sábado, 14 de maio de 2011

LOLA

Mas, como tinha de ser, Lola foi crescendo... e descobriu que o céu era enorme, que a selva tinha lá seus perigos e que alguns deles ela poderia enfrentar sozinha e desafiar a própria fragilidade; dos outros ela aprendeu a fugir. A coisa ficou mais assustadora quando ela começou a temer a própria matilha, a entender que havia desavença entre os seus próprios líderes que ela sempre tanto prezou. Aquilo a decepcionava e dividia de tal maneira que ela foi se fechando, na mesma época em que as descobertas sobre si mesma começavam a se escancarar diante de seus olhinhos e orelhinhas atentos e assustados.

Lola descobriu que podia botar ovos. Podia não era a palavra adequada. Ela botava ovos e não era algo voluntário. Era um processo doloroso e secreto, porque ela teve medo, desde o primeiro ovo ela teve medo de dizer a alguém o que acontecia. Ela sabia que botar ovos não era coisa para uma cadela selvagem. O que significaria aquilo? Cada ovo era minuciosamente diferente do outro e só era gerado depois que ela se relacionava muito verdadeiramente com algum outro cão ou cadela da matilha. Era como uma entrega. Ela não sabia o que fazer dos ovos, apenas os escondia. Não sabia se eles deviam ser chocados, se deviam ser mostrados. Apenas algo dizia-lhe que não os quebrasse. Faziam parte dela. Certa vez, por acidente, um foi-lhe quebrado e aquilo lhe doeu nas vísceras.

Ela ficava imaginando se deveria entregar o ovo à cadela ou cão a quem correspondia. Afinal, ela já havia descoberto, aquele ovo era fruto de uma relação. Certo dia Lola experimentou compartilhar seu segredo. Presenteou o cão do respectivo ovo com o próprio, sem dizer bem de onde vinha. O cão se emocionou com o presente, achou tão bonito que saiu emprestando, passando de cão em cão, até que o ovo se perdeu dos olhos dele. Mas não nos olhos de Lola.

Houve outro cão que mexeu no ovo, jogou pra cima, girou de um lado para o outro, apertou até que o ovo se quebrasse – Lola disfarçou a dor visceral – e se decepcionou porque o ovo era oco.

Até que um dia Lola conheceu um cão que parecia também guardar um segredo. Era um cão revestido de casca de ovos quebrados. Lola contou tudo a ele e, juntos, tiveram uma ideia: enterraram tudo que puderam, os ovos escondidos, as cascas dos ovos quebrados e procuraram por aí todos os ovos perdidos para que fossem recuperados e enterrados juntos também. E enterraram à parte os ovos que nasceram da relação que nascia um com o outro.

E todas as vezes em que conheciam algum cão verdadeiramente importante e botavam mais um ovo, voltavam ao mesmo lugar e enterravam o ovo. Com o tempo, no lugar floresceu um jardim imenso onde eles iam brincar com seus filhotes - que geraram-lhes mais ovos - e no lugar onde enterraram os ovos de seus encontros, como que por mágica, brotou água limpa e fresca.

E aqueles dois cães eram um segredo que floresceu na matilha e ela - a matilha - provavelmente, nunca saberia.

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