sábado, 31 de outubro de 2009

POR QUE NUNCA SE SABE

O silêncio e a linguagem, juntos, são os culpados por todas as mentiras do mundo. Se não fossem tão cúmplices, saberíamos a(s) verdade(s). Só porque assim coexistem, tudo são dúvidas.

Será?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

SOBRE O NOVO VISUAL DA MENINA

Então não fique brava, mãe, porque cortar tanto o cabelo foi o jeito menos agressivo que ela encontrou de tentar, por algumas noites, dormir em paz.

sábado, 24 de outubro de 2009

GAROTA DA PRAIA (para Laura Prandi)

Ousada, precoce, firme e sempre alta, imponente, cheia de consciente compostura, a despeito dos saltos altos e dos altos saltos. Naquela metrópole a menina virou mulher. E a mulher corre, se exaure, ama, odeia, carrega em si suas mil faces - todas autênticas, bela e cuidadosamente maquiadas. E atrai desejos e desdém. Olhares. Dela o mundo, ela do mundo.

Mas agora, o litoral que a aguarde. A cem por hora, ela vai mergulhar. Contra o vento, em vôo livre, a garganta secando trilhas sonoras de expectativa. A cem por hora, sem sequer imaginar que a praia foi sempre sua. E vai fundo, vai forte, sem medo. Porque ela é o próprio mar. Ela é o próprio lar.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

SOBRE DIFERENÇAS

Ele se esforça, estuda, lê, calcula, se informa, angustia, produz, se eleva; é admirado, condecorado, aplaudido, retrucado, vez ou outra rejeitado ou reconhecido; e acha que pensar o mundo pautado em grandes nomes - da ciência, da literatura, da música, do cinema - o libertam minimamente da mediocridade, do controle externo, da submissão ao poder, do automatismo.

Ela dança o que tocar na festa e ouve em casa a trilha sonora da novela das oito; aos domingos assiste e se diverte com qualquer coisa transmitida pela TV comum; suas grandes aspirações são um bom salário, boa aparência, bom marido e bons filhos; não se importa muito com cinema; livros, então, não leu mais de cinco; se tem dor, vai ao médico e, se sofre, à igreja; não aborda política, convenções ou ciência; prefere, antes, conversas de salões de beleza e de banheiros femininos.

A despeito de tantos contrastes, ambos estão exaustos e oncológicos, ponderando se têm valido a pena. Cá, entre todos nós, a "grande" diferença são os ídolos.

Somos um bando de Hitlers, disfarçados de Ches.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

SOB LENTES

"Vi flores nascerem em lugares pedregosos
E coisas gentis feitas por pessoas de má aparência,
E a taça de ouro ganha pelo pior cavalo nas corridas,
E, assim sendo, eu também confio." (John Masefield)


Dei mais atenção às ervas daninhas que enfeiaram grandes jardins,
Às coisas pérfidas feitas por gente que sedutoramente sorria
E aos bons cavalos que nunca ousaram sequer competir.
Por isso, talvez, eu ainda prefira desconfiar.



Vide Epitaphius.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PERGUNTO-TE-ME (poema em construção)

será que um dia vou admitir e amar a imperfeição, ao invês de,
com o gado, criar metas de humanidade inatingíveis?

até quando assumir e legitimar os padrões
fracassados que alguma frustração coletiva criou?

alguém realmente se importa se o outro chora ou seca,
quando ele continua cumprindo bem suas obrigações?

ser feliz é, mesmo, tão bom assim, ainda que
eu não saiba, definitivamente, como lidar com isso?

quem vai me absolver, se eu disser que sinto medo,
preguiça e o contrário, bem contrário, de ambição?

quantas vezes, hoje, eu sorri e me vangloriei
pra que ninguém percebesse a estranheza de mim em mim?

qual é a solução,
quando um abraço sincero não resolve?

qual o limiar da exaustão, pra que,
eu decida, enfim, entre insistir e desistir?

quantas crises mais até a corajosa resolução?
aliás, pra quê ansiar por resolução?

e, afinal, por que tanta busca por respostas,
se tudo o que eu quero é não me importar com as perguntas?

tem de ser sempre assim,
tão difícil, simplesmente viver?



segunda-feira, 12 de outubro de 2009

DE PRESENTE, LAMPIÃO

coração este que é feito
dos amores cumulativos
que se alternam, a(s)cendem
e se apagam, inevitavelmente

ele pulsa, dança, sangra e se alimenta
de cada amor que já brilhou
e celebra, rumina, agradece
passados, ausentes

porque em tanta escuridão
reluziu, fez-se presente
este amor de agora fogo
este chão de agora doce

esta vida agora sóbria
este bicho afinal pleno
este som em cores mil
esta paz agora sã

são todos meus; são todos seus; são todos eu.