tenho medo de que você me saia pelos buracos do corpo, eu quero reter, eu quero amarrar, eu quero proteger tudo o que você é, tudo o que junto somos e planejamos ser. Sinto medo da minha própria ingratidão. Meu Deus, como pode uma criatura tão ingrata quanto eu? Eu não aguento você falando e falando pelos cotovelos patota aos meus ouvidos sem parar e se emburrando à toa só porque chegou a hora de dizer até amanhã. Eu não aguento esse abraço o tempo todo, mas eu quero, eu também não aguento perder você. Como pode uma criatura tão egoísta, Senhor? Eu nem sei se minto se disser que não preciso de mais, eu acho que minto, sim. Eu preciso de mais, preciso de mais pessoas, de mais assuntos, de mais lazeres, de mais objetivos, de mais atividades, de menos passividades. Eu preciso do controle. Mas parece que você também precisa. Como é que faz quando a gente ama alguém que quer muito a mesma roupa na vitrine que a gente quer? Você leva a parte de cima e eu a de baixo? A gente leva o conjunto inteiro e ora usa um, ora usa outro? Tem que haver um jeito de a gente não se perder nesse abismo que está se transformando o casamento que já é. Tem que haver um jeito de o amor e a história e a vontade e a construção a dois serem suficientes. Deve haver um jeito. Se não houver, eu crio, eu faço, não se preocupe,  vai dar tudo certo, não precisa ter medo, eu estou aqui. Melhor ainda, estamos aqui.

sexta-feira, 11 de março de 2011

TODO DIA

Agradeço, Pai,
por suportar nos ombros o mundo,
abrigar nas mãos o meu peito.
Por doar a mim os seus dias,
lutar contra os próprios medos,
superar cruéis limitações.
Por construir, no amor, nosso teto
e manter, na fé, nosso chão...

Agradeço, Pai,
por presentear-me, todos os dias
com o calor da sua existência,
a aquarela do seu sorriso,
a força da sua amizade,
a pureza do seu abraço.

Agradeço, Pai!
Qualquer presente, porém,
é gota no mar do seu merecimento.
A mesma gota salgada
que os meus olhos inunda
ao dizer o quanto o amo e,
oportunamente, transborda,
todas as infinitas palavras
que eu nunca conseguiria dizer.

quarta-feira, 9 de março de 2011

O QUE HÁ




terça-feira, 8 de março de 2011

VEM

O medo é grande, meu amigo. Agora que parece estar tudo bem, o caos mental finalmente organizado, pensando tudo direito no lugar certo, se é que há, fica difícil acreditar em alguma coisa para além do Céu e da Terra. É por isso que peço sua presença, não se distancie, fique aqui, por perto. Mostre a mim, como você sempre faz tão bem, que é possível unir a razão e a esperança; que a fé de que vai dar tudo certo, quando tudo em volta parece apático, pálido e sem saída, pode criar algum e qualquer tipo de redenção - para mim e para o mundo. Eu não quero descrer. Não quero desistir de esperar, de treinar minha paciência, de acreditar sem ver. Mas preciso de você por aqui, amigão. A tentação da razão é forte e por vezes me enfraquece o instinto. E eu quero também o instinto. Eu quero muito a mim, mas quero mais ainda você.


domingo, 6 de março de 2011

À MINHA MÃE

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Obrigada por cantares a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doida ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Por ninares o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Por repousares a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Por dizeres à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Por expulsares a angústia imensa
do meu ser que não quer e que não pode
por dares-me um beijo na fronte dolorida
quando ela arde de febre, minha mãe.
Por aninhares-me em teu colo como outrora
e dizeres-me bem baixo assim: — Gabi, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão e teu pai, que os estudos adormeceram
A Futica pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, minha filha, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu.
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Continua
- dize que eu fique
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu ainda tenho medo, minha mãe.

(Vinícius de Moraes, adaptado)



"Mãe... São três letras apenas
As desse nome bendito:
Também o Céu tem três letras...
E nelas cabe o infinito.
Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disse
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer...
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do Céu
E apenas menor que Deus!"

(Mário Quintana)

sexta-feira, 4 de março de 2011

quinta-feira, 3 de março de 2011

MONTE CASTELO

Que desencontro é este? Será que você não percebe o quanto, por nós dois, também eu tenho me esforçado pra melhorar? Pra quê cobrar amor toda hora? Pra quê duvidar? É claro que eu sinto raiva - algumas coisas, sobre como vejo o mundo, estão bastante erradas e isso me eriça. Mas não é porque eu sou tão humana, a ponto de esbravejar, que falta aqui amor. Sobra amor, amor. O que não dá é pra tolerar desconfiança, ingratidão. É injusto comigo, é injusto com você, que temos tentado, duramente tentado. Desculpe se nem tudo eu consigo - não sou mesmo perfeita, mas nem perfeito é você. E, mesmo assim, amo. Muito. Demais. Porque foi assim que, desde cedo, aprendi, a la Drummond: "e na concha vazia do amor a procura medrosa, / paciente, de mais e mais amor. / Amar a nossa falta mesma de amor, / e na secura nossa, amar a água implícita, / e o beijo tácito, e a sede infinita." E eu amo, assim, você. Mas é assim que, a mim, tão igual e infinitamente, também eu amo.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

SOBRE RODOVIÁRIAS E CEMITÉRIOS

Tantas pessoas vêm e vão num espaço de tempo que é e parece sempre tão curto... e a gente parece sempre estar neste lugar cruel de quem fica, de quem, mesmo tocando a vida, mesmo escrevendo lírica, espera o próximo (re)encontro. Que será de nós-emigrantes nos corações alheios? Será que a espera de lá é igualmente doída, ansiogênica? Será que dá neles vontade de que saibamos tudo o que lhes foi na nossa suposta cruel ausência? Será que na hora do (re)encontro esses anseios todos se esvanecem e dão lugar ao silêncio, mesmo falado, do simplesmente existir? Eu nunca antes reparei, mas posso apostar, aqui, em espera, sinceramente, que sim.


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

CHICO DE DEUS

Meninada, hoje vou contar a vocês a primeira história. Ela fala de um menino que conversava com Deus. Ele nem sabia que era Deus - chamava de João, seu amigo invisível. O nome do menino era Chico. O Chico perguntava e o João respondia. Batiam o maior papo. Chico descobriu que João era feito de luz azul e falava todas as línguas e que o universo era imenso e existiam vários universos diferentes deste e, neles, outros humanos, parecidos com estes; e que João também tinha amigos - feitos de luz e feitos Chico.

Chico também contava suas coisas, ouvia e sabia muito bem de quase tudo, mas ninguém acreditava nele - mandavam pra psicólogo, psiquiatra, benzedeira, pra ver se parava com aquela ideiada boba e essa conversaiada sozinha. E Chico foi ficando triste, coitado... por que João não se mostrava a mais ninguém para provar logo que era de verdade? Por que deixava todo mundo achar que Chico estava era mesmo doido, todo zuado da cabeça?

E o Chico, com raiva, foi crescendo e mandando o João calar a boca. Mas não teve jeito: o João gostava mesmo daquele menino e era dele mesmo que ele gostava, e não precisava de mais ninguém saber, não, ninguém mais acreditaria mesmo, nem sabendo, como o Chico bem acreditava. Então João insistiu um cadim, até que voltaram a ser best friends. Um dava palpite na vida do outro e tudo... era bonito de (não) se ver.

É como disse o Mário Quintana: "Deus é mais simples do que as religiões." E mais: "por favor, deixa o Outro Mundo em paz! O mistério está aqui."

CISNE LIVRE

Pois que, como disse Che Guevara, "sonhas e serás livre de espírito... lutas e serás livre na vida". O espetáculo de autenticidade, ao contrário do que o mundo espera, é só seu, e de mais ninguém. É atingir o ápice do que se almejava.  É saber-se e alcançar o não mais desejo. A realização pessoal está dada e o que vier depois é luxo, brinde, dádiva. Não corresponde à perda de inocência, mas à reconciliação dela com o seu contrário - a afetação. Descobrir-se é entregar-se a si mesmo e ao mundo com a paixão de quem acredita naquilo que busca, sem demagogias.  É delirar realidade para alcançar lucidez. É cravar em si a estaca do próprio espelho - dói, fere e escandaliza, mas não mata.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

CARTA

(para Mário Quintana)
Carmo do Paranaíba, maio de 2005.

Meu caro Mestre,
devo e preciso agradecer toda força e empenho em superar tuas míseras dificuldades discursivas e expositivas para dedicar-me tão satisfatória resposta. Veio, de fato, suprir a urgência que eu tinha destas simples, porém intensas palavras. Meus gritos andavam mudos e perdidos em tamanha emoção. A posteridade possui, deveras, o dom de minguar minha já pequenina existência. E o pouco que resta de mim não tem conseguido transcender meus limites a ponto de desabrochar em versos tão imensuravelmente radioativos. Ainda assim, minhas verdades continuam vivas e crepitantes, aspirando momento e fôlego oportunos para se universalizarem, quase tão pretensamente apócrifas quanto as tuas.

Tuas linhas aborreceram-me, porém eu não as rotularia entediantes: acenderam em mim fogo e audácia nunca antes sustentados por minhas mãos trêmulas. Afinal, acostumei-me à ingenuidade em crer que cada poesia tem maneiras, motivos ou fundamentos literariamente palpáveis ou dizíveis.

E, talvez por isso, eu tenha tentado discutir contigo essa tal literatura. Não havia percebido que os grandes não o espalham aos quatro cantos: deixam em paz a poesia, amam-na baixinho, pois conhecem toda a força de sua brevidade. E, mesmo aos sussurros, conseguem mantê-la segura – como se somente os verdadeiros poetas pudessem entender a metalinguagem: a explicação do inexplicável, o alcance do inatingível. A poesia é, enfim, um tesouro sem excessos, o mais belo de todos, dotado de um parasitismo quase tão ininteligivelmente profícuo quanto a própria vida.

É por tudo isso, meu Mestre, que ainda temo entregar-me completamente ao sádico hedonismo de meus versos. Esta freqüente luta por vezes enfraquece-me e faz-me querer desistir da estimada bênção poética. É, no entanto, meu mais atraente desafio: conseguir, daqui a vinte anos, escrever tão pálida ou expressivamente quanto faço hoje, aos dezessete. E os truques da moda sim, que desconfiem da aparente efemeridade de tantas entrelinhas!

A métrica tem sido a explicação mais formal, plausível e lógica para o perfeccionismo de um genuíno poeta em relação aos próprios versos. É, não a causa, mas o resultado racional - mais ainda, matemático - de todos os cortes contorcionistas por que o poema passa até a sua conclusão: o soneto só tem dois quartetos e dois tercetos porque, conservador e inabalável, se sentiu melhor assim. Já os versos livres são iconoclastas infatigáveis dançando, frenética e pornograficamente, um tango lexical. Ambos conseguem, assim, transbordar, lenitivos, as essências líricas de seus respectivos eus.

Toda a confluência que tenho experimentado apresenta-me grandes amigos. Amigos que sempre estiveram comigo. A quem, aos poucos desembrulho. E desembrulho-me. E, se a ti respondo, é porque respondo, assim, a todos eles. Obrigada, meu caro Mestre. E apareça-me sempre.


domingo, 20 de fevereiro de 2011

BILHETE A UM JOVEM POETA

Eu li tudo, mas só corrigi as primeiras poesias e coloquei algumas dicas técnicas ao longo delas. Em geral, gostei muito do conteúdo, mas posso dizer que, dos finais dos poemas, alguns me soaram pobres. Além de prezar pelo minimalismo, o que a Clarice Lispector deixou como dica, e você já faz, um poema tem que vir com um clímax, uma virada, uma fenda para que o leitor interprete o que quer que seja à sua própria maneira. É bom impessoalizar nossa escrita, para que mais gente se identifique com ela. Como? Você fala dos sentimentos, mas não fala dos fatos – nesses poemas foi os em que eu achei que você foi mais feliz. Ou fala dos fatos internos, usando metáforas, analogias, como no poema em que você usou o futebol, Tafarel, etc. No mais, você está no caminho certo. Se tenho alguma autoridade para julgar o assunto, vejo sim, potencial na sua escrita. Parece-se muito com a minha, quando comecei. Ainda vai amadurecer um bocado. Não pare nunca de ler, de receber suas “influências”, são o que de melhor nos fazem lapidar. Vou lhe indicar dois textos ótimos, um do Caio Fernando Abreu, chamado “Carta ao Zézim”, e o outro, do Mário Quintana, “Carta a um Poeta”. E é isso aí. Continue. Não pare, não. Se lhe faz bem, se é disso que você gosta, e eu gosto do que já é e do que pode vir a ser, continue muito, continue sempre. Um grande abraço.

Gabi.


Tá aí a "falta de ânimo", o porquê de eu não passar no "Ídolos" - vergonha. Tenho vergonha de cantar até pra câmera. Tem também o cigarro que está fodendo com a minha voz. Aliás peço sugestões aqui de músicas pra cantar (vou pedir a alguém, em quem eu confie, que me filme), de estratégias pra parar de fumar e de assuntos novos sobre o que escrever. E até mesmo de lugares pra onde mandar meu currículo pra conseguir emprego, eu tô aceitando. Valeu, pessoal! Desde já, obrigada. Este post, com o vídeo, eu dedico à Ariana.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

EIS A QUESTÃO

A menina cresceu. Depois de ver passado, presente e futuro diante de seus olhos, ela cresceu e não sabia o que fazer disso. Sentia-se perdida na multidão. Procurava amigos com quem pudesse conversar, mas não podia compartilhar todos os seus segredos numa terapia e nem um amigo podia-lhe ser terapeuta para tirar-lhe o medo de viver. E ela precisava juntar tudo, mas não sabia por onde nem como começar. Simplesmente não sabia como nem mesmo descrever. Deixava-se levar – pelas horas, lazeres, acontecimentos, orações, palavras, companhias, comidas, sonos, que, embora fossem abundantes, não pareciam nunca suficientes. Havia tanto medo naquele hiato entre uma coisa e outra, tanto medo de ser o que tinha de ser. Tanto medo de não ter mais perguntas. Era isso – faltava-lhe perguntas. Então ela se apegou à pergunta, talvez, desaprisionadora: qual pergunta faltava? E lhe vieram outras: será que as respostas encontradas eram mesmo certeiras? Seria possível refazer, reconstruir a si mesma passado, presente e futuro que pareciam agora tão cristalizados? Por onde ela começaria? Pelo presente e futuro, ela pensou... chega de passado, que passado reconciliado não precisa descristalizar. Era hora de se mexer pra refazer qualquer coisa mudar, em silêncio, dançando, cantando, poetizando, não importava. Havia chegado – aquela era a hora exata de agir. Aquela era a hora exata de se crescer-encontrar.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

MINEIRINHO

Era um criminoso. Um homem bem ruim, daqueles que outro homem não conseguiria perdoar. Talvez nem ele mesmo conseguisse perdoar-se. E foi na correria, fugindo da polícia, daquele policial em fúria, pelo que ambos sabiam ser o pior crime do mundo, que Mineirinho morreu. Mas ele, antes, correu, correu muito, sem saída, já clamando a Deus que desse-lhe o perdão que nem ele mesmo podia. Mineirinho corria e chorava. Foi pelas costas que o tiro chegou, bem no meio das costas. Caiu de cara na poça d’água – era tarde de tempestade, eu ia me esquecendo de dizer. E o policial, antes que se afogasse, quis olhar no seu rosto, pra, quem sabe, chutar sua cara e atirar mais umas dez vezes. Aproximou-se, desafogou-lhe a cara da lama, a tempo de olharem-se longamente nos olhos um do outro. Perderam-se naquele olhar. O crime já era o mesmo – a prepotência, a incapacidade de perdão, a ira. Foi quando percebeu que a poça d’água-lama era apenas espelho. E Mineirinho ele mesmo era. Mineirinhos eram ambos. Mineirinhos, naquele momento, de apenas um tiro e olhos nos próprios olhos, morreram. E é assim que escrever pode mudar as coisas, Clarice. E você mudou muitas, ao menos em mim.

SOBRE PICTOGRAFAR

Perceba simetrias e dissimetrias, encontros e desencontros entre as cores, cujas nuances, linhas e contrastes revelam as lentes sob as quais um fotógrafo vê o mundo. Ver o mundo é um dom e, vê-lo assim – entre poesia e rudeza, entre o fantástico e o real – é o dom de Elisa Maria Rodrigues Barboza. Aventure-se e experimente, você também, ver o mundo através dos olhos dela.



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

SAUDADE

Vou falar da saudade que dá. Por antecipação, já é saudade, antes mesmo do tchau. É saudade, é ciúmes, é medo. Eu sinto tanto medo, amor, de perder você, de me perder de você e me desencontrar no mundo de novo, na insanidade, na solidão. Não faz assim comigo, não diz tchau nunca, fica por perto pra sempre, deixa eu poder olhar nos seus olhos e tagarelar com você sem pausas, deixa, por favor. Eu preciso tanto... preciso tanto continuar protegida nesta cápsula de vidro que é o seu abraço, que era o abraço da minha família, eu não sei viver fora daqui. Pra quê essa história de crescer, conhecer novos mundos, se o que eu quero da minha vida, a sua companhia eterna, eu já encontrei?! Você mesmo disse que eu posso ser mãe de quem eu quiser, dos seus filhos, mesmo menina, mesmo sua pequena... pra quê macular meu coração de adultez? Já basta minha cabeça, que às vezes sente ter uns duzentos anos, de tão velha. Eu queria falar comigo mesma, mais sábia, pedir um auto-conselho, mas como eu mesma só me digo volta, não vai, fica aqui, deixa eu ser sua menina - eu peço um conselho à Clarice e ela me vem com essa: "Sou uma pergunta. Por que não há respostas?" - nenhuma suficiente, melhor parar de perguntar. É que devo estar sempre fazendo a pergunta errada. Será que se eu inverter o conselho, e me dizer sou uma resposta porque não há mais perguntas, basta? Eu não sei amor, só sei que perguntei de novo, e eu só vim falar de saudade.



"Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas... Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo." (Caio Fernando Abreu)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

SOBRE TODAS AS PERGUNTAS

"Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado pra adorar o Criador
E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor
Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador"
(Chico Buarque)

E Deus disse: "Ame mais o seu homem e o mundo, depois a mim; você é dele e do mundo. Depois de mim."




"Deus não é o autor da morte,
a perdição dos vivos não lhe dá alegria alguma.
Ele criou tudo para a existência,
e as criaturas do mundo devem cooperar para a salvação.
Nelas nenhum princípio é funesto,
e a morte não é a rainha da terra,
porque a justiça é imortal."
(Sab, 1; 12-15)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

MILAGRE

"E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano." Clarice Lispector

Sabe, Clarice, hoje, depois de conversar tanto, em sonho, com Deus, acho que a conclusão é outra: o que o ser humano mais aspira é tornar-se Deus, enquanto o que Deus mais aspirava era tornar-se humano. Mas sinto que hoje o Milagre aconteceu.



domingo, 13 de fevereiro de 2011

ELISA SOFIA

- Então o Senhor aceitou a minha sugestão e estão em festa lá no Céu agora?
- Estão.
- Que música está tocando?
- "Panamericano"
- Haha! Sério?
- (risos) É.
- Você viu a Janis Joplin por lá? Ela mandou algum recado pra mim?
- É. Ela disse pra você tentar o Ídolos de novo no ano que vem. Com a música dela.
- E o Mário Quintana?
- Quem é esse? Teve um velhinho que mandou um recado pra você continuar escrevendo.
- Mesmo? (choro) Eu achava que ele era minha alma gêmea atemporal. Foi meu primeiro ídolo. Foi inspirada nos poemas dele que comecei a escrever, sabe, escrever mesmo, de verdade?! Vou te mostrar a foto no Google.
- É esse velhinho gagá mesmo. Dei um abraço nele e disse que foi você quem mandou.
- Obrigada, Deus... mas, e o Senhor, como fica nisso tudo? Tem que arrumar uma companhia pro Senhor. O Senhor não gosta de beijo, abraço, sexo?
- Eu sou um espírito de luz, não tenho sexo, entende? Estava todo mundo lá em cima lendo o seu blog.
- Mas nem um espírito de luz merece a solidão. Vamos arrumar alguém e o Senhor convida pra ser espírito de luz e te fazer companhia. O Senhor também leu meu blog?
- Eu não sei ler.
- Ah, é. A Leitura é coisa do homem, da Ciência, o Senhor é do Sagrado. Mas a idéia não era unir a Pangéia e a Aritmética? Sabe, tinha uma velhinha, vizinha da minha avó, desde que me lembro dela, quando eu era criança, ela era muito solitária. Morreu sozinha. Eu chorei quando ela morreu. (choro)
- Por quê?
- Por que quando a gente era moleque a gente fazia diversão atazanando ela. O Senhor sabe o que é track? Aquelas bombinhas que estouram? Ela dormia cedo e a gente tacava track pra estourar na janela da casa dela. Ela amanhecia toda nervosa... deve ter tanta gente, né, Deus, que tira a vida, pra se divertir te atazanando?
- É...
- Mas deve ser um monte de crianças, digo, que não cresceram ainda espiritualmente.
- É...
- Sabe, o nome dela era Joaninha, a casa dela tinha mau cheiro.
- Por quê?
- Acho que porque ela não se importava em tomar banho, em limpar a casa... também, não tinha pra quem estar limpa, né?
- ...
- Por que o Senhor não convida a Joaninha pra ser seu espírito de luz de companhia? Conversa com ela e depois me conta.
- Ai... minha vida é tão difícil!... (...) Então me beija.
- Mas que beijo mais... primário! Não é assim que se faz, é assim, ó!
- Entendi, amiguinha.
- (risos) E eu aqui psicologizando Deus. Mas era isso né, união do Sagrado com o Humano?! Conversa lá com ela e depois me conta!
- Pode deixar. Até amanhã. Dá cá um abraço.



Elisa: Variação de Elisabete, que significa consagrada a Deus.
Sofia: Grego, significa sabedoria. 

DE NOVO

"O Céu é azul e cheio de corpos, não tem só almas." E eu disse: "Mas então o céu é aqui na Terra." "Não. Lá eles só ficam rezando." "Mas e as coisas boas que tem aqui na Terra? Sexo, música, arte, se tem corpos, tem que ter coisas pra matéria se divertir também, não só o espírito. Tem gente que faz de tudo aqui na Terra porque acha que no Céu só vai rezar ou no inferno só vai queimar, então a única oportunidade de se divertir é aqui. Quer mudar  a Terra, muda o Céu também, Deus, o que você acha?" "Vou pensar", ele disse.


MAIS

E Ele continuou: "Ser Deus é mais difícil do que ser humano. É um tédio. É solitário. Quando criei tudo, era só  uma criança, não sabia que ia dar no que deu. Mas ouço a todos que me solicitam. Não atendo a todos porque nem todos merecem. Traz um copo d'água? Sim, eu acredito em você." Achei justo.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

DEUS

E a criança criadora, solitária e inconseqüente, encontrou companhia e cresceu - "quero unir a Pangéia e a Aritmética", foi o que Ele disse. E mais: "Por que você não vira uma psicóloga-hippie? Você viaja demais!". Eu gostei.

SOBRE CRESCER


"De mãos dadas com minha infância

Eu te pressinto correndo ao meu lado
e te admiro.
Gosto de teu sorriso sem conflito,
tua trança
que balança frouxa contra o vento.
Acostumei-me a te levar comigo
pelos meus sucessos
e nos contratempos.
Eu me desculpo pelos meus excessos.
Há espaço pra nós duas,
suficiente
para poder te manter irreverente,
apoiada na minha metade equilibrada.
Assim me encosto
na textura sem rugas de teu rosto.
Se houver um quase nada
de divergência,
é melhor prevalecer a tua inconseqüência,
que é o nosso lado mais sadio.
Se por acaso houver um desafio,
há de vencer-me a ingenuidade
que evaporou no tempo,
que descorou nos tons da meia-idade.
Mas, quando um dia confrontarmos
nossas diferenças,
quero que se sobreponha
por sobre minha face mais tristonha
a tua liberdade mais traquina.
Eu te dou a mão num gesto de ternura,
porque te quero sábia,
porque me quero pura.
Meio mulher madura,
meio menina."

(Flora Figueiredo)

Ao receber este poema de presente da Vera, fiquei tentando responder a mim mesma em que momento da vida percebemos que a infância acaba - acho que ontem percebi. Quando eu era criança, meu pai conta que, um dia, brincando comigo, disse: "Gabi, dá sua mão pra eu colocar no fogo pra você ver que não queima", e eu dei. Ele, claro, não colocou minhas mãos no fogo mas observou o quão ingênuo é um ser humano que ama; quão ingênua é uma criança.

Mas há um momento na vida em que você se depara, por amor, colocando a ingenuidade do outro no fogo em troca da sua ingenuidade, também colocada pelo outro no mesmo fogo. E é assim que crescer dói. Mas é apenas uma mão queimada aqui e outra ali, por amor, por saber que são essas mesmas mãos que daqui a pouco terão que trabalhar, se sustentar, e viver os prazeres que a vida proporciona às próprias custas, aos próprios méritos. É o momento em que se descobre que, nem pai, nem mãe são mais responsáveis por quem você é e pelo que você faz. O responsável agora é você. E as duas mãos de ingenuidades queimadas, pois, se perdoam, e seguem em frente, já que foi por amor e por convenção social que tudo isso aconteceu. E algumas convenções sociais são necessárias para que vivamos bem em sociedade, ainda que auto-gerida.


Quem dera que pudéssemos ser crianças para sempre, sem nos responsabilizar pela "maioridade" em cuja teoria, Kant nos é tão clara - "O Iluminismo é a saída do homem da menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! "


Mas são apenas duas mãos de ingenuidades queimadas, e não corpos inteiros. Mão dignas, que vão trabalhar e usufruir, com equilíbrio, dos prazeres do próprio suor, do próprio entendimento do mundo, da própria sabedoria conquistada pela experiência da vida, dos estudos, dos encontros com os outros. O resto do corpo e da alma continuam ingênuos. E quantas vezes mais nos veremos diante da perda da tão superestimada ingenuidade? São tantas as formas que nos ferem-na, que não consigo aqui enumerar. Mas algo de pueril, de gracioso, de generoso, de bailarino, de amoroso e, especialmente, de confiante no amor do outro, sempre permanece. Que nos abracemos às nossas queimaduras, mas também à nossa higidez. E sejamos, em paz, sem medo e sem mágoas, o que tivermos de ser.


"Eis que eu reconheci o que é bom: que é conveniente ao homem comer, beber, gozar de bem-estar em todo o trabalho ao qual ele se dedica debaixo do sol, durante todos os dias de vida que Deus lhe der. Esta é a sua parte. Deus dá ao homem bens e riquezas, e lhe concede delas comer e delas tomar sua parte, e se alegrar no seu trabalho. Isso é um dom de Deus.  Ele não pensa no número de dias da tua vida, quando Deus derrama em seu coração a alegria." (Ecl, 5; 17-19)



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O COMEÇO ESTÁ NO FIM

Este blog acaba recomeça por aqui. A minha claustrofobia de palavras acabou, mas as idéias são sempre possíveis e sempre novas, basta vocês continuarem se correspondendo comigo e eu vou adorar continuar o blog em interação com cada um. E daqui a pouco será hora de eu aprender a escrever também para crianças - quem sabe serão vocês mesmos a me ensinar, permitindo a seus filhos se corresponderem comigo, por exemplo? Vocês terão notícias. Avisarei aqui. Mas será em outro blog. Obrigada a todos por tudo e vamos, juntos, continuar. Amo vocês.

Gabi.


SOBRE A GRATIDÃO II

As coisas estão, agora, melhorando. Nas férias tudo explodiu e mil idéias na cabeça, a faculdade parada, ninguém se correspondia comigo no blog, eu não sabia como nem por onde começar mais a escrever o resto do que eu tinha para dizer, e tinha muito. Das coisas que vivi e tenho vivido, estão sendo dia após dia superadas, é tranquilo para mim. O que me transtornava era a claustrofobia real de palavras, de idéias não paridas se acumulando em mim, como se houvesse origem, mas não houvesse para elas meio de vasão. O blog não se fazia suficiente porque eu sempre senti que preciso interagir com as pessoas, mesmo que no mais profundo silêncio, que é o silêncio do simplesmente existir. Mas aquele silêncio esmagador, de todos e cada vez mais leitores frequentando o blog, já não era um silêncio de simplesmente existir, era um silêncio de brotá-los através do meu quase herege e vagaroso murchar. Foi por isso que precisei pedir socorro e, Graças a Deus, fui prontamente acolhida e compreendida por várias pessoas, inclusive a maioria delas chegaram até mim por intermédio do seu blog. Por isso você é outra pessoa a quem devo gratidão. Assim, obrigada pela preocupação, pela amizade e pela gentileza, desde o nosso primeiro contato, antes como ídolo, depois como amigo, blogueiro e como colega - acho que hoje já tenho auto-estima suficiente para me considerar assim. Muito obrigada mesmo. Um grande abraço.

Gabi.

ATRAVÉS

(também para Davi)

Tão bonito isso, Chris - você se dispor, se oferecer assim, de peito aberto a quem queira seu ombro, sua companhia, sua amizade, sem medo de viver ou morrer. Devo lhe contar que tenho descoberto ser este o sentido da minha vida: perder o medo desta e da morte, aprender a abrir o peito ao mundo, sem medos, nem objeções, nem desconfianças excessivas. Por longos vinte e dois anos fui assim - ou melhor, vinte e um, o ano vinte e dois ainda está rolando -: desconfiada, medrosa, arisca, cheia de espinhos em relação ao mundo, escondendo o meu amor pela vida e o meu amor até mesmo pela morte.

Hoje, de alguma maneira, não sei se por causa de tudo o que passei e tenho passado, consigo atravessar o tempo e enxergar minha vida através da vidraça que me separa do futuro, guiado por minhas escolhas, e não mais sinto medo. Não mais sinto medo de amar o mesmo homem para o resto dos meus dias; de, por amor, guardar segredos para sempre; nem mesmo de não ver tudo com a clareza com que eu nem gostaria de ver, porque já deu medo.

Então obrigada, Chris, por me mostrar essa possibilidade tão linda e tão extrema da alma humana, que é a de viver sem medos da dor ou do orgasmo, porque, sabemos, nenhum dos dois é eterno. Obrigada por abrir a mim e ao mundo o peito tão solicitamente, ensinando tudo isso de maneira tão gentil e subliminar.

Abraços.

Gabi.

SOBRE OS PRIMEIROS E ÚLTIMOS TEMPOS

(para Hellen)

"O amor supera tudo, meu filho, mas nem tanto" - foi isso o que ouvi de uma paciente a outro lá na psiquiatria num dos dias em que estive internada. Seu último e-mail fez-me relembrar todos os seus comentários, desde o primeiro, aqui no blog, e fiquei pensando em como eu sinto você, vezes como mãe, vezes como filha, mas de maneira perfeita, com aquela troca justa que a gente não consegue fazer entre pais e filhos genuínos, porque provavelmente, como diz a Clarice, que tanto gosto de citar aqui, já viemos mesclados ao erro. Nós filhos e nós pais (para os que já o são) temos sempre os nossos limites - e de direito!

Sabe, nos meus delírios (?) mais profundos, fiquei pensando na Bíblia, na Criação do mundo, pensando que Deus pode, sim, ter errado - ora, árvore do conhecimento mais livre arbítrio seria mesmo possível igual à desobediência. E Adão e Eva? Como poderia Adão saber amar se não existia antes alguém para ser por ele amado(a)? Então aprenderam-se o amor quando existiu a mulher. Parece-me impossível, assim, que um homem ou uma mulher saibam amar, simplesmente, sozinhos. Mais, ainda sobre Adão e Eva, tiveram seus filhos e seus filhos tiveram filhos com quem? Então, o incesto é regra universal, por quê? E se o Fim do Mundo não se tratar do desaparecimento de tudo o que existe?  E se for, ao contrário, o fim (como final e finalidade) da Criação - a reconciliação do masculino com o feminino e do humano com o sagrado? Por humano entendo o pecado do conhecimento - que hoje consumimos compulsivamente por Palavra e Ciência.

E se amanhã descobrirmos que conseguiremos ser pais e filhos perfeitos para os nossos genuínos filhos e pais e que o amor realmente supera tudo? Será muita utopia, muito delírio ou basta-nos acreditar e tentar fazer acontecer? Eu realmente não sei, mas ainda acredito no livre arbítrio, então fico com a última opção.

Obrigada por tudo. Mil beijos em todo o rosto.

Gabi.